BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A medida provisória do governo Lula (PT) que reorganiza os ministérios ignorou a existência da educação indígena e retirou do MEC (Ministério da Educação) atribuições históricas da pasta, com a educação do campo e de direitos humanos.
Nem sequer há no texto a previsão de articulação com o ministério sobre esses temas. A medida ainda aponta que o MEC tem entre suas competências a “educação em geral”, um termo estranho ao ordenamento legal da área.
A tramitação da medida provisória nº 1.154 tem causado desgastes ao governo com relação a mudanças realizadas no Congresso que representaram esvaziamento da atuação dos ministérios do Meio Ambiente e de Povos Originários. No entanto, as mudanças que impactam a atuação e atribuições legais do MEC estão desde o texto original editado pela equipe do presidente Lula em janeiro.
Essas alterações foram ignoradas pelos integrantes do MEC ao longo desses meses. O ministro da Educação, Camilo Santana, nunca falou sobre o tema.
Uma medida provisória tem força de lei quando editada, mas precisa ser apreciada pelo Congresso. Esse texto, que criou e recriou pastas, vence nesta quarta-feira (31).
A educação indígena é totalmente esquecida no texto. A educação no campo, um dos grandes desafios do sistema educacional, aparece entre as áreas de competência do ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar.
Políticas de educação em direitos humanos também não aparecem sob o MEC ou com articulação com a pasta. Esse tema está sob responsabilidade da pasta dos Direitos Humanos e da Cidadania.
O texto da medida provisória também não cita a educação quilombola. Atribuições como o desenvolvimento rural sustentável, identificação e reconhecimento ficam com o ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar. Políticas para a proteção de quilombos aparecem sob a aba do Ministério da Igualdade Racial.
A Casa Civil não respondeu questionamentos da reportagem, como a dúvida se integrantes da Educação participaram da elaboração do texto ou da tramitação do tema no Congresso. A Secretaria de Relações Institucionais da Presidência também não se manifestou.
O MEC disse, em nota, que trabalha para incluir um ajuste técnico para aperfeiçoamento, por meio de emenda de redação, para que o texto reflita todas as modalidades previstas na LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação).
Como a medida provisória é convertida em lei, o texto esvazia particularmente as ações tocadas dentro de uma subpasta recriada no MEC pelo governo Lula com foco na educação indígena, no campo, quilombola, de direitos humanos, além da educação especial.
Trata-se da Secadi (Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão). Essa subpasta tem uma diretoria de “Políticas de Educação do Campo, Indígena e para Relações Étnico-raciais”.
A recriação dessa subpasta, que havia sido extinta no governo Jair Bolsonaro (PL), foi comemorada por integrantes da atual gestão.
O pesquisador João Marcelo Borges, do Centro de Desenvolvimento da Gestão Pública e Políticas Educacionais da FGV, diz que o texto gera bagunça ao redistribuir atribuições históricas do MEC sem prever articulação com a pasta.
“A sociedade civil, imprensa e parte do governo reagiram aos movimentos que atingem os ministérios do Meio Ambiente e de Povos Originários, mas ninguém se tocou sobre educação. É bem preocupante e parece que a boiada está passando na educação”, diz ele, que identificou as mudanças e lacunas.
Borges ainda chama a atenção para o uso do termo “educação em geral” na parte das competências do MEC. “Para além da bizarrice legislativa, educação em geral seria o que? Se a norma definir ‘em geral’, um órgão de controle ou mesmo o cidadão podem exigir do MEC coisas que não são do escopo da pasta”, diz.
“Parece que ninguém leu, porque impacta atribuições históricas do MEC, uma pasta que não é nova”.
Outros pontos do texto podem causar problemas na atuação do governo. À pasta de Igualdade Racial, por exemplo, é atribuída a coordenação e monitoramento na implementação de políticas de ações afirmativas.
“Vamos ter órgãos com competências para avaliar políticas de educação sem prever articulação com MEC? O ministério da Igualdade Racial vai usurpar parte do trabalho da Secretaria de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas e Assuntos Econômicos do ministério do Planejamento?”, questiona Borges.
O governo Lula trabalha para que o texto seja votado da forma que está. A Folha mostrou na noite de segunda (29) que, diante do receio de que a medida provisória que reestrutura a Esplanada dos Ministérios seja alterada ou, na pior das hipóteses, perca validade, articuladores políticos do governo Lula (PT) atuam para manter inalterado o texto aprovado na semana passada em uma comissão mista no Congresso.
Embora os ministros Rui Costa (Casa Civil) e Alexandre Padilha (Secretaria de Relações Institucionais) tenham afirmado na última sexta-feira (26) que atuariam no Parlamento para devolver funções aos Ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas, esvaziados na comissão, a avaliação de aliados é que qualquer tentativa de modificar a MP aumentaria o risco de ela perder a validade.
As mudanças nos temas educacionais não foram citadas até agora por membros do governo.
PAULO SALDAÑA / Folhapress