Como Victor Brecheret forjava suas esculturas, que ganham mostra em SP

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O prazer dos amantes forjado em bronze não pode ser consumido pelo tempo. É o que se vê em “O Beijo”, obra de pouco mais de 30 centímetros de Victor Brecheret, uma das peças mais conhecidas da escultura moderna brasileira.

Suas formas arrojadas expressam para o espectador a emoção dos dois corpos entregues ao desejo. Ao retratar o casal emaranhado no instante do afago, Brecheret ousou ao representar uma paixão desinibida, enquanto a sociedade paulistana se escandalizava com obras que evidenciavam o afeto, a exemplo de “Beijo Eterno”, do sueco William Zadig, seu contemporâneo.

O escultor italiano radicado no Brasil tem seu legado revisitado na exposição “Victor Brecheret: O Mestre das Formas”, que abre neste sábado no Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, no Centro.

Com curadoria de Fernanda Carvalho e Ana Paula Brecheret, neta do artista, a mostra reúne 14 obras selecionadas de uma coleção particular. O espaço foi dividido em seis núcleos que abarcam diversas fases do pioneiro na escultura modernista.

“Não são peças grandes, mas são absolutamente expressivas, como ‘O Beijo’, que mostra esse gesto lindo de ele colocar a mão no seio da amante. A fusão das cabeças nessa forma geométrica é um aspecto que pode ser visto até no ‘Monumento às Bandeiras'”, diz a curadora Fernanda Carvalho, durante a montagem.

“Este olhar que ele tinha sobre o corpo se repete em outros trabalhos. Se você pensar que as pernas e os glúteos são largos, é como se essa forma fosse projetada em uma outra escala, acrescenta ela.

A mostra oferece um recorte inédito ao espectador por apresentar obras raras, como a pedra submarina “Veado Enrolado”, que o escultor resgatou do mar e assinou, à Pietá, única escultura em madeira.

“Brecheret é conhecido como um escultor de monumentos gigantescos, então o que a gente queria discutir nesta exposição é a questão da proporção. Como um homem que talha pedras de seis metros de altura consegue fazer uma peça tão sensível, tão cuidadosa e meticulosa? Como se pode ver na figura do Fauno, que transita entre o que é religioso e o que é profano, diz a curadora.

A pequena escultura retrata o Deus Pã, cuja peça maior, instalada no Parque Trianon, chegou a ser alvo da censura de padres no século passado por prestar homenagem a um deus pagão.

A curadoria percorre toda a carreira de Brecheret, com ênfase entre as décadas de 1910 e 1950, e apresenta rico material sobre a biografia do artista. Ela está documentada no núcleo “Tecnologia”, que traz réplicas digitais de esculturas icônicas por hologramas e maquetes, como o croqui do “Monumento às Bandeiras”.

Projetado como o autor de monumentos públicos como a figura feminina de “Depois do Banho”, escondida no largo do Arouche, à estátua do Duque de Caxias, na praça Princesa Isabel, Brecheret tem seu legado preservado pelo instituto que leva seu nome, mesmo que suas obras em vias públicas muitas vezes fiquem invisíveis aos olhos.

“A má preservação das esculturas e a violência contribuem para o esquecimento de vários escultores, como Brecheret e Zadig, por exemplo. É difícil encontrar as obras deles”, afirma Carvalho.

Embora o modernismo tenha ganhado impulso depois da Semana de 1922, o jovem escultor, que recebeu uma formação tradicional e via Rodin como modelo a ser seguido, desenvolveu uma postura eclética em relação à escultura.

Já o apreço pelo autor do famoso “Pensador” veio ao acaso quando, aos 15 anos, andando pelo viaduto do Chá, Brecheret viu em um jornal a foto de uma escultura do francês e ficou fascinado.

À época aprendiz de sapateiro, o menino, com ajuda de uma tia, foi matriculado no curso de desenho e modelagem do Liceu de Artes e Ofícios. Hoje, nos 150 anos do liceu, seu nome é o mais ilustre do acervo.

O flerte com outros estilos de esculturas, como se vê em sua representação da “Pietà”, esculpida no próprio liceu, mostra o despojamento precoce do artista, que trabalhou na obra enquanto frequentava as aulas na instituição.

“A peça da ‘Pietà’ tem 110 anos. É um bloco maciço de madeira que ele modelou como bronze ou gesso. A gente não tem contato com outra obra desse tipo e com esse material feita por Brecheret, o que a torna única”, afirma Carvalho.

Posicionada no piso superior do centro cultural, a obra dialoga com uma reprodução da escultura original projetada por Michelangelo no Vaticano. Abrilhantada por uma luz quente do totem que reveste seus veios com uma aura sacra, ela mira de cima a representação europeia presente no acervo da instituição. Um discreto acerto de contas.

O escultor foi versátil também na representação das figuras, tendo fôlego para “percorrer o amplo arco temático da produção do artista que dialogou com o sagrado e o profano, o masculino e o feminino, o oriente e o ocidente, a cultura dos povos originários e a mitologia, apresentadas em obras multiformes e de diferentes épocas históricas”, afirmam as curadoras.

No percurso de “Mestre das Formas”, epíteto que é atribuído ao escultor, o espectador encontra também as ferramentas originais preservadas, utilizadas por ele há mais de um século. É uma oportunidade que revela o cuidado do autor de grandes figuras com o miúdo, tendo espátulas e trinchas diminutos, responsáveis por dar acabamento em peças icônicas, como a representação da Virgem Maria com o menino Jesus. Cena que não poderia faltar em seu repertório, como bom italiano.

VICTOR BRECHERET

Quando: Ter. a sáb., das 12h às 17h. Até 12/8

Onde: Centro Cultural Liceu de Artes e Ofícios – r. Cantareira, 1.351, São Paulo

Preço: Grátis

MATHEUS LOPES QUIRINO / Folhapress

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