OXFORD, INGLATERRA E SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A atriz Laila Zaid tem popularizado o tema das mudanças climáticas nas redes sociais com sátira e ironia. Conhecida por papéis em produções como “Malhação”, “Orgulho e Paixão”, ambas da Globo, e, mais recentemente, na série “Todo Dia a Mesma Noite”, da Netflix, ela conta ter encontrado no humor um caminho para sensibilizar o brasileiro -já “muito ocupado tentando sobreviver”, como define.
“A média do brasileiro ainda não entendeu o beabá. Como é que eu vou querer falar descarbonização, de transição energética, de preservação, se ele não sabe nem falar ‘povos indígenas’? Ainda está chamando ‘índio’, tribo’. Acho que o humor vem para ir construindo uma cultura”, diz.
Laila conta ter herdado da família, desde a infância, uma relação estreita com a natureza. Começou trabalhando com temas socioambientais em um projeto em escolas públicas do Rio de Janeiro, usando técnicas e ferramentas do teatro. Nos bastidores de novelas, peças e filmes, também costumava ser a “ecochata” com os colegas de elenco, conta.
Para o grande público, porém, sua faceta como comunicadora socioambiental só surgiu depois de lançar o livro infantil “Manual para Super-Heróis: O Início da Revolução Sustentável”, em 2021. A partir dali, passou a levar conteúdos sobre sustentabilidade para os seus perfis nas redes sociais.
“Durante a pandemia, fomos morar em uma comunidade no meio do mato, em uma escola florestal que a gente desenvolveu com educadores maravilhosos. Eu comecei a apresentar isso nas minhas redes sociais e vi que tinha uma demanda por esse tipo de conhecimento”, lembra.
“As pessoas queriam saber o que elas podiam fazer na vida privada delas: mudanças de comportamento simples, fáceis, que pudessem estar mais alinhadas com o meio ambiente. Ali entendi que eu estava me tornando uma ponte.”
Hoje, com quase 300 mil seguidores no Instagram e beirando os 190 mil no TikTok, aborda temas que vão da lista excessiva de material escolar pedida pela escola dos filhos à exploração de petróleo na foz do Amazonas. Brinca ainda com a própria realidade das redes sociais quando interpreta a personagem de uma blogueira que promove sustentabilidade de forma totalmente equivocada.
Os conteúdos com maior repercussão, conta, são os que conseguem unir a crise climática à questão financeira ou de saúde. “A gente não tem capacidade cognitiva de lidar com ameaças distantes. A gente tem que trazer para o mais próximo possível”, explica.
Os ativistas do clima dizem que a gente precisa engajar as pessoas não só pela razão, mas também pela emoção. Existe um crescente interesse em fazer isso por meio da arte e do entretenimento. Você diria que é mesmo mais fácil obter compreensão e envolvimento das pessoas dessa maneira? Sem dúvida. Se você fizer um exercício de buscar na sua memória suas lembranças de escola, provavelmente, vão vir memórias muito mais relacionadas a afetos, sensações, experiências do que ao conteúdo didático.
Acredito totalmente numa mensagem sendo passada através de emoção, e a arte faz isso com maestria, mas não existe a pretensão dessa ser a única forma de comunicar sobre o clima, até porque bebemos de algum lugar.
A gente precisa dos cientistas na ponta, desempenhando o desenvolvendo o saber, a informação. A gente precisa dos jornalistas, traduzindo aquele saber em um conteúdo mais inteligível para leigos. E a gente tem também os artistas e os influenciadores num país que é um dos maiores consumidores de mídia social do mundo.
Como você se tornou uma ativista e uma comunicadora socioambiental? Acho que eu sempre fui. Desde criança, sempre fui muito ligada ao meio ambiente pela minha educação. Meu pai era um surfista hippie. Eu cresci na praia e todas as nossas viagens eram para a natureza. Meus avós eram pessoas muito engajadas socialmente e eu aprendi desde muito cedo a ver esse engajamento como uma coisa natural.
Sempre usei essa minha voz. Eu era aquela pessoa que fazia uma novela e enchia o saco do elenco, da produção. Eu era ecochata.
Demorei muito para usar as mídias sociais. Só comecei mesmo quando, na pandemia, o meu livro [“Manual para Super-Heróis”] ia sair.
Durante a pandemia, fomos morar em uma comunidade no meio do mato, em uma escola florestal que a gente desenvolveu com educadores maravilhosos. Eu comecei a apresentar isso nas minhas redes sociais e vi que tinha uma demanda por esse tipo de conhecimento.
As pessoas queriam saber o que elas podiam fazer na vida privada delas: mudanças de comportamento simples, fáceis, que pudessem estar mais alinhadas com o meio ambiente. Ali entendi que eu estava me tornando uma ponte.
Você já disse em outra oportunidade que usa as ferramentas que aprendeu no teatro para falar do meio ambiente. Que ferramentas são essas? Pode dar um exemplo concreto? Talvez de um trabalho que você fez e que obteve um resultado muito satisfatório nesse campo. O meu primeiro trabalho com isso foi dentro de sala de aula. Desenvolvi um projeto social que levei para escolas e que depois foi para um abrigo de meninos no Rio de Janeiro. Eu usava aulas de teatro.
Desenvolvia aulas super dinâmicas, com brincadeiras para levar a educação emocional, ambiental, social para aquelas crianças. Você via de uma maneira muito linda e prática essa compreensão de coletividade, de cuidado com o meio, chegando através de jogos -isso é uma ferramenta que eu trago do teatro.
O que eu tenho feito nas redes sociais é basicamente isso. Eu pego, por exemplo, um tema super espinhoso ou super complexo, tipo a exploração de petróleo na foz do Amazonas, e desenvolvo um conteúdo sobre isso com humor e com ironia. Às vezes desenvolvo cenas mesmo, que eu faço comigo mesma, ou com alguma amiga que está em casa, ou chamo um amigo comediante.
Você teve recentemente o reconhecimento público de Ivete Sangalo, que falou, durante um show, sobre a importância do seu trabalho e até brincou que, por sua causa, tem medo de esquecer a garrafinha de água quando vai à academia. Quais foram os conteúdos que você gerou no Instagram até o momento com mais repercussão e popularidade? Um que viralizou muito foi uma reclamação minha em relação ao material escolar. Você sabe os conteúdos que vão desempenhar melhor, porque são os conteúdos que falam com muita gente.
Eu fui comprar o material escolar dos meus filhos e eu vi o excesso, a falta de pensamento sobre aquilo, o valor totalmente desalinhado com a realidade brasileira. Fiz um vídeo e foi assim, uma pólvora.
Quando eu fiz uma provocação a brinquedos de plástico foi muito legal também. Foi um dos primeiros vídeos que viralizaram muito.
Isso acontece quando você associa à questão financeira, à questão de saúde. Isso é um grande aprendizado. A gente não tem capacidade cognitiva de lidar com ameaças distantes. A gente tem que trazer para o mais próximo possível.
Você já fez muitos trabalhos no teatro e na TV. Por que tem priorizado o humor no seu trabalho como atriz e também como comunicadora e ativista socioambiental? Quando fiz o primeiro teste da minha vida, a produtora de elenco falou: “Você é muito ruim, mas você é muito engraçada. Volta aqui amanhã”.
Aí eu já comecei a fazer humor, e o mercado tem muito disso. Quando você faz uma coisa bem, é nessa “prateleira” que você entra. Então eu fiquei muitos anos fazendo humor na televisão, no cinema e no teatro. É o meu lugar de conforto.
E, quando você vai falar de um assunto como a crise climática, que é um assunto que ninguém quer saber… Ninguém quer saber que a casa está pegando fogo, ninguém quer ouvir que a responsabilidade é nossa e ninguém quer ter que apagar esse incêndio.
Como é que eu vou entregar um conteúdo que é super de difícil digestão, sem gerar resistência? O humor foi a forma que eu encontrei mais eficiente para isso.
O seu livro infantil é um manual divertido e interativo sobre a revolução sustentável das crianças. Como elas têm reagido a ele? Elas acham que elas realmente vão se tornar super-heróis perenes do planeta, e se tornam. As primeiras duas missões são economia de água e de energia, e as crianças viram vigilantes dentro de casa.
O que eu mais recebo de feedback de famílias é assim: “Eu não posso abrir a torneira que minha filha já briga, eu não posso abrir a geladeira que alguém já chama atenção”. O livro é um chamado para participação ativa da criança. Ele parte da premissa de que é muito mais difícil nós, adultos, mudarmos hábitos do que criarmos hábitos novos em crianças.
Você acredita que levar uma vida mais sustentável é consequência direta do amor pela natureza. Como cultivá-lo nas cidades brasileiras, onde vive a maioria da população, com indicadores socioeconômicos e ambientais tão problemáticos? Esse é um gargalo, porque a criança precisa ter contato com a natureza para entender, para se ver parte, para amar e, por consequência, cuidar daquilo. Em um ambiente urbano, esse acesso ao verde é mais restrito, principalmente para a camada mais desprivilegiada da população.
A gente precisa fazer dois esforços. Provocar políticas públicas que promovam esse contato: vamos investir em áreas de convívio, como parques e praças. E também entender que uma criança que vá para aquela quadra de futebol da comunidade, aquilo já é uma experiência muito enriquecedora, porque aquela criança está vendo o horizonte, está correndo. É o início de alguma coisa.
E, se não houver esse contato tão direto com a natureza, que a gente desenvolva o senso de coletividade, que nas comunidades é muito mais forte do que nas áreas mais ricas das cidades.
RAIO-X
Laila Zaid, 38
Cursou publicidade na PUC-RJ, mas encontrou seu caminho profissional nas artes cênicas, em novelas, peças de teatro e filmes. É autora do livro infantil “Manual para Super-Heróis: O Início da Revolução Sustentável”, publicado pela editora Melhoramentos em 2021. É também colunista do projeto Um Só Planeta, do Grupo Globo. Especializou-se em mudanças climáticas pelo Climate Reality Leadership Corps e estudou também saúde e crise climática na Universidade Harvard.
CRISTIANE FONTES E MARCELO LEITE / Folhapress