MADRI, ESPANHA (FOLHAPRESS) – Na Espanha, os torcedores do Atlético de Madrid são carinhosamente chamados de colchoneros. Trata-se de uma piada pelo fato de o uniforme com listras verticais vermelhas e brancas serem semelhantes ao tecido usado no forro dos colchões nos primórdios do século passado.
Nem todo colchonero, é claro, faz parte de uma torcida organizada, mas três dos quatro torcedores presos na terça (23) pela polícia de Madri são afiliados à temível Frente Atlético (FA), agremiação de inspiração nazista responsável por pelo menos duas mortes desde que foi criada, em 1982. Após o segundo assassinato, em 2014, o Atlético de Madrid expulsou a torcida de suas dependências e proibiu bandeiras associadas à FA no estádio Vicente Calderón.
Os quatro presos estão envolvidos na colocação, em janeiro deste ano, de um boneco escuro com o uniforme de Vinicius Junior pendurado em uma ponte da capital, como se estivesse enforcado. Em cima, havia uma faixa vermelha onde se podia ler “Madrid odeia o Real”. Vinicius Junior é atacante do Real Madrid, com quem o Atlético jogaria naquela noite.
No mesmo dia, para provar que o mau gosto não se resume aos radicais colchoneros, integrantes da Ultras Sur –também de extrema-direita, mas torcedores do Real Madrid– colaram nos postes próximos ao estádio fotos de Anne Frank vestida com a camiseta da FA, com os dizeres “Ana Frank é do Atlético”.
A FA foi criada por integrantes da Frente de la Juventud, braço adolescente do partido de extrema-direita Forza Nueva –nascido em 1976 para manter viva a política de Francisco Franco, ditador de viés fascista da Espanha por 36 anos e que havia morrido no ano anterior.
Vicente Calderón, então presidente do Atletico de Madrid, acolheu o grupo financeira e administrativamente. Em 1982, ele vetou a sugestão de que o nome fosse Brigata Rossibianca, de inspiração militar italiana. Os rapazes da Frente de la Juventud, então, escolheram Frente Atlético.
Logo a FA se tornou conhecida pela estética paramilitar de seus membros e pela exibição de símbolos de extrema-direita. Boinas vermelhas, jaquetas de couro e roupas militares caracterizavam sua imagem. Essa associação se fortaleceu no final dos anos 80, coincidindo com o aparecimento dos primeiros neonazistas de cabeça raspada nas ruas de Madri.
A partir de então, emblemas neonazistas, como a caveira da SS ou a cruz celta, passaram a ser comuns no material do grupo. A FA também se destacou por ser pioneira no uso de latas de fumaça em estádios e por se envolver em brigas com torcidas de todo o país.
Nas mãos dos neonazistas a partir dos anos 1990, a violência aumentou. Em 1998, um desses neonazis foi condenado a 17 anos pelo assassinato a facadas de um torcedor de 28 anos do Real Sociedad às portas do estádio do Atlético –então já renomeado para estádio Vicente Calderón, após a morte do dirigente em 1987. Em 2010, um jovem torcedor de Real Club Celta, de 17 anos, levou cem pontos na cabeça após ser atacado.
O escândalo seguinte, em novembro de 2014, foi o assassinato de um torcedor do Deportivo de la Coruña, Francisco “Jimmy” Taboada, de 41 anos. Membro de torcida violenta rival, identificada com a extrema-esquerda, Jimmy foi golpeado na cabeça com uma barra de ferro, o que lhe causou traumatismo cranioencefálico, e atirado no rio Manzanares, que corta a capital e em cuja margem o estádio do Atlético foi construído.
Três dias depois, o Atlético de Madrid expulsou a FA de suas arquibancadas. O clube cortou todas as relações com a torcida e disse que colocaria “todos os meios à sua disposição para impedir a exibição no interior do estádio Vicente Calderón de bandeiras ou outros elementos distintivos do referido grupo”.
A expulsão não desviou a FA de seus fundamentos de ódio. No ano passado, por exemplo, o Atlético de Madrid teve que deixar 5.000 assentos vagos num jogo contra o Manchester City válido pelas quartas de final da Champions League. A punição foi por causa de cânticos nazistas de membros da FA no jogo de ida.
Quanto aos três torcedores presos –e já soltos– em Valência, onde Vinicius Junior foi atacado pela torcida do time da cidade com ofensas e mímica racistas, não se sabe se fazem parte de alguma organizada.
Mas o Valencia CF tem a sua própria agremiação nazista, chamada Yomus. Criada em 1983, um ano depois da FA, a torcida também foi tomada por nazifascistas na virada nos anos 1980 para os 1990. Não há registro de assassinatos cometidos por seus membros, mas o longo histórico de brigas, facadas e cânticos nazistas fizeram com que o Valencia expulsasse, em 2019, a Yomus de suas dependências.
IVAN FINOTTI / Folhapress