Kleber Mendonça Filho exibe história do Recife em Cannes com ‘Retratos Fantasmas’

CANNES, FRANÇA (FOLHAPRESS) – Pode-se dizer que Kleber Mendonça Filho virou habitué do Festival de Cannes. Depois de exibir “Aquarius” na competição oficial em 2016, vencer o prêmio do júri por “Bacurau” em 2019 e integrar, ele próprio, o júri de 2021, o cineasta pernambucano retorna à Riviera Francesa com cacife para exibir seu novo projeto em sessão especial.

Foi numa sexta-feira chuvosa e tristonha que o festival deu vazão ao clima igualmente melancólico de “Retratos Fantasmas”, que além da première com a participação do diretor, que teve fila de ao menos 50 pessoas em busca de assentos de última hora, tem outras duas sessões programadas -uma para a imprensa e outra aberta ao público, já esgotada.

Um documentário, o longa combina com Cannes justamente por fazer uma ode ao cinema, juntando pedaços da história do Recife para falar das salas de rua que já foram tão abundantes na capital pernambucana e que hoje, como em qualquer grande cidade, ou definham, ou sumiram de vez.

A première foi apresentada por Thierry Frémaux, diretor do festival, e foi precedida por um breve discurso do cineasta, em que destacou a presença de Joelma Oliveira Gonzaga, secretário do audiovisual do Ministério da Cultura. “É normal ter uma pessoa do governo apoiando [o cinema] e nós não tivemos isso por sete anos”, disse em referência aos governos Temer e Bolsonaro.

“Retratos Fantasmas” nasceu ainda nos anos 1990, quando Mendonça Filho trabalhava em um par de curtas documentais para o projeto de conclusão de curso da faculdade de jornalismo. Na época, registrou os cinemas de grande porte do passado e, desde então, as fitas ficaram guardadas.

O tempo foi generoso com o material, disse ele a este jornal antes de embarcar para Cannes, mostrando a enorme estante recheada de caixas com as gravações. Como o trabalho nunca abandonou a mente do cineasta, foi fazendo anotações, sem um roteiro formal à mão, que ele decidiu criar o novo filme.

“É um filme sobre cidades. Eu gosto de observar o comportamento das cidades, porque elas refletem o comportamento da sociedade e da nossa cultura”, afirmou na ocasião, deixando claro que não é apenas de cinema que “Retratos Fantasmas” fala. “O filme é uma constatação de que o tempo traz muitas mudanças, e eu não olho para elas com julgamento.”

Isso se reflete no longa, fatiado em três partes. A primeira, mais pessoal, conta a história do apartamento comprado pela mãe no bairro de Setúbal, no Recife, e sobre a degradação urbanística que tomou conta de seu entorno. Explora, ainda, a filmografia de Mendonça Filho e desenterra as raízes de filmes como “O Som ao Redor”.

A segunda parte entra, então, na história dos cinemas de rua, que serve mais como ponte para que ele ateste a passagem do tempo em sua cidade natal. Por meio das marquises de um punhado de salas, vai criando uma narrativa compartilhada pelos conterrâneos. A terceira, por fim, mostra o amargo crepúsculo desses endereços.

Cerca de 11 horas de gravações foram transformadas na uma hora e meia de filme, que também usou materiais de arquivo e outros documentos a que Mendonça Filho teve acesso por meio de amigos, cinéfilos e cinematecas. O resultado, em Cannes, foi uma salva de palmas entusiasmada de uma plateia que ia muito além de brasileiros.

LEONARDO SANCHEZ / Folhapress

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