CURITIBA, PR (FOLHAPRESS) – O juiz federal Eduardo Appio, que assumiu os processos remanescentes da Operação Lava Jato na 13ª Vara de Curitiba no início do ano, disse que está de férias desde o dia 20 e que prefere não se manifestar neste momento sobre a decisão do TRF4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) que o afastou preventivamente das suas funções na Justiça Federal.
A assessoria de imprensa da Justiça Federal do Paraná encaminhou um documento no qual consta que Appio tinha férias marcadas para o período entre os dias 20 de maio e 8 de junho. Procurado pela reportagem, ele informou que as férias já estavam marcadas desde fevereiro.
Na segunda (22), os membros da corte administrativa do tribunal decidiram pela imediata suspensão de acesso físico do juiz às dependências da Justiça Federal e a sistemas, como a rede corporativa interna. O magistrado de primeiro grau também deve devolver desktop, notebook e celular funcionais utilizados por ele.
O tribunal deu um prazo de 15 dias para que ele apresente defesa prévia. A partir daí, a corte administrativa pode instaurar um processo administrativo disciplinar. O caso também foi encaminhado para a Corregedoria Nacional de Justiça do CNJ (Conselho Nacional de Justiça).
Por enquanto, a juíza federal Gabriela Hardt ficará à frente dos processos da 13ª Vara.
A decisão pelo afastamento de Appio foi tomada dentro de um expediente disciplinar aberto pelo corregedor regional da Justiça Federal da 4ª Região, Cândido Alfredo Silva Leal Júnior, a partir do relato do desembargador federal Marcelo Malucelli.
O juiz de segundo grau informou que, em 13 de abril, seu filho, o advogado João Eduardo Barreto Malucelli, havia recebido ligação telefônica que entendia capaz de “evidenciar ameaças”.
O filho do desembargador deixou a ligação em “viva voz” e gravou o contato em vídeo.
O material está nas mãos da Polícia Federal, que já informou ao TRF4 que laudo pericial “corrobora fortemente a hipótese” de que a voz presente no vídeo é do juiz Appio.
A ligação telefônica pareceu suspeita, entre outros motivos, porque foi realizada com número bloqueado (sem identificação do ID do chamador) e o interlocutor se identificou como servidor da área de saúde da Justiça Federal chamado “Fernando Gonçalves Pinheiro”.
Não existe um funcionário com tal nome, como depois verificou o TRF4.
Na ligação, o interlocutor mencionou ter consultado dados do imposto de renda do desembargador federal, falando que tinham “extratos aqui do imposto de renda referente aos filhos, é uma coisa do passado, é um resíduo do passado, que ele tem um crédito que pode abater no imposto de renda, pode computar em favor”.
O advogado não entendeu exatamente do que o interlocutor falava e disse que ele deveria fazer contato diretamente com o desembargador federal, seu pai. “Então eu ligarei, digo que eu falei com o senhor, e que o senhor me autorizou a ligar pra ele, incomodá-lo no próprio tribunal”, diz o interlocutor.
Pouco antes de desligar de forma abrupta, o interlocutor ainda pergunta ao advogado: “E o senhor tem certeza que não tem aprontado nada?”.
A Corregedoria Nacional de Justiça do CNJ informou na manhã desta terça (23) à Folha que ainda não foi comunicada oficialmente sobre o afastamento de Appio.
A Polícia Federal informou à reportagem que “não se manifesta sobre eventuais investigações em andamento”.
**DECISÕES CONFLITANTES**
Appio e Malucelli assinaram decisões judiciais conflitantes naquele mês de abril em relação ao advogado e réu da Lava Jato Rodrigo Tacla Duran.
No dia 11 de abril, a pedido do MPF (Ministério Público Federal), Malucelli derrubou uma decisão do juiz Appio, de 4 de abril, que permitia que Tacla Duran voltasse ao Brasil com salvo-conduto para ter acesso presencial a provas que estão sob a guarda da 13ª Vara Federal e também para participar de uma audiência para tratar das condições de sua liberdade provisória.
O advogado vive na Espanha desde 2016 e em março obteve liberdade provisória, assinada pelo juiz Appio.
Na sequência, dia 17 de abril, o corregedor nacional de Justiça, Luis Felipe Salomão, determinou a instauração de um pedido de providências para apurar a conduta de Malucelli.
Salomão queria entender se a recente decisão do magistrado de segunda instância envolvendo Tacla Duran esbarrava em entendimento do STF (Supremo Tribunal Federal) que suspendeu as ações penais contra o réu.
Ao abrir o procedimento, Salomão também questionou a relação de Malucelli com o senador Sergio Moro (União Brasil-PR) e citou eventual suspeição do juiz.
Tacla Duran vem sustentando que pessoas próximas a Moro tentaram extorqui-lo para obtenção de um acordo de delação mais vantajoso, o que o senador nega.
O filho do juiz federal, o advogado João Eduardo Barreto Malucelli, é sócio do senador e da deputada federal Rosangela Wolff Moro (União Brasil-SP) no escritório Wolff Moro Sociedade de Advocacia. Além disso, João Eduardo seria namorado da filha do casal de parlamentares.
O advogado João Eduardo também tem um cargo comissionado na Assembleia Legislativa do Paraná, no gabinete do deputado estadual Luiz Fernando Guerra Filho (União Brasil) -que é irmão do empresário Ricardo Augusto Guerra (União Brasil), segundo suplente de Moro no Senado.
Em 20 de abril, Malucelli decide se afastar dos casos da Lava Jato. Citou, sem dar detalhes, circunstâncias que “se relacionam com a integridade física e moral de membros da minha família”, e declarou sua suspeição “por motivo de foro íntimo”.
CATARINA SCORTECCI / Folhapress