SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A taxa de internação de motociclistas lesionados em acidentes de trânsito no Brasil aumentou 55% em uma década. Em 2011, quando 70,5 mil foram hospitalizados, era de 3,9 a cada 10 mil habitantes. Em 2021, ano em que 115,7 mil passaram pela mesma situação, subiu para 6,1.
Os dados são de casos atendidos no SUS (Sistema Único de Saúde) e unidades conveniadas e constam de boletim da Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente, do Ministério da Saúde, publicado no fim de abril.
O número de mortes, por sua vez, teve pouca variação. Em 2011, houve 11.485 (5,8 a cada 100 mil habitantes) e, em 2021, foram 11.115 (5,7 a cada 100 mil habitantes).
Apesar da estabilidade indicada por esses dados, se em 2011 essas mortes respondiam por 26,6% dos óbitos no trânsito, dez anos depois chegaram a 35,3%.
A proporção entre internados também aumentou, passando de 50,6% para 61%. E, só em 2021, as hospitalizações de motociclistas levaram ao custo de R$ 167 milhões ao Estado.
“Esse paciente pode ter sequelas causadas pelos traumas do acidente, tirando-o precocemente do mercado de trabalho. Isso gera ainda mais gastos com previdência por aposentadoria precoce”, afirma o cirurgião-geral Milton Steinman, do Hospital Israelita Albert Einstein.
No geral, as vítimas são homens, negros, solteiros, na faixa dos 20 a 29 anos e com 8 a 11 anos de estudo.
Nesse sentido, os acidentes de trânsito envolvendo motociclistas são um problema de saúde pública que afeta em especial jovens economicamente ativos, pois a maioria dos envolvidos são trabalhadores em exercício da função. Isso relaciona também os acidentes a um tipo de acidente de trabalho.
Outro dado que chama atenção é o local das mortes: praticamente metade (49,5%) foi na via pública.
“As mortes ainda no local ocorrem, em geral, por duas razões: se o acidente foi de alta gravidade ou se houve falha no atendimento de socorro. Como não é possível que metade dos acidentes tenha sido muito grave, é preciso considerar que há também falhas no atendimento de urgência que precisam ser corrigidas”, afirma Steinman, que é especialista em urgências cirúrgicas, traumas e catástrofes.
Os dados de 2021 indicam que o Piauí tinha a maior taxa de mortalidade de motociclistas por 100 mil habitantes (17,6), seguido de Mato Grosso (14,7), Tocantins (13,8), Maranhão (11,2) e Sergipe (11). Quanto às taxas de internação, o Piauí também liderava, com 17,4 internações por 10 mil habitantes, seguido de Tocantins (13,6), Mato Grosso do Sul (12,3), Rondônia (11,4) e Paraíba (10,5).
Segundo as estratégias propostas dentro do chamado Pnatrans (Plano Nacional de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito), entre as ações esperadas para reduzir acidentes de trânsito estão a regulamentação de proteções metálicas para motociclistas, melhoria dos dispositivos de segurança em motos e bicicletas e a execução de programas de fiscalização de velocidade e de abuso de álcool no trânsito.
“Existem áreas para melhorias, mas o plano de ação precisa considerar essas diferenças regionais inclusive para fomentar estratégias junto aos estados e municípios”, diz Steinman. “A incidência de acidentes e a dependência da frota de motocicletas são muito mais altas nas regiões Norte e Nordeste do que no Sul e Sudeste do país.”
O uso de capacetes é uma dessas questões que precisam ser mais bem atendidas. Segundo dados da PNS (Pesquisa Nacional de Saúde), de 2019, 82,6% dos motociclistas declararam usar o capacete, mas, se observada só a região Nordeste, a taxa caiu para 68,6% A falta do equipamento de proteção está associada ao agravamento do acidente, com maior risco para traumatismo craniano e óbito.
Na última década, houve também um aumento de 64,7% da frota de motocicletas, passando de pouco mais de 18 milhões de veículos, em 2011, para 30,3 milhões em 2021.
Por essa razão, campanhas de conscientização e maior fiscalização são fundamentais, aliando os diversos setores do governo, mas existem falhas também na rede de assistência ambulatorial.
Um dos pontos citados pelo médico é que nem todos os hospitais têm capacitação para lidar com traumatismos, e erros decorrentes do atendimento podem resultar em óbito.
“Como não existe uma coordenação, o paciente acaba dependendo de ter um atendimento especializado para aumentar a sua sobrevida. E, muitas vezes, as ambulâncias são orientadas a levar para o hospital mais próximo, mas não necessariamente ao que é um centro de excelência em traumatologia”, afirma.
Reabilitação é demorada e incerta
Entre as vítimas lesionadas, o processo de reabilitação pode ser longo, e as sequelas, permanentes.
“A gente trabalha na reabilitação sempre olhando para as capacidades funcionais que o indivíduo pode fazer, mas não é verdade que a gente devolve esse indivíduo para a vida que ele queria. Vai ser uma vida produtiva, boa, mas não a que ele queria”, afirma Linamara Rizzo Battistella, professora titular de fisiatria da FMUSP e idealizadora da Rede Lucy Montoro, clínica especializada em reabilitação, que possui sete unidades na região metropolitana de São Paulo e outras 12 em cidades do interior do estado.
Diogo Nascimento, 26, é um dos pacientes da unidade da Vila Mariana, que se recupera de um acidente de trânsito, ocorrido em dezembro do último ano.
Nascimento estava indo trabalhar de motocicleta quando, em um momento de descuido, bateu em um caminhão parado em uma rua perto do parque Villa-Lobos, na zona oeste paulistana. Sofreu traumatismo craniano e ficou 18 dias internado no Hospital das Clínicas, sendo 12 deles em coma.
Há um mês, ele faz fisioterapia na Rede Lucy Montoro, processo que deve exigir no mínimo oito meses, mas só irá saber se ficará ou não com alguma sequela depois de um ano.
De licença médica, ele conta com a ajuda da mãe, que paga suas despesas, e espera poder voltar cedo ao trabalho. E a moto? “Pretendo voltar a andar, mas não diariamente, como era antes para ir trabalhar. Agora só de vez em quando, para dar um rolê.”
Já Fabrício Santos, 26, utilizava a motocicleta para trabalhar quando, em julho de 2021, bateu de frente com um carro em Diadema (Grande São Paulo). Após o choque, ainda foi arrastado por alguns metros pelo veículo. Sofreu fratura na mandíbula e no braço esquerdo, que também teve o ligamento rompido. Foi socorrido e ficou duas semanas em coma no hospital Piraporinha.
Cinco meses de fisioterapia ainda não lhe devolveram o movimento do braço. Aguarda uma cirurgia há dois meses na Rede Lucy Montoro. Depois do procedimento, será necessário mais um período de reabilitação.
Nesses quase dois anos, virou-se com bicos em lava-rápido e em funilaria para tentar pagar as contas.
“Ninguém vai querer quem trabalha com um braço só”, lamenta. “Todo mundo acha que os motoboys estão ganhando bem, mas não ganham. É uma categoria muito desvalorizada.”
ANA BOTTALLO E CLAUDINEI QUEIROZ / Folhapress