Derrotas da Lava Jato se estendem à política com caso Deltan e dificuldades de Moro

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A decisão do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) de cassar o mandato de deputado de Deltan Dallagnol (Podemos-PR) é um capítulo a mais na série de derrotas impostas à Lava Jato nos últimos anos.

A operação, que inicialmente contou com amplo respaldo do STF (Supremo Tribunal Federal) e da opinião pública, acumulou diversos reveses tanto judiciais quanto políticos a partir de 2018, quando o então juiz Sergio Moro deixou a magistratura e aceitou se tornar ministro do governo Jair Bolsonaro.

No campo jurídico, uma série de decisões do Supremo determinou a revisão de métodos da Lava Jato, o que levou à anulação de investigações que eram centrais para o sucesso das apurações.

Uma das primeiras a impor uma extensa derrota à Lava Jato, que à época havia estendido suas ramificações para diversos estados, foi a de definir em março de 2019 que crimes como corrupção e lavagem de dinheiro, quando investigados junto com caixa dois, deveriam ser processados na Justiça Eleitoral, e não na Federal.

A decisão desidratou as principais colaborações premiadas fechadas pela Lava Jato, sobretudo a da Odebrecht, que era chamada de “delação do fim do mundo”.

A lentidão no envio de ações e investigações criminais para a Justiça Eleitoral, associada à falta de estrutura do órgão para o julgamento de processos complexos, beneficiou políticos que foram alvo de operações por suspeita de irregularidades que envolviam crimes comuns e eleitorais.

Ainda em 2019, o Supremo decidiu que uma pessoa só pode começar a cumprir pena após o trânsito em julgado do processo (quando não cabem mais recursos, e a ação é finalizada). Desde 2016, a corte considerava que um condenado podia ser preso —salvo as hipóteses de prisão cautelar— após decisão de segunda instância.

Essa decisão levou o hoje presidente Lula (PT), à época sem mandato, à liberdade. Ele foi solto após 580 dias preso na sede da Superintendência da Polícia Federal do Paraná, em Curitiba. Em discurso minutos após sair, o petista fez um discurso de forte ataque à Lava Jato e a setores do Judiciário.

Após as derrotas nos tribunais e a saída de Moro, Deltan, que coordenava as investigações no MPF (Ministério Público Federal), deixou seu cargo para se arriscar na política.

No novo campo de atuação, já como ministro da Justiça, Moro viu o pacote que elaborou para endurecer leis penais ser esvaziado pelo Congresso com o apoio do próprio governo Bolsonaro.

Ao final, sofreu outro revés ao entrar em conflito com Bolsonaro e se ver obrigado a pedir demissão do ministério em abril de 2020, menos de um ano e meio após ter assumido o posto.

Depois, tentou fazer uma carreira descolada de Bolsonaro, aumentou o tom das críticas ao ex-presidente, mas não teve sucesso na estratégia.

Decidiu, então, recuar. Desistiu da disputa para presidente em 2022 e acabou se lançando a uma vaga no Senado pelo Paraná em um tom ameno em relação a Bolsonaro no primeiro turno. Foi eleito e, no segundo turno, anunciou apoio aberto ao ex-chefe.

Paralelamente a isso, Bolsonaro decidiu indicar à PGR um procurador-geral da República que era um feroz crítico à Lava Jato e que enterrou o modelo que fez a operação ser bem-sucedida.

Primeiro, Augusto Aras fez interferências na força-tarefa da Lava Jato de São Paulo em 2020 que bloquearam a possibilidade de os procuradores continuarem as investigações em andamento. Depois, em 2021, foram encerradas as forças-tarefas do Paraná, a que originou a Lava Jato, e a do Rio de Janeiro.

Em nota, Aras nega ter interferido nas forças-tarefas e diz que seu trabalho “teve o propósito de institucionalizar a atuação do Ministério Público Federal na temática do combate à corrupção e outros crimes contra a administração pública, assegurando o respeito aos critérios legais de designação, duração das atuações conjuntas e respeito ao devido processo legal”.

Ele cita a instalação dos Gaecos (Grupos de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) em substituição às forças-tarefas —mas os Gaecos sofreram críticas dos procuradores por falta de estrutura.

No mesmo ano, a Lava Jato do Paraná sofreu uma das suas maiores derrota: o STF concluiu pela parcialidade do ex-juiz Moro no processo do tríplex de Guarujá (SP), que levou Lula à prisão sob acusação de corrupção e lavagem de dinheiro.

O processo foi anulado. Meses depois, o plenário confirmou a decisão, que abriu caminho para a anulação dos demais processos.

Deltan deixou o MPF para concorrer a um assento na Câmara dos Deputados. Em um primeiro momento, teve sucesso e se elegeu como deputado mais votado do Paraná. Menos de um semestre depois de ter assumido o cargo, foi cassado pelo TSE.

A corte eleitoral adotou uma interpretação expansiva e entendeu que Deltan fraudou a lei porque teria pedido exoneração da Procuradoria a fim de escapar do cenário em que uma das 15 reclamações contra ele pudesse se tornar um procedimento administrativo disciplinar.

A Lei da Ficha Limpa determina que membros do Ministério Público e do Judiciário que deixam a carreira com processos desta natureza pendentes ficam inelegíveis.

A Câmara ainda não confirmou a decisão do TSE, mas a jurisprudência prevê que a Casa não tem outra alternativa que não seja acolher a determinação do tribunal.

Com Deltan Dallagnol cassado, a mira se volta para Moro. Nos bastidores, ele diz acreditar que pode se tornar o novo alvo da cúpula do Judiciário.

Os dois expoentes da Lava Jato ingressaram na política sob a justificativa de que, devido ao desmonte da operação, era necessário aprovar leis que tornassem mais rígido os mecanismos de combate à corrupção.

No entanto, além da cassação do ex-procurador, é pouco provável que Moro tenha força para aprovar suas propostas no Senado.

Entre as bandeiras do ex-juiz, estão propostas para endurecer a punição a quem planeja ataques a autoridades e ainda o retorno da prisão de condenados em segunda instância. Na agenda de votações no Congresso, os temas encontram resistências, e a discussão não é considerada prioritária.

O senador também tem se envolvido em bate-boca com críticos da Lava Jato em Brasília. Há três semanas, em sessão em comissão do Senado, Flávio Dino, ministro da Justiça, respondeu questionamento afirmando que, quando era magistrado, nunca fez conluio nem teve “sentença anulada”.

RELEMBRE DERROTAS DA LAVA JATO

Cassação de Deltan Dallagnol

O ex-coordenador da Lava Jato no Paraná é cassado do mandato de deputado federal pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) por ter deixado a carreira de procurador para entrar na política. O tribunal entendeu que ele tinha o propósito de burlar a inelegibilidade causada por eventuais procedimentos administrativos disciplinares que pudesse responder.

Suspensão de ex-coordenador da Lava Jato no Rio

O Conselho Nacional do Ministério Público suspendeu por 30 dias, no fim de 2022, o procurador Eduardo El Hage, que coordenou a força-tarefa da Lava Jato no Rio. Para o conselho, houve violação de sigilo funcional por notícia divulgada no portal do MPF sobre denúncia oferecida contra o ex-senador Romero Jucá (MDB).

Fim das forças-tarefas

Sob Augusto Aras, a Procuradoria-Geral da República acabou com as forças-tarefas da Lava Jato, modelo que possibilitou a existência da operação. A força-tarefa de São Paulo foi encerrada em setembro de 2020. Já a força-tarefa original, do Paraná, deixou de existir em fevereiro de 2021. A do Rio de Janeiro acabou em março do mesmo ano.

STF declara parcialidade de Moro

No mesmo mês, a Segunda Turma do Supremo concluiu pela parcialidade de Sergio Moro na condução do processo do tríplex de Guarujá (SP), o que levou à anulação do processo. Meses depois, o plenário confirmou a decisão, que abriu caminho para a anulação dos demais processos.

Fachin anula condenações de Lula

Em março de 2021, o ministro do STF Edson Fachin anulou todas as condenações proferidas contra o ex-presidente Lula pela 13ª Vara Federal da Justiça Federal de Curitiba. À época, Fachin entendeu que as decisões não poderiam ter sido tomadas pela vara e determinou que os casos sejam reiniciados pela Justiça Federal do Distrito Federal.

Fim da prisão após condenação em 2ª instância

Por 6 votos a 5, em 2019, o STF decidiu que uma pessoa só pode começar a cumprir pena após o trânsito em julgado do processo (quando não cabem mais recursos, e a ação é finalizada).

Mensagens da Lava Jato

A série de reportagens do site The Intercept Brasil e de outros veículos, em 2019, mostrou proximidade entre Sergio Moro e o procurador Deltan Dallagnol em medidas da investigação, o que despertou críticas de ministros do Supremo e até de políticos que costumavam defender a operação.

Fundo anticorrupção

Ainda em 2019, o ministro Alexandre de Moraes suspendeu, a pedido da Procuradoria-Geral, o acordo que previa a criação de uma fundação com parte dos R$ 2,5 bilhões recuperados da Petrobras, pagos graças a um acordo da estatal com o governo americano.

Crime eleitoral e crime comum

O STF decidiu em março de 2019 que crimes comuns, como corrupção e lavagem de dinheiro, quando associados a crimes eleitorais, como caixa dois, devem ser julgados pela Justiça Eleitoral. Isso levou diversos processos e investigações da Lava Jato para a Justiça Eleitoral, considerada como ineficaz para o julgamento de casos complexos como os da operação.

MATHEUS TEIXEIRA E JOSÉ MARQUES / Folhapress

COMPARTILHAR:

Participe do grupo e receba as principais notícias de Campinas e região na palma da sua mão.

Ao entrar você está ciente e de acordo com os termos de uso e privacidade do WhatsApp.

NOTÍCIAS RELACIONADAS