SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A Guerra da Ucrânia voltou a se manifestar em solo russo nesta quarta (31), um dia após Moscou sofrer o maior ataque aéreo com drones desde que invadiu o país vizinho, há 15 meses.
Duas refinarias a cerca de 80 km dos maiores terminais de exportação de petróleo do país de Vladimir Putin foram atingidas por aparelhos não tripulados, com incêndios que seus administradores disseram ter controlado, na região de Krasnodar (sul).
Foto divulgada pelo governador de Belgorodo mostra carro destruído em ataque ucraniano em Chebekino Viacheslav Gladkov Já na região de Belgorodo, que faz fronteira com a Ucrânia e tem sido alvo constante de ataques pontuais, pelo menos quatro pessoas ficaram feridas devido a um bombardeio a partir do país vizinho, segundo o governador local, Viacheslav Gladkov.
Com isso, o Kremlin disse que estuda a evacuação preventiva de algumas vilas mais próximas do território adversário, em mais uma etapa de uma escalada que não se compara com o escopo da guerra contra Kiev, mas que adiciona nuances simbólicas importantes ao conflito.
Na semana passada, Belgorodo já havia sido atacada por comandos de supostos grupos de resistência ao governo de Putin bancados pela Ucrânia e equipados pelos Estados Unidos. Refinarias e bases aéreas também já foram atacadas antes.
Mas os ataques com drones, que o Kremlin classifica como terrorismo ucraniano para não aumentar a percepção de uma guerra entre Estados a lhe afetar, têm tão ou mais importância. Na terça (30), a Rússia admitiu que oito drones foram lançados contra Moscou, embora a imprensa local tenha contado até 30 explosões pequenas em pontos da capital.
Os russos disseram ter derrubados todos, e a geografia da ação divulgada pelo Parlamento mostra sua intenção. Dos 8 aparelhos, 5 foram abatidos na área mais abastada da região metropolitana, os distritos do oeste moscovita, que desde os tempos soviéticos concentram casas de altas autoridades -e, hoje em dia, de bilionários. Um dos aparelhos caiu em Razdori, a menos de 7 km da residência oficial de Putin, em Novo-Ogariovo.
A Folha falou com um morador da área, que relatou ter sido acordado na madrugada de terça com o barulho de disparo de mísseis da bateria Pantsir-S1 que foi colocada há alguns meses junto à rodovia que corta Rubliovka, o nome extraoficial desses distritos dos super ricos.
A presença dos sistemas antiaéreos na região mostra a preocupação do Kremlin, que não informou se Putin estava em casa ou em outro dos palácios presidenciais quando houve o ataque. O recado, contudo, foi claro e para a elite do país.
Esse incremento das ações que a Ucrânia não admite ter cometido leva a especulações. Na sempre paranoica comunidade dos blogueiros militares russos, discute-se se há a possibilidade de os drones serem parte de uma operação de falsa bandeira, ou seja, organizada por Moscou para justificar alguma escalada, como uma mobilização nacional.
Não parece ser o caso, assim como na derrubada de outro drone sobre o Kremlin há algumas semanas. Aí os olhos se voltam para a propalada contraofensiva ucraniana, que está sendo esperada há mais de um mês e que o próprio comandante militar do país disse ser iminente em vídeo nesta semana.
Aqui e ali, surgem no Ocidente dúvidas sobre a real capacidade de Kiev de fazer alguma ação decisiva, ainda que tenham aumentado o bombardeio no leste ocupado -cinco pessoas morreram nesta quarta em um ataque com mísseis americanos do sistema Himars na região de Lugansk.
Após perderem terreno em Karkiv (nordeste) e tido de abandonar a capital regional Kherson (sul), nas últimas vitórias claras da Ucrânia na guerra, os russos reforçaram suas posições defensivas. Estudo do Royal United Services Institute, de Londres, mostrou na semana passada que a linha de frente está bastante protegida e que, após erros crassos em 2022, o desempenho militar de Moscou melhorou. Assim, para achar uma brecha sem chamar a atenção com concentração de tropas, Kiev, terá trabalho.
Ao mesmo tempo, os russos enfim tomaram Bakhmut, após a mais sangrenta batalha em solo europeu desde a Segunda Guerra Mundial, e têm registrados vitórias táticas pontuais -nada que lhes façam dobrar Kiev, mas que, com as sucessivas ondas de ataques aéreos, desmentem teorias de colapso militar.
Nesse cenário, o aumento de ações assimétricas, como os ataques com drones, baratos e de alto impacto de propaganda, podem servir tanto para tentar confundir as forças de Putin sobre o objeto da contraofensiva como para disfarçar o fato de que ela talvez não seja tão exequível como Volodimir Zelenski e o Ocidente desejam.
IGOR GIELOW / Folhapress