A história do atacante que foi cortado de seleção por ser negro

SÃO PAULO, SP (UOL-FOLHAPRESS) – Alvo de seguidos ataques racistas de torcedores espanhóis durante partidas do Real Madrid como visitante, Vinícius Júnior é a nova vítima de uma longa história de intolerância racial que remete aos primórdios do futebol.

No começo do século passado, houve até um jogador que chegou a ser cortado da seleção do seu país natal porque os dirigentes da federação descobriram que ele era negro.

Essa é a história de Jack Leslie, atacante que poderia ter sido o primeiro jogador negro a defender a Inglaterra, mas que perdeu o direito a esse recorde histórico por uma questão de racismo.

Filho de um imigrante negro da Jamaica com uma costureira branca inglesa, o jogador passou praticamente toda a carreira no Plymouth Argile, clube onde marcou 136 gols em 14 temporadas e do qual ainda hoje é o quarto maior artilheiro de todos os tempos.

Em 1925, Leslie recebeu do seu treinador a notícia que tanto aguardava: ele seria convocado pela seleção inglesa para um amistoso contra a Irlanda. Só que dois dias depois, quando a lista de jogadores relacionados foi divulgada, seu nome não constava nela.

O motivo do corte só foi divulgado muito tempo depois: alguns dirigentes da FA (Federação Inglesa de Futebol) não sabiam que o atacante do Plymouth era negro e, quando tomaram ciência dessa informação, pediram que ele fosse desconvocado.

“Eles descobriram que eu era negro, e acho que isso foi como se descobrissem que eu era estrangeiro para eles. Eles devem ter esquecido que eu era negro”, afirmou Leslie, em entrevista ao tabloide britânico “Daily Mail”, mais de 50 anos depois, em 1978.

O atacante continuou marcando pelo menos uma dezena de gols por temporada até 1929, quando ajudou o Plymouth a subir para a segunda divisão inglesa. Mesmo balançando as redes com frequência, ele nunca mais foi lembrado pela seleção.

No ano passado, a FA admitiu o erro cometido há quase um século e fez uma “convocação honorária” para Leslie. Seus descendentes foram chamados para ir ao estádio de Wembley e receberam um boné com o emblema da Inglaterra (a palavra inglesa “cap” significa tanto boné quanto jogos pela seleção).

Após o corte do atacante do Plymouth, demorou mais 53 anos para o “English Team” escalar pela primeira vez um jogador negro. A barreira só foi quebrada em novembro de 1978, pelo zagueiro Viv Anderson, que na época jogava pelo Nottingham Forest.

Hoje, os atletas negros são parte considerável do elenco inglês. No elenco que disputou a Copa do Mundo do Qatar, no ano passado, havia pelo menos oito jogadores com raízes africanas ou da América Central.

Mas isso não significa que o racismo seja uma página virada no futebol europeu.

E a prova disso é o que tem acontecido com Vinícius Júnior. Só na atual temporada, o atacante relatou ter sido alvo de ofensas raciais por torcedores adversários em oito jogos do Real Madrid no Campeonato Espanhol.

No domingo, após os incidentes na partida contra o Valencia, em Mestalla, o brasileiro publicou uma nota oficial afirmando estar “forte para lutar até o fim contra os racistas. Mesmo que longe daqui”.

O tom da declaração do brasileiro mexeu com a diretoria merengue. Na segunda-feira, o presidente do Real teve uma reunião com Vini e prometeu ir “até as últimas consequências” em sua defesa.

A principal reclamação do astro é que com uma suposta omissão da La Liga, entidade que organiza o Campeonato Espanhol, em punir quem pratica ofensas raciais nos estádios. Pelas redes sociais, o atacante vem discutindo há meses com o presidente do órgão, Javier Tebas.

Revelado nas categorias de base do Flamengo, Vini está no Real desde 2018 e já soma 59 gols e 64 assistências em 224 partidas oficiais com o tradicionalíssimo uniforme branco.

Na atual temporada, ele é o vice-artilheiro do time (23 gols, contra 29 de Karim Benzema) e o jogador que mais participou ativamente de jogadas que terminaram com a bolas nas redes adversárias (44, já que distribuiu também 21 assistências).

Terceiro colocado no Espanhol, com 71 pontos, 14 a menos que o campeão, Barcelona, o Real tem só mais dois jogos pela frente até o encerramento da temporada. Neste sábado, visita o Sevilla. E, no domingo seguinte, recebe o Athletic Bilbao.

RAFAEL REIS / Folhapress

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