Uma equipe liderada por pesquisadores da Suíça e da França conseguiu fazer com que um paciente paralisado por uma lesão na coluna voltasse a caminhar de modo praticamente normal por meio de implantes no cérebro e na medula. O método ainda é complexo e trabalhoso, mas representa o maior avanço até agora nas tentativas de “reconectar” a movimentação de pessoas com esse tipo de paralisia.
“Conseguimos reestabelecer a conexão interrompida entre o cérebro e a medula espinhal por meio de uma ponte digital”, resumiu um dos coordenadores do estudo, Grégoire Courtine, da EPFL (Escola Politécnica Federal de Lausanne), na Suíça. “Eu e Grégoire começamos a trabalhar juntos nisso há 11 anos e, no começo, parecia coisa de ficção científica. Agora, virou realidade”, acrescentou Jocelyne Bloch, neurocirurgiã também ligada à EPFL.
A dupla e outros autores do estudo participaram de uma entrevista coletiva online sobre os resultados, organizada pela prestigiosa revista científica Nature, na qual detalhes sobre o método acabam de ser publicados. Embora o artigo na Nature descreva os experimentos bem-sucedidos com apenas um paciente, os pesquisadores afirmam que os princípios por trás da estratégia já foram validados com outros nove pacientes, o que indica que ela poderá funcionar com mais pessoas com lesões na coluna.
O paciente pioneiro -ou “nosso primeiro piloto de testes”, como prefere dizer Courtine- é o holandês Gert-Jam Oskam, 40.
“Faz 12 anos que estou tentando me levantar de novo”, diz ele. Num acidente de bicicleta, Oskam sofreu uma lesão cervical parcial (ou seja, sem um “corte” completo da medula, mas afetando a região do pescoço) que o deixou tetraplégico. De início, não conseguia movimentar as pernas e também tinha alguma dificuldade para mexer os braços e o tronco.
Oskam já vinha participando de testes de parte da abordagem com a equipe de Lausanne, envolvendo apenas um implante para estimulação elétrica na região lombar da medula espinhal. Em essência, explicam eles, a ideia era programar o aparelho para distribuir estímulos que desencadeassem a sequência de movimentos necessários para andar.
A ideia funcionou relativamente bem, ajudando o paciente holandês a recuperar a capacidade de se deslocar com um andador, mas estava longe de proporcionar a naturalidade de movimentos que o caminhar natural inclui.
Para alcançar esse nível de recuperação, os pesquisadores chegaram à ideia da ponte digital: um sistema que pudesse “ler” os impulsos do cérebro de Oskam na área que controla os movimentos das pernas e, por meio de sinais sem fio, transmitissem esses comandos para o implante instalado na medula. Assim, o controle cerebral “pularia” a região lesionada e chegaria direto aos neurônios que comandam o movimento mais abaixo, ainda preservados mesmo após o acidente.
Para que tudo funcionasse, foi preciso usar um sistema de inteligência artificial capaz de decodificar os sinais vindos do cérebro e os traduzissem em comandos de movimento. O implante de captação dos sinais foi inserido dentro do cérebro, após uma operação que abriu pequenos furos no crânio do paciente.
“Ele consegue andar de forma bastante natural usando o sistema, movimentado o quadril e as articulações do joelho e do tornozelo”, diz Guillaume Charvet, da Universidade dos Alpes de Grenoble, na França, que também ajudou a coordenar o estudo. Oskam hoje consegue caminhar distâncias de até 200 metros por vez sem dificuldade, além de ficar de pé por vários minutos seguidos.
Os aparelhos foram incorporados à rotina do paciente sem necessidade de supervisão externa durante vários meses. A bateria deles é recarregada por um sistema sem fio, similar à dos celulares mais modernos disponíveis no mercado.
Os autores do estudo afirmam que há boas perspectivas para o emprego da abordagem em pacientes que têm braços ou tronco paralisados, bem como em pessoas com outros tipos de lesão na medula ou que sofrem de paralisia causada por outros motivos, como derrames cerebrais. A grande desvantagem do método, por ora, é a necessidade de intervenções invasivas no cérebro e na medula para realizar os implantes. Métodos que usam apenas toucas de eletroencefalografia, colocadas em contato com a pele do crânio, não conseguem captar sinais tão precisos da atividade cerebral.
REINALDO JOSÉ LOPES / Folhapress