Lasso tentará fazer em 6 meses o que não conseguiu em 2 anos, diz analista

BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – Quem achou que a decisão do presidente do Equador, Guillermo Lasso, de dissolver o Parlamento e convocar novas eleições seria sua última tentativa de permanecer no poder –desafiando tanto a oposição quanto sua taxa de reprovação de 80%– mostrou-se enganado.

O líder não pretende voltar a concorrer ao cargo, como declarou em entrevista ao jornal americano Washington Post na sexta-feira (19), descrevendo o próprio gesto como um “ato de generosidade para com o país”. E ele não está exatamente errado em comemorar, opina Michel Rowland, analista político há quase três décadas.

“O governo triunfou, pelo menos nesta primeira etapa”, diz o consultor e pesquisador equatoriano. Afinal, a Corte Constitucional considerou que a chamada “morte cruzada”, acionada pela primeira vez na história, está dentro das regras e as ruas permanecem tranquilas diante da profunda crise política, o que é incomum para o país.

Agora, antes de abandonar seu futuro político, Lasso usará os seis meses que lhe restam até as eleições extraordinárias para “tentar fazer o que não conseguiu em dois anos”, afirma Rowland, que integrou a Assembleia Constituinte de 1997, depois substituída por outra em 2008.

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Folha – Como avalia a decisão de Lasso de dissolver o Parlamento?

Michel Rowland – As coisas saíram bastante bem para o presidente. Primeiro, a Corte Constitucional negou os pedidos de inconstitucionalidade dos ex-congressistas, se absteve em se pronunciar sobre o tema e determinou que nenhuma instituição judicial pode fazê-lo. Em segundo lugar, o Conselho Nacional Eleitoral, a máxima autoridade eleitoral, já anunciou um cronograma das eleições. A morte cruzada, portanto, é a decisão final, e o governo triunfou, pelo menos nesta primeira etapa.

O presidente, inclusive, já começou a legislar. Enviou um decreto no mesmo dia para reajustar o sistema tributário, ampliando isenções tributárias para beneficiar a classe média, e anunciou outros decretos sobre zonas francas, reforma trabalhista, reforma do Instituto Equatoriano de Segurança Social. Todos vinculados ao tema econômico, que é o único em que ele pode mexer nesse momento.

Folha – A oposição argumenta que a morte cruzada é inconstitucional porque o Equador não passa por nenhuma grave crise política ou comoção interna. Como vê a questão?

Michel Rowland – Depende do que você considera crise. Agitação social não há, com mobilizações nas ruas e bloqueios nas estradas como há 11 meses, quando protestos indígenas colocaram o governo em xeque. Mas crise política eu considero que sim. Desde que Lasso começou a governar, a Assembleia obstruiu sua gestão ao atrasar a discussão e a aprovação de certos projetos de lei, ou aprová-los com reformas que alteravam sua natureza original. E houve, claro, os processos de impeachment e os pedidos de informação constantes que o Legislativo fazia aos ministros. Mas também não vou eximir o governo de responsabilidade. Assim que Lasso assumiu, começaram as rupturas: com o Partido Social Cristão, com a Esquerda Democrática, com o [movimento indígena] Pachakutik e assim sucessivamente. Foi um diálogo surdo entre ambos os lados, sem consensos.

Folha – Lasso anunciou reformas horas depois de dissolver o Parlamento. Ele pode percorrer um caminho autoritário?

Michel Rowland – Neste momento ele tem um árbitro que é a Corte Constitucional. Caberá ao tribunal revisar decreto por decreto e dizer: isso é aceitável, isso não é, da perspectiva das leis, claro. Então não acho que ele vá cair em uma deriva autoritária, não no mesmo sentido de outros países latino-americanos. Falando de perseguição política, por exemplo, Lasso não é uma pessoa com traços autocráticos, por sua trajetória. O que interessa a ele nesse momento é fazer em seis meses o que não conseguiu em dois anos, além de se blindar diante da Corte para que, se uma força política opositora ganhar as eleições, não possa modificar o que ele fez. Mas é preciso ver o que vai acontecer nos próximo meses.

Folha – Como acredita que a Corte Constitucional agirá, diante do tamanho do poder que detém agora?

Michel Rowland – É a melhor Corte Constitucional que tivemos nos últimos dez anos. Os juízes têm uma formação muito boa, critérios que me parecem técnicos e são bastante apolíticos, diferentemente de Cortes anteriores. É a primeira vez em que, diante de uma crise política no Equador, praticamente todas as vozes dizem: o que quer que diga a Corte Constitucional, acataremos. É uma situação completamente distinta das crises anteriores, que se resolviam nas ruas, com um presidente saindo do palácio num helicóptero ou os legisladores expulsos de suas cadeiras por militares indígenas.

Folha – Há chances de protestos acalorados?

Michel Rowland – Não, me atreveria a dizer que tudo está muito tranquilo. Os indígenas estão em “stand by”, não há anúncios de mobilizações e a Frente Unitária de Trabalhadores, de sindicatos, apenas advertiu que irá às ruas se o governo tentar ir contra direitos dos trabalhadores. Há uma calma tensa no país, talvez, mas é uma calma. Sinceramente, as pessoas estão mais preocupadas com a insegurança e a situação econômica nesse momento do que em defender os congressistas. Não vi ninguém exigindo que eles voltem aos seus cargos. Isso porque, se o presidente está mal avaliado, a Assembleia está pior ainda. Também por isso é uma crise atípica: além de surgir um árbitro que todo mundo aparentemente respeita, a agitação social não corresponde à agitação política dos últimos dias. Os partidos se movimentaram muito, já estão discutindo sobre as candidaturas, mas as pessoas não, pelo menos até agora.

Folha – Qual é o preço político da morte cruzada para Lasso? Seu opositor Rafael Correa (ex-presidente de esquerda que vive na Bélgica) terá força política para eleger um apadrinhado?

Michel Rowland – Está claro que Lasso não pode, ou melhor, não quer, se candidatar, pelo menos é o que vem dizendo nos últimos dias. Em seis meses ele termina e provavelmente se retira da política, não creio que poderá se reeleger nem eleger um candidato seu –a menos que alcance marcos importantes na parte econômica. Quanto às outras forças políticas, já estão fazendo seus cálculos. O Rafael Correa não pode se candidatar porque tem uma sentença [por corrupção], por isso não vive no Equador. Mas seu partido com certeza vai indicar um candidato e os indígenas também, como Yaku Pérez, que já participou nas eleições anteriores. E estou seguro de que todos os congressistas destituídos também voltarão a concorrer. Nas eleições municipais, em maio, a força política de Correa foi muito bem, o que indica que deve receber uma votação importante.

Folha – Quais problemas o próximo presidente deve enfrentar?

Michel Rowland – O primeiro é a violência, como falei. Nosso país viveu nos últimos meses uma série de episódios aos quais não estávamos acostumados: cadáveres pendurados em pontes, sicários disparando em restaurantes, sequestros relâmpagos, ameaças a familiares etc. Nesse momento há uma migração importante de equatorianos aos Estados Unidos e outros países por causa disso, e não só pela questão econômica, que é o segundo problema. Desde que se dolarizou, o Equador se tornou um país muito caro, somado a salários baixos e poucos empregos. Os jovens procuram trabalho, não acham e tentam migrar. São problemas do futuro presidente, mas também ainda de Lasso.

JÚLIA BARBON / Folhapress

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