SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Vídeos mostram que autoridades da Grécia deixaram 12 imigrantes africanos, entre os quais diversas crianças, em um bote salva-vidas em alto mar, o que configura uma deportação extrajudicial que viola leis internacionais e regras da União Europeia, bloco ao qual o país pertence.
O emprego desse tipo de tratamento a imigrantes sempre foi negado pelo governo grego, mas nesta sexta (19) o jornal The New York Times divulgou imagens compartilhadas pelo trabalhador humanitário austríaco Fayad Mulla que comprovam o uso da tática. Nos últimos dois anos, ele documentou maus tratos contra imigrantes no Mar Mediterrâneo, uma das principais rotas de migração até a Europa.
Os vídeos mostram as autoridades transferindo os 12 imigrantes de uma van branca para uma lancha na ponta sul de Lesbos, ilha a leste do Mar Egeu, em 11 de abril. Na embarcação, eles são recebidos por dois homens com os rostos cobertos com o que parecem ser máscaras de esqui e levados até o navio 617 da Guarda Costeira -pago principalmente com fundos da União Europeia, segundo o New York Times.
O navio, então, parte em direção à Turquia e chega ao limite das águas gregas, onde os imigrantes são empurrados para um bote salva-vidas preto -a Grécia sempre negou o uso desse tipo de embarcação na expulsão de imigrantes, devido ao risco de naufrágio. Embora o registro não permita ver a cena com clareza, o jornal americano entrou em contato com 11 requerentes de asilo de Somália, Eritreia e Etiópia que estavam no centro de detenção em Izmir, na costa turca, e confirmaram o que as filmagens mostram.
Segundo a reportagem do jornal americano, os migrantes deram relatos detalhados do que aconteceu naquele dia antes mesmo de verem o material gravado. Eles também tinham a mesma altura das pessoas que aparecem nas filmagens e alguns usavam as mesmas roupas do dia em que foram expulsos.
Aden e seu bebê, Awale, estavam entre os passageiros daquela van. Ela conta ter sido capturada por homens mascarados um dia após chegar a Lesbos em um bote de contrabandistas e passar a noite escondida no mato. Os entrevistados preferiram dar apenas o primeiro nome por medo de sofrerem represálias. Mahdi, 25, e Miliyen, 33, também estavam escondidos em um matagal -no dia da entrevista, os tornozelos de Miliyen ainda tinham arranhões que ele sofreu naquele dia, relata a reportagem.
A Guarda Costeira Turca afirmou ao jornal ter resgatado “12 migrantes em situação irregular no bote salva-vidas empurrado de volta para as águas territoriais turcas por ativos gregos”. Vídeos fornecidos pela Turquia mostram os mesmos imigrantes chegando ao porto de Dikili. Na verdade, eles voltavam ao país. Todos os envolvidos na expulsão estavam na Turquia há pelo menos um ano, enquanto tentavam juntar dinheiro para pagar a ida até a Europa. Antes, enfrentaram outras jornadas em seus países de origem.
Miliyen fugiu da repressão na Eritreia para chegar à Etiópia e encontrar uma guerra civil. Abdullahi e seus filhos foram da Somália para o Iêmen, em conflito há oito anos. Já Aden fugiu de Jilib, cidade na Somália controlada pelo Al Shabab, grupo terrorista ligado à Al Qaeda. “Não podemos voltar à Somália”, disse ela.
Abdullahi também fugiu da Somália para o Iêmen e de lá para a Turquia. Quando chegou à Grécia, foi abordada por homens que diziam trabalhar para a ONG Médicos Sem Fronteiras, o que não era verdade.
Na captura, os imigrantes disseram que seus pertences foram retirados, e seus hijabs, arrancados. Miliyen não sabe se conseguirá contato com sua mãe, já que o número de telefone do vizinho que cuidava dela na Somália estava no celular tomado pelas autoridades gregas. “Não sei se minha mãe está viva”, disse ele, em razão da guerra civil que se desenrola no país. “E não sei como encontrá-la.”
O barco em que os migrantes foram levados não teve a localização registrada pela Marine Traffic, site que rastreia embarcações. Assim, a reportagem determinou sua posição por meio de outros navios que aparecem nos vídeos. O governo grego, segundo o jornal, não respondeu a pedidos de entrevista.
Na semana passada, porém, o primeiro-ministro Kyriakos Mitsotakis defendeu as políticas de migração “duras, mas justas” de seu governo durante um ato de campanha -a Grécia terá eleições neste domingo (21). Já a Comissão Europeia disse que levaria o assunto às autoridades gregas.
Segundo a agência europeia Frontex, o número de entradas irregulares em países-membros da UE em 2022 aumentou 64% em relação ao ano anterior e chegou ao nível mais alto desde 2016, quando a cifra foi pouco superior a 500 mil. De acordo com o órgão, no ano passado foram registradas 330 mil entradas em condições ilegais. Cerca de 10% dessas migrações foram realizadas por mulheres, e 9%, por menores.
Redação / Folhapress