Daft Punk abriu caminho para volta da disco music de Beyoncé e Jessie Ware

RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Quando, em fevereiro de 2021, os franceses Thomas Bangalter e Guy-Manuel de Homem-Christo anunciaram o fim do Daft Punk com um vídeo obscuro, foi com surpresa que fãs e colaboradores da dupla receberam a notícia. Não exatamente pelo encerramento de um dos projetos mais cultuados da música eletrônica, mas pela opção formal por anunciar o término em definitivo.

Avessa a exposições, a dupla escondia os rostos humanos atrás dos famosos capacetes robóticos desde 2000, não fazia shows desde 2007, não costumava falar com a imprensa ou notar o assédio por novos trabalhos.

Além de “Random Access Memories” (RAM), quarto e último disco de estúdio lançado em maio de 2013, vencedor do Grammy de melhor álbum daquele ano, não havia o mínimo indício de um novo projeto -apenas anos de silêncio, como sempre foi do feitio de ambos. Por que então anunciar o fim de repente, se a mudez sistemática parecia o único fim possível para os robôs?

Um dos motivos mais aparentes está no fato de que, desde o término, de certa forma o Daft Punk nunca esteve tão ativo, agora libertado da escuridão hermética. O fim anunciado serviu para que a dupla venha lançando uma série de materiais extras que jamais viu a luz do sol, entre vídeos, apresentações e registros raros desde o início da carreira, na primeira metade da década de 1990.

Se seu álbum de estreia, o clássico de nascença “Homework”, de 1997, ganhou uma edição estendida ao completar 25 anos em 2022, e neste mês foi a vez do mais popular disco da dupla receber vida nova ao fim da primeira década de existência.

Para além dos 35 minutos de material extra, entre arranjos descartados, testes de vocoder e faixas não incluídas, “Random Access Memories (10th Anniversary Edition)” tem como elemento mais significativo o tempo transcorrido desde o lançamento original.

O disco não por acaso traz no título a palavra “memórias” e em 2013 se apresentava como homenagem às grandes influências musicais da dupla, várias delas presentes na produção. Hoje, após a repercussão estrondosa de canções como “Get Lucky” e “Lose Yourself to Dance”, as faixas agora relançadas soam mais como uma homenagem a si mesmas.

A boa notícia é que isso faz sentido se considerarmos a influência que “RAM” teve não só na música eletrônica dos anos seguintes, mas também na música pop. Ainda que o álbum seja muito marcado por canções lentas e introspectivas, os elementos da disco music são avassaladores e foram escolhidos como inegável carro-chefe -somados ainda à experiência que os robôs tiveram com orquestras ao compor a trilha sonora para o filme “Tron: O Legado” em 2010.

Esses elementos estão na monumental “Giorgio by Moroder”, espécie de música-documentário narrada por um dos baluartes do gênero, nos vocais agudos de Pharrel Williams e, sobretudo, nos riffs de Nile Rodgers, compositor de hinos do estilo com sua banda CHIC nos anos 1970.

A mistura que fez de “Get Lucky” um enorme sucesso faz considerar “RAM”, sem grandes exageros, um dos prováveis motivos pelo renascimento da disco music nos últimos anos, com diferentes formatos, em artistas tão populares quanto Lady Gaga, Beyoncé e Jessie Ware.

É verdade que o legado dos próprios robôs após discos como “Homework”, “Discovery”, de 2001, e “Human After All”, de 2005, tenha servido como revés ao incentivar a ampliação irrestrita da chamada Eletronic Dance Music, a EDM, sobretudo na forma de centenas de DJs, discos e remixes genéricos até hoje. No caso de “RAM”, álbum que optou por um uso menor de drum machines, samples e outros componentes tradicionais na carreira da dupla, o legado parece ter seguido caminhos mais originais em outros artistas, felizmente.

Ouvir “Random Access Memories” após dez anos é se dar conta dessas movimentações na música pop, disco e eletrônica a partir de um álbum generoso e inventivo com esses gêneros. Para os mais melancólicos, também é lembrar que, até outro anúncio obscuro, não teremos mais Bangalter e Homem-Christo trabalhando juntos enquanto seres de LED, circuitos e metal -ao menos não tão cedo.

VICTOR CALCAGNO / Folhapress

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