Foz do Amazonas já teve 95 poços petrolíferos; entenda região disputada pela Petrobras

RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Alvo de impasse entre as áreas ambiental e energética do governo, a bacia da foz do Amazonas é considerada pelo setor de petróleo parte da solução para renovar as reservas brasileiras com o início do declínio da produção do pré-sal na próxima década.

A nova fronteira almejada pela indústria do petróleo desperta, no entanto, preocupação no Ministério do Meio Ambiente, que defende uma avaliação mais completa dos impactos dessa atividade em um local biodiverso e vulnerável.

A região já teve 95 poços petrolíferos perfurados, com apenas uma descoberta comercial de gás natural e alto índice de abandono por dificuldades operacionais, que o setor diz serem reflexos da tecnologia ultrapassada quando a região teve seu pico de exploração, nos anos 1970.

Ocupando uma área de cerca de 350 mil km2, equivalente ao estado de Goiás, a bacia se estende entre a baía de Marajó, no Pará, e a fronteira com a Guiana Francesa. Teve seu primeiro poço petrolífero perfurado em 1970, sem a descoberta de petróleo.

Dos 95 poços perfurados na região, 31 foram abandonados por dificuldades operacionais. Na última tentativa, em 2011, por exemplo, a Petrobras suspendeu a perfuração devido a fortes correntezas.

A única descoberta na bacia foi feita em 1976, mas abandonada por dificuldades logísticas, segundo dados da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis). A bacia foi deixada de lado pela Petrobras nos anos 1980, depois da descoberta da bacia de Campos, no litoral do Rio de Janeiro.

Apesar dos sucessivos fracassos, a bacia da foz do Amazonas voltou ao radar depois de descobertas gigantes de petróleo na Guiana e no Suriname, o que tornou mais promissora a margem equatorial brasileira —conjunto de cinco bacias sedimentares que se estende por 2.200 km, do Rio Grande do Norte ao Amapá.

Na Guiana, a americana ExxonMobil já aprovou seis plataformas de produção, que atingirão em 2027 a marca de 1,2 milhão de barris por dia, um pouco mais do que o campo de Tupi, o maior produtor de petróleo do Brasil.

Estudo de 2021 estima que uma das bacias da margem equatorial, a do Pará-Maranhão, tenha reservas de 20 bilhões a 30 bilhões de barris, metade do descoberto até hoje no pré-sal. Um dos autores do estudo, o geólogo Pedro Zalán diz que o potencial da foz do Amazonas é equivalente.

O governo estima que toda a margem possa produzir 10 bilhões de barris. A confirmação desses números, porém, depende da perfuração de poços —há hoje nove previstos para a região (três deles na foz do Amazonas), com investimentos de R$ 6,2 bilhões.

O poço que a Petrobras tenta licenciar foi adquirido na 11ª rodada de licitações da ANP, em 2013. Fica a 179 km da costa do Amapá e a 500 km da foz do rio Amazonas, distância que vem sendo usada como argumento de políticos amapaenses e do setor para a liberação do projeto.

As dificuldades logísticas, porém, foram um dos pontos determinantes para que o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis) vetasse a perfuração. Pelas distâncias, a atividade petroleira na região demanda alto fluxo de embarcações e aeronaves e, em caso de emergência, o envio de socorro é um desafio.

O Relatório de Impacto Ambiental do projeto identifica na área de influência do empreendimento espécies ameaçadas pela exploração, como o camarão rosa, o pito, a lagosta vermelha e o caranguejo-uçá.

Identifica ainda 23 espécies de mamíferos marinhos, entre baleias, botos e golfinhos e duas espécies de peixes-boi. Destas, seis estão ameaçadas de extinção no Brasil: boto cinza, boto vermelho, cachalote, peixe-boi marinho, peixe-boi amazônico e ariranha.

Além dos animais —os primeiros a correr risco em caso de vazamento de petróleo—, comunidades costeiras, que vivem da pesca, seriam afetadas.

A área de influência do projeto abrange comunidades quilombolas, sete unidades de conservação federais, sete estaduais e uma municipal. Há também uma terra indígena impactada diretamente pela base de apoio aéreo.

Organizações ambientalistas protestam ainda contra o risco de impacto aos chamados corais da Amazônia, descobertos em 2016 após uma expedição do Greenpeace, com espécies que ainda nem tiveram a oportunidade de serem estudadas.

A possibilidade de soterramento, asfixia e contaminação de organismos do fundo do mar por cascalho ou fluido é um dos impactos de alta magnitude previstos no Relatório de Impacto Ambiental.

Simulações apontam que, em caso de derrame o óleo não atingiria a costa brasileira, já que a corrente predominante na região ruma para noroeste —embora o Ibama não descarte a possibilidade, citando episódio em que destroços de foguete lançado na Guiana Francesa chegaram ao Oiapoque (AP).

Mas a simulação mostra possíveis danos a países vizinhos e ilhas do Caribe. O primeiro país a ser atingido no período chuvoso seria a Guiana e, no período seco, Barbados. Nos dois cenários, o que receberia o maior volume de petróleo seria a Venezuela.

Ao anunciar que recorrerá da decisão, a Petrobras diz que a possibilidade de vazamento é remota e que “a estrutura de resposta a emergência proposta pela companhia é a maior do país”. Há 12 embarcações e três helicópteros em apoio à sonda de perfuração.

A empresa entende que atendeu a todas as condicionantes do processo, inclusive com a disposição de embarcações mais rápidas, com uma espécie de UTI móvel, para reduzir de 48 para 24 horas o tempo de resgate de animais.

A estatal avalia que a obrigação de uma AAAS (Avaliação Ambiental de Área Sedimentar) antes da licença do poço, pedida pelo Ibama nas últimas semanas, fere regras estabelecidas antes do leilão da área, em 2013, que eliminaram a necessidade criada no ano anterior.

Há hoje duas AAAS em curso no país, inconclusas há mais de seis anos. Por isso, técnicos da Petrobras entendem que o prazo projetado pelo governo de 2,5 anos é irreal e que a avaliação poderia ser feita após o poço, já que o início da produção leva em torno de seis a sete anos.

A área ambiental do governo, por sua vez, tem reclamado de suposta tentativa da Petrobras em criar “fatos consumados”, incluindo a mobilização de sondas e outros equipamentos na região desde dezembro.

“Os licenciamentos relacionados à produção de óleo e gás se dão quando a descoberta já é uma realidade, sendo muitas vezes tratados como ‘fato consumado’, no que tange à percepção da sociedade civil sobre a possibilidade de instalação da indústria do petróleo”, diz relatório do Ibama, de janeiro.

O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundations.

NICOLA PAMPLONA / Folhapress

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