RIO DE JANEIRO, JR (UOL-FOLHAPRESS) – “Eu não acredito que você fez isso!”. A exclamação em tom de incredulidade da advogada Luci Meirelles veio quando ela tomou pé do caso para o qual foi contratada: a defesa do volante Gabriel Domingos, um dos envolvidos no escândalo de manipulação de partidas do futebol brasileiro.
Nesta segunda (29), o jogador foi punido pelo STJD com 720 dias de suspensão porque disse a um apostador que cometeria um pênalti no jogo entre Vila Nova e Sport, pela Série B 2022, e deu a própria conta bancária para um adiantamento de R$ 10 mil. Domingos não cometeu o pênalti, sequer jogou, mas não conseguiu se dissociar da manipulação.
O puxão de orelha da própria advogada foi relatado na bancada do STJD. Ela se sentiu na liberdade pelo fato de o filho caçula ser mais velho que Gabriel.
“Faz parte até de mim. Sou um pouco mãezona na profissão. Quando assumi um processo, dei-lhe uma bronca, de verdade. Não vim aqui para dizer que nada aconteceu. Até porque me choquei com tudo que li naquele enorme processo”, disse Luci, durante a sustentação diante da 1ª Comissão Disciplinar.
Domingos ouvia tudo a cerca de dois metros de distância, porque foi presencialmente ao STJD, no Rio, dar o depoimento e ouvir a sentença a seu respeito. A sessão durou mais de três horas.
Gabriel, de 22 anos, já estava suspenso preventivamente pelo tribunal. A defesa vai recorrer da decisão em primeira instância, mas dificilmente ele vai escapar de um tempo longo de afastamento do futebol. Tanto que já tenta se virar de outras formas: atualmente, ele está trabalhando fazendo serviços gerais em um condomínio onde também trabalha o pai dele.
“Raspando parede, pintando, tirando entulho. É isso que ele está fazendo. Colocar uma multa alta é uma punição impossível de ser cumprida”, disse a advogada, tentando convencer os auditores a não aplicar uma multa pesada.
REAÇÕES AO EX-COLEGA DE TIME
Antes mesmo de prestar depoimento e ver que a bronca que levou da advogada se tornar pública, Gabriel acompanhou as respostas dadas pelo outro réu, Marcus Vinicius, o Romário. O ex-companheiro de Vila Nova participou remotamente. Por vezes, Gabriel balançou a cabeça e resmungou com a advogada, citando aspectos que não concordava na fala do jogador.
Romário foi quem passou o contato de Gabriel aos apostadores e também pediu para que o depósito de R$ 10 mil fosse feito na conta de Domingos. O motivo? Alegou que tinha um problema com sua conta bancária.
“O Romário falou: ‘pode confiar em mim, que não vai dar nada para você’. Eu tenho coração muito bom, mas aconteceu tudo isso”, disse Gabriel, quando se sentou na cadeira de testemunha, colocada no centro do plenário.
Por outro lado, Gabriel Domingos pareceu dar razão ao presidente do Vila Nova, Hugo Jorge Bravo, também ouvido como testemunha. O dirigente foi quem reuniu as provas do esquema de manipulação e levou o caso ao Ministério Público de Goiás (MP-GO), após saber do empresário de Romário que ele estava sendo ameaçado pelos apostadores.
O tom assertivo de Hugo ao mesmo tempo revelou uma decepção com os dois jogadores. Por vezes, ele repetiu: “Eu ajudei muito esse menino”, referindo-se a Romário e, posteriormente, a Gabriel:
“Domingos mentiu para mim porque ele, no primeiro momento, disse que ele só estava emprestando a conta. Depois, pelas provas, soubemos que ele sabia o que estava acontecendo. Ele teria uma obrigação moral de alertar o companheiro dele. Não tinha nem que ter emprestado a conta dele para isso. Isso me deixou chateado”.
Domingos até bateu na tecla de que “em nenhum momento tinha intenção de cometer o pênalti”. Mas não foi possível se esquivar da responsabilização.
O momento de maior emoção para Gabriel no julgamento foi a conclusão da sustentação da advogada. Com olhos marejados, ele ganhou um abraço. O intervalo de aproximadamente 15 minutos para que os auditores, em uma sala à parte, debatessem o teor dos depoimentos e provas serviu para o jogador beber água e respirar melhor.Reconhecimento
A presença in loco dos denunciados, em qualquer processo, é um elemento a mais para mexer com a sensibilidade dos auditores do STJD. Mas o aspecto técnico e a relevância do caso falaram mais alto. O voto do relator Miguel Cançado, que é goiano, abriu a fila. Ninguém discordou da condenação para os dois.
Gabriel Domingos, ao fim, foi condenado a 720 dias de suspensão e a uma multa de R$ 15 mil, com base no artigo 243 do CBJD, que é “atuar, deliberadamente, de modo prejudicial à equipe que defende”. A pena absorveu os outros artigos da denúncia original, como atuar de forma contrária à ética desportiva. Cabe recurso. Romário foi banido do futebol e vai ter que pagar R$ 25 mil de multa. O advogado dele fez uma sustentação curta, tentando atenuantes que não fizeram efeito.
Quando Gabriel e Luci já tinham ido, os auditores conversaram informalmente sobre as nuances do caso, em tom de “missão cumprida”. Foi o primeiro julgamento da leva atual de denunciados pela manipulação de partidas no futebol brasileiro. Quinta-feira, outros auditores agora da 4ª Comissão Disciplinar julgarão um segundo contingente de oito jogadores envolvidos nas denúncias e investigações do MP de Goiás.
IGOR SIQUEIRA / Folhapress