SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Médicos usam robô para operar câncer de pulmão”, afirmava o título de uma página da edição de 20 de dezembro de 2010 desta Folha. Em vez de abrir o peito do paciente, como na cirurgia tradicional, a técnica deixava três cortes de dois centímetros. “O robô leva vantagem no tempo de recuperação, nos índices mais baixos de infecção e no menor desconforto pós-operatório”, dizia o texto.
De lá para cá, a robótica e as cirurgias menos invasivas tornaram-se mais frequentes na oncologia. O diagnóstico por imagem com PET-CT ampliou-se e houve uma evo lução na radioterapia, com formas específicas e precisas de entrega da dose de radiação. Mas a mudança mais relevante, diz o oncologista Paulo Hoff, foi a modificação na compreensão do câncer.
“Deixamos de ver o tumor como um problema com origem em um órgão e passamos a vê-lo como um problema com origem na célula”, conta. Como implicação, os médicos foram percebendo que dois tumores no mesmo órgão podem ter origens diferentes, como mutações em genes específicos.
O novo paradigma permeia a personalização dos tratamentos, uma das grandes transformações da área, e as pesquisas em oncologia, incluindo aquelas agraciadas com o Prêmio Octavio Frias de Oliveira. A láurea é promovida pelo Icesp (Instituto do Câncer do Estado de São Paulo Octavio Frias de Oliveira) em parceria com o Grupo Folha e tem como objetivo estimular a produção de conhecimento sobre câncer no Brasil.
Criado em 2010, o prêmio homenageia Octavio Frias de Oliveira, publisher da Folha morto em 2007.
“Entre os trabalhos premiados, tivemos novos protocolos de diagnóstico que consideram o painel de alterações genéticas e vão acompanhando os casos dos pacientes com câncer, mostrando seu impacto no prognóstico”, afirma o oncologista Roger Chammas. Ele e Hoff são membros do conselho diretor do Icesp, professores na Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo) e coordenadores do prêmio, cujas inscrições se encerram nesta sexta-feira (26).
A precisão no diagnóstico e a personalização das terapias, porém, têm um custo. “O que as boas notícias dos últimos anos não expõem é o distanciamento nas formas de tratamento no público e no privado. Muitos tratamentos são efetivamente caros e não vamos conseguir aplicar isso no ambiente público, então teremos, como sociedade, que discutir a implementação de diferentes formas de tratamento, formas mais custo-efetivas para a saúde pública”, diz Chammas.
“Nosso grande desafio é garantir acesso, fazer com que os pacientes tenham os melhores tratamentos possíveis”, sintetiza.
E o caminho para isso, afirmam os especialistas, é investir na pesquisa e inovação no país. Para Hoff, o momento é propício porque estamos no princípio das novas terapias e ainda dá tempo de participar de seu desenvolvimento. “Se tivermos tecnologia nacional, não precisaremos importar e nem pagar royalties para o exterior. Talvez possamos até exportar.”
O déficit na balança comercial de que Hoff fala envolve bilhões. Uma pesquisa liderada pelo atual secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Complexo da Saúde do Ministério da Saúde, Carlos Gadelha, mostrou que, se em 1996 a diferença entre importações e exportações era da ordem de US$ 4 bilhões, em 2019 ela estava próxima de US$ 15 bilhões -a maior participação no déficit comercial de alta tecnologia do país.
“Um prêmio como o Prêmio Octavio Frias de Oliveira estimula os pesquisadores brasileiros, que são em última análise quem tem a capacidade de gerar um conhecimento interno que nos torne independentes ou menos dependentes da tecnologia internacional”, avalia Hoff.
“Sem ciência, vamos ser caudatários do mundo. Vamos ter que comprar tecnologia o tempo todo”, acrescenta Chammas. “A ciência pode aumentar o nosso protagonismo, e o aumento desse protagonismo implica geração de receitas, remanejamento de custos e melhoria do acesso.”
Mas a formação de um ecossistema favorável a investimentos em pesquisa e desenvolvimento em saúde vai muito além dos pesquisadores. Chammas menciona, por exemplo, a necessidade de atrair integrantes do setor industrial e investidores, algo em que a premiação também pode colaborar.
“Prêmios criam uma cultura de reconhecimento”, pondera. “Começamos a criar uma cultura em que a comunidade junta está atingindo metas. E é isso que precisamos celebrar.”
STEFHANIE PIOVEZAN / Folhapress