BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O deputado federal Deltan Dallagnol (Podemos-PR) afirma que os sete ministros do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) combinaram nos bastidores a decisão de retirar seu mandato antes mesmo de o tema ser julgado pelo plenário da corte.
Deltan, ex-coordenador da força-tarefa da Lava Jato, direciona as críticas mais duras ao relator do processo, ministro Benedito Gonçalves. “O ministro condutor do voto trouxe um voto que objetiva entregar a minha cabeça em troca da perspectiva de fortalecer a sua candidatura ao Supremo”, diz Deltan em entrevista à Folha de S.Paulo.
A decisão, por unanimidade, ocorreu no último dia 16. Segundo o parlamentar, os outros seis integrantes da corte eleitoral foram influenciados pelo governo Lula. Deltan diz que mantém esperança de os integrantes da Mesa Diretora da Câmara decidirem ignorar a decisão do TSE para mantê-lo no cargo.
PERGUNTA – Como o sr. avaliou a decisão do TSE que cassou seu mandato?
DELTAN DALLAGNOL – A decisão ofende não apenas a lei, não apenas a Constituição, mas ofende o que tem de mais sagrado na democracia, que é o poder da população expressado pelo voto. Quando um tribunal faz isso fora da hipótese legal, ele está colocando em risco a nossa democracia.
A lei é clara, é objetiva, diz que se torna inelegível o membro do Ministério Público que sai na pendência de um processo administrativo disciplinar. Na minha situação, não existia. Toda regra que restringe um direito tem que ser interpretada de modo restritivo, jamais expansivo. É como se a gente na Lava Jato tivesse acusado pessoas por corrupção em relação a fatos que não configuram corrupção. Fizeram quatro suposições sucessivas. Foi um exercício de futurologia combinado com leitura de mente.
O fato de a decisão ter sido unânime não esvazia esse discurso?
D. D. – O ponto de partida disso é reconhecer que existe uma unidade em torno dessa decisão, que é a unanimidade de que ela descumpriu a lei. Todos os grandes jornais do país fizeram editoriais nesse sentido, pessoas que defenderam a Lava Jato e outras que eram críticas da operação também compartilharam desse entendimento.
Organismos internacionais, como a Transparência Internacional, afirmaram que essa decisão coloca em risco a democracia. A decisão foi uma surpresa não só para mim, mas para todo mundo que havia estudado esse caso.
O fato de ter existido uma unanimidade nessa decisão tomada em 66 segundos mostra que ela foi combinada. Ainda mais que, em visitas a ministros [do TSE], houve ministro que nos assegurou que a sua posição era de que eu estava elegível e de que não compactuaria com alguma decisão política que viesse em sentido contrário ao direito.
Qual ministro? Foi só um?
D. D. – Eu jamais vou expor pessoas que conversam em bastidores comigo sem autorização dessas pessoas.
O sr. então acusa os ministros de terem combinado a decisão nos bastidores em vez de discuti-la apenas em sessão pública?
D. D. – Uma decisão uniforme quando existe toda uma unanimidade em contrário, em 66 segundos, faz com que a conclusão seja aquela para a qual apontou o ministro Marco Aurélio Mello: essa decisão foi combinada. Ela foi combinada e guiada por interesses.
O equívoco técnico da decisão, o fato de os votos e pareceres anteriores terem sido unânimes no sentido oposto, o mau sentimento nutrido por ministros de cortes superiores em relação a mim e à Lava Jato, o rápido tempo de julgamento sem debates, a intenção de vingança declarada pelo governo e investigados, são razões que conjuntamente me levam a acreditar que a interpretação do ministro Marco Aurélio está em geral, sim, correta.
Quais seriam esses interesses?
D. D. – O ponto de partida são as duas vagas que estão abertas para serem preenchidas no STF [Supremo Tribunal Federal], ambicionadas por ministros que estavam lá [no TSE], seja para ocupá-las, seja para indicar quem as ocupasse.
O presidente da República tem um poder imenso na mão ao escolher os integrantes do STF. E esse poder de indicação faz com que muitos ministros, muitas autoridades, vão dançar a música que o presidente da República decidir tocar; e o presidente da República já tocou uma música muito clara em diversos momentos, que é a música da vingança contra a Lava Jato.
Isso fez com que o ministro condutor do voto [Benedito Gonçalves] trouxesse um voto que objetiva entregar a minha cabeça em troca da perspectiva de fortalecer a sua candidatura para uma vaga no STF, num contexto que a gente precisa lembrar. Esse ministro deveria ter se declarado suspeito por ter sido alvo, segundo a imprensa noticiou, de uma delação no âmbito da Lava Jato e num contexto em que nós já vemos vários sinais de amizade e de proximidade entre esse ministro e o próprio presidente Lula.
Mas os outros seis ministros acompanharam o voto do relator.
D. D. – Para além dos interesses desse ministro específico, nós precisamos entender que existem outros interesses de ministros pela indicação de pessoas para as vagas do STF; e a gente precisa entender que vários dos nomes mais poderosos da República são pessoas que foram investigadas na Lava Jato e que tiveram seus interesses atingidos pela Lava Jato.
A narrativa de que tratou-se de uma orquestração de Lula por vingança não perde força diante do fato de que três ministros indicados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro também votaram pela cassação?
D. D. – Quando eu entrei na Câmara, um colega meu de partido estava no elevador e entrou Eduardo Cunha [ex-presidente da Câmara e preso na Lava Jato]. Eduardo Cunha olhou para essa pessoa e disse: nós vamos cassar o Deltan.
Quando eu fui cassado, todo o sistema comemorou, pessoas de diferentes partidos que tinham sido acusadas. Sem o apoio desses políticos e desses partidos, esses ministros jamais estariam na lá.
Na rotina de indicação de nomeação, de escolha e de apoios para que alguém chegue a uma corte superior, ministros vão passar pelos gabinetes de diferentes políticos influentes. Existem ministros que uma vez lá, gozando de vitaliciedade, vão seguir seus princípios e seus valores e outros vão estar abertos a composições de natureza política.
A regra determina que, agora, só cabe à Câmara acatar a decisão de cassação. O sr. vê alguma saída para reverter a perda do mandato?
D. D. – Existem três possibilidades de reversão. A possibilidade mais concreta é, dentro de uma ou duas semanas que nos separam da efetivação da cassação da Câmara, os sete integrantes da Mesa Diretora da Câmara decidirem defender o Parlamento e defender a democracia, não executando essa decisão –seguindo inclusive alguns precedentes do passado em que a Mesa demorou semanas meses ou até mais de ano para executar decisão de cassação.
Acha possível que isso aconteça?
D. D. – O Parlamento é a casa do povo, ele representa o povo e tem a missão de defender o poder do povo que o colocou lá. Dentro desse contexto, eu acredito que tudo é possível se as pessoas se mobilizarem, se manifestarem.
A Câmara tentou notificar o sr. por três vezes e não teve sucesso. O sr. está tentando se esquivar da notificação para postergar o cumprimento da decisão?
D. D. – É claro que não. Eles vieram ao meu gabinete na quinta-feira em que eu estava em reuniões com o partido e advogados e viajei de volta à minha base, que é Curitiba.
Na própria quinta-feira, quando a corregedoria veio aqui para fazer a notificação, a representante da corregedoria estava tremendo, porque nem ela acreditava no que estava acontecendo. E os servidores que aqui compareceram afirmaram que era rotina permitir que fosse agendada uma data para notificação pessoal com o parlamentar.
Imediatamente, com base nessa informação, nós fizemos um pedido de agendamento. No domingo, liguei para o corregedor [deputado Domingos Neto], mandei mensagem, que me informou que estava ocupado e não podia atender naquele momento. Infelizmente, eu não tive retorno.
Na segunda-feira, quando eu estava em reuniões partidárias em Curitiba, os servidores da corregedoria vieram realizar a terceira notificação. Algo que foge ao padrão da Casa, segundo informado pela própria servidora da corregedoria que veio aqui. E a questão que se coloca é: por que o meu caso está sendo tratado de um modo diferente, no Judiciário e aqui na Câmara dos Deputados? E a resposta todo mundo sabe qual é.
O sr. faz alguma autocrítica em relação à atuação da Lava Jato? No caso de Lula especificamente, os processos foram anulados com votos favoráveis de ministros que costumam defender a operação, como Luís Roberto Barroso e Edson Fachin.
D. D. – Houve três ou quatro denúncias criminais contra Lula na Lava Jato. Na primeira, houve condenação por um juízo de primeira instância, confirmação da condenação por três desembargadores e reconfirmação por quatros ministros [do Superior Tribunal de Justiça].
Essas acusações foram levadas para três diferentes tribunais ao longo de muitos anos. Os mesmos padrões que foram aplicados para Lula foram aplicados para todos os outros investigados na Lava Jato, seguindo a lei e decisões dos tribunais que a legitimavam.
O STF, quando retirou o caso Lula de Curitiba, foi incoerente em relação às demais decisões que havia tomado na Lava Jato. Se a decisão do STF no caso de Lula fosse aplicada à risca como um novo entendimento, anularia a Lava Jato inteira. Quando o STF decidiu que a competência não podia mais ser da Justiça Federal, eu avisei na época que, se for aplicar esse entendimento a todos os casos, você anularia tudo. Mas estão escolhendo os casos que anulam, estão atuando seletivamente.
Quando eu olho para as decisões do ministro Fachin, ele ficou vencido na imensa maioria dos casos defendendo que os corruptos fossem responsabilizados, foi um grande defensor da responsabilização dos grandes corruptos. O mesmo eu digo em relação ao ministro Barroso, é uma pessoa extremamente coerente ao longo do tempo.
O sr. vê algum paralelo entre a Lava Jato e a atuação do STF, que tem adotado medidas heterodoxas, principalmente em inquéritos sob responsabilidade do ministro Alexandre de Moraes?
D. D. – O que se discutia na Lava Jato eram nuances, não tinha nada do que está acontecendo hoje.
Na Lava Jato nunca teve prisão que demorasse um mês sem acusação, enquanto a gente teve caso recente de prisão de quatro meses. Nunca teve acusação genérica contra pessoas, sem individualização da conduta, e agora a gente tem aí centenas de pessoas acusadas sem provas específicas.
Nós jamais tivemos decisões censurando empresas. Nunca houve decisões de ofício ou sem que a Lava Jato tivesse competência. Hoje a gente vê decisões do STF sem qualquer perspectiva ou argumento que justifique a competência. A Lava Jato agiu dentro da lei. Agora o que estamos vendo são decisões que ferem o Estado de Direito.
DELTAN DALLAGNOL, 43
Filiado ao Podemos, foi coordenador da força-tarefa da Lava Jato no Ministério Público Federal de 2014 a 2020. Deixou o cargo de procurador para disputar as eleições de 2022. Concorreu para deputado pelo Paraná e fez 344 mil votos. Foi cassado pelo TSE por unanimidade sob o argumento de que fraudou a Lei da Ficha Limpa.
MATHEUS TEIXEIRA / Folhapress