SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Mudanças que aumentam o número de vagas de garagem em edifícios, flexibilizam obrigações de construir moradia popular em algumas áreas da cidade e reduzem o cálculo de taxas foram incluídas no projeto de revisão do Plano Diretor de São Paulo após sugestão de associações de empreiteiras. O texto deve ir à votação em primeiro turno nesta quarta-feira (31).
Como mostrou o Painel, a nova versão do projeto acatou 15 propostas sugeridas pelas incorporadoras, sendo que três foram parcialmente acatadas e outras oito rejeitadas. O levantamento foi feito pela Bancada Feminista do PSOL com base em um conjunto de sugestões da Abrainc (Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias) encaminhadas à Comissão de Política Urbana da Câmara Municipal.
Algumas mudanças, como a liberação de microapartamentos no cálculo das vagas de garagem grátis, contrariam os próprios planos da prefeitura. A carta com as sugestões foi enviada pela Abrainc em nome de 35 entidades do setor.
O relator do projeto, vereador Rodrigo Goulart (PSD), diz que as sugestões da Abrainc são apenas parte do que entrou no texto. Ele argumenta que várias outras entidades e os partidos de oposição, como o PSOL, tiveram contribuições incluídas e que, portanto, o levantamento traz um ponto de vista parcial.
“Tudo quanto é entidade, todo cidadão que esteve envolvido no processo, fazendo seu protocolo ou participando das audiências públicas, teve suas contribuições analisadas”, disse Goulart. “[As incorporadoras] são um setor produtivo totalmente envolvido na legislação que estamos tratando. O setor que produz os empreendimentos de altíssimo padrão é o mesmo que faz a habitação social para os mais pobres. Não podemos ouví-los? Eles não podem participar?”, argumentou.
A Abrainc disse que as sugestões foram embasadas “em amplo debate técnico” das entidades. Para a associação, as propostas melhoram o texto original e dão segurança jurídica ao setor.
“As mudanças propostas visam promover a inclusão social e o adensamento inteligente como soluções para permitir que todas as faixas sociais possam desfrutar da infraestrutura existente e adquirir moradias acessíveis”, diz a Abrainc. “A revisão do Plano Diretor Estratégico de São Paulo representa um compromisso em tornar a cidade mais igualitária, envolvendo toda a sociedade em um amplo processo participativo.”
Confira as principais sugestões das empreiteiras que foram incluídas no projeto.
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VAGAS DE GARAGEM
**Como é:** Prédios construídos nos eixos de transporte público podem ter uma vaga de garagem por apartamento sem pagar nada a mais na outorga onerosa.
**Proposta da prefeitura:** A gestão Nunes propôs flexibilizar a regra, adotando dois tipos de cálculo. No primeiro cálculo, o tamanho mínimo do apartamento que tem direito a uma vaga sem custo é de 30 metros quadrados.
Na regra alternativa, o prédio ganharia uma vaga de garagem a cada 60 metros quadrados de área construída total. Apartamentos de 120 metros quadrados, por exemplo, poderiam ter duas vagas de carro -porém, unidades com menos de 30 metros quadrados seriam excluídas dessa conta, ficando sem vaga grátis.
**Sugestão das construtoras:** A Abrainc quer que apartamentos com menos de 30 metros quadrados sejam incluídos no cálculo das vagas de garagem grátis.
**Decisão do relator:** Goulart acatou a sugestão da Abrainc. Questionado, ele lembrou que o governo federal anunciou um plano para estimular a produção do carro popular. “Um governo incentiva a compra do carro, e aí quem mora aqui não vai poder ter?”, questionou o vereador. “Isso é uma correção da bagunça que está sendo feita.”
COTA PARTE MÁXIMA
**Como é:** O Plano Diretor em vigor limita a construção de unidades muito grandes nos eixos de transporte. A intenção é estimular o adensamento nessas áreas. A regra que estabelece limite para o tamanho dos apartamentos se chama “cota parte máxima”.
**Proposta da prefeitura:** O limite de tamanho para apartamentos poderia ser superado, desde que os proprietários paguem a mais por isso. O fator de interesse social, um dos índices usados para calcular essa taxa extra, seria o dobro do que é praticado hoje -ou seja, o valor cobrado seria maior.
**Sugestão das construtoras:** Uma regra mais branda para calcular os pagamentos de taxa. Em vez de adotar um índice fixo, a Abrainc propôs um aumento gradual da cobrança. Quanto maiores os apartamentos que superam o limite, maior o valor pago.
**Decisão do relator:** O cálculo sugerido pelas construtoras foi incluído no projeto.
MENOS IMÓVEIS PARA FAMÍLIAS COM MENOR RENDA
**Como é:** A cota de solidariedade obriga que construtoras, quando lançam grandes empreendimentos, entreguem também habitação social. A regra vale para construções com mais de 20 mil metros quadrados. A construtora recebe, como benefício, um acréscimo de 10% na área construída. Além disso, não se paga nenhuma taxa sobre a moradia popular, que pode ser construída em outros terrenos.
**Proposta da prefeitura:** Para o pagamento da cota de solidariedade, haveria uma exigência de que metade das unidades construídas sejam de HIS-1, voltadas para famílias mais pobres (até três salários mínimos). Uma das principais críticas ao Plano Diretor é que quase não se construiu HIS-1 nos últimos nove anos.
**Sugestão das construtoras:** A Abrainc propôs retirar o mínimo de 50% para a construção de HIS-1 e incluir empreendimentos com menos de 20 mil metros quadrados nessa regra.
**Decisão do relator:** As duas sugestões das construtoras foram incluídas. “Significa aumentar ainda mais a verticalização”, opina o professor Nabil Bonduki, da FAU-USP, ex-vereador pelo PT e relator do Plano Diretor de 2014.
PRÉDIOS MAIS ALTOS, SEM CONTRAPARTIDA
**Como é:** Os empreendimentos em ZEIS (Zona Especial de Interesse Social) devem respeitar percentuais mínimos de moradia popular. Na maior parte dessas zonas, é preciso construir no mínimo 60% de HIS-1, ou seja, habitação para famílias até três salários mínimos. A exceção é a ZEIS de tipo 5, que está em áreas onde há mais oferta de serviços, equipamentos públicos e infraestrutura urbana: nesta, não há mínimo para a faixa de renda até três salários, e sim para HIS em geral (até seis salários mínimos).
**Proposta da prefeitura:** Lançamentos imobiliários em eixos de transporte nas ZEIS-5 poderiam ter acréscimo de 50% no coeficiente de aproveitamento máximo sem pagamento da outorga onerosa. Ou seja, prédios mais altos poderiam ser construídos de graça (por exemplo: em vez de 10 andares, o limite seria de 15 andares). Mas, para isso, deveria destinar 20% dos imóveis para HIS-1.
**Sugestão das construtoras:** A Abrainc sugeriu derrubar exigência proposta pela prefeitura, para que o proprietário não precise garantir esses 20% para famílias com menor renda.
**Decisão do relator:** O vereador incluiu a sugestão das construtoras, retirando a exigência. “Se o proprietário quiser construir prédios mais altos sem pagar por isso, ele precisa destinar esta proporção mínima, que foi definida na PDE. Mas o setor só quer o benefício”, comentou a professora Bianca Tavolari, pesquisadora do Observatório do Plano Diretor do Insper.
FACHADAS ATIVAS
**Como é:** Nas áreas ao redor de eixos de transporte, é obrigatório construir calçadas mais largas e áreas maiores para circulação de pessoas. É proibido ter estacionamentos em área coberta no andar térreo até o limite de 15 metros de altura. Além disso, no espaço entre a caçada e a fachada dos prédios só é permitida a construção de vagas exigidas por lei (para deficientes físicos e idosos, por exemplo).
**Proposta da prefeitura:** Sem mudança.
**Sugestão das construtoras:** Revogar essa limitação para garagens no térreo, para que seja permitida a construção de garagens cobertas no andar térreo dos prédios no entorno de corredores de ônibus e estações de trem e metrô. Também propôs revogar a proibição de se construir garagens abertas, entre a calçada e o prédio nessas áreas.
**Decisão do relator:** Propõe revogar a proibição para vagas cobertas, mas manter a proibição para expandir as garagens abertas entre a calçada e a fachada do prédio.
“Se o proprietário é obrigado a fazer fachada ativa, ele perde margem no terreno. Isso tiraria espaço para construção de estacionamentos no térreo dos edifícios”, exemplifica Bianca Tavolari, do Insper.
PIU ARCO TIETÊ
**Como é:** Os PIUs (Projetos de Intervenção Urbana) são estudos técnicos que visam reordenar áreas subutilizadas da cidade que têm potencial de transformação. A intenção é aumentar a densidade demográfica e incentivar novas atividades econômicas na área. Um dos PIUs previstos no Plano Diretor é nas regiões do entorno do rio Tietê.
**Proposta da prefeitura:** Sem mudança.
**Sugestão das construtoras:** Aumentar o potencial construtivo no entorno do Tietê, liberar o limite de altura e reduzir os valores de outorga onerosa pagos pelas construtoras. Isso valeria até a aprovação de um projeto de lei para disciplinar as regras nessa região.
**Decisão do relator:** Acata a sugestão das construtoras.
Na avaliação do pesquisador Fernando Túlio, professor de urbanismo social do Insper, esta sugestão pode comprometer a viabilidade financeira da transformação urbana na região do Tietê. “Estão ativando um mecanismo que reduz o valor destinado ao Fundurb (Fundo de Desenvolvimento Urbano), cujos recursos são majoritariamente utilizados para realizar melhorias nas periferias”, explica Túlio. “Ou seja, estão queimando um estoque construtivo com um preço reduzido que, no longo prazo, pode inviabilizar toda a transformação da região do rio Tietê em que está previsto o investimento em drenagem, parques, equipamentos públicos e moradias”, argumenta o especialista.
OPERAÇÕES URBANAS CONSORCIADAS
**Como é:** As Operações Urbanas Consorciadas visam estimular a verticalização e o crescimento populacional de uma região específica. Há regras para dar início a elas, mas não para encerrá-las. As taxas cobradas para construir além do limite permitido nas áreas alvo dessas operações são pagas por meio de Cepac (Certificados de Potencial Adicional de Construção), uma modalidade mais cara do que a outorga onerosa.
**Proposta da prefeitura:** Sem mudanças.
**Sugestão das construtoras:** Estabelecer uma série de parâmetros para encerrar as operações. Haveria um prazo de cinco anos para que as regras da operação sejam desativadas e as regras gerais do Plano Diretor voltem a ser adotadas. Nesse período, os proprietários poderão escolher pagar contrapartidas financeiras por meio da outorga onerosa, que é mais barata.
**Decisão do relator:** Acata a sugestão das construtoras.
FISCALIZAÇÃO DAS HIS
**Como é:** A lei apenas determina que empreendimentos de moradia popular, construídos com incentivo fiscal, devem ser destinados para famílias das faixas de renda definidas por lei. Na prática, não há fiscalização dessa regra e as unidades acabam na mão de proprietários com mais renda. Não há punição prevista no Plano Diretor para quem não cumprir a regra.
**Proposta da prefeitura:** A obrigatoriedade de destinar os apartamentos para as faixas de renda correta ficaria inscrita na matrícula do imóvel. Quem descumprir a lei deverá pagar os valores “do potencial construtivo adicional utilizado, impostos, custas e demais encargos referentes à sua implantação, além de multa equivalente ao dobro deste valor financeiro apurado, devidamente corrigido”.
A prefeitura editaria um decreto regulamentando as formas de fiscalização e as penalidades.
**Sugestão das construtoras:** A prefeitura editaria um decreto regulamentando a fiscalização “do aluguel, da concessão e do comodato” da moradia popular, e não da destinação incorreta das unidades.
**Decisão do relator:** O vereador Goulart incluiu um trecho, que não havia sido proposto nem pelas construtoras nem pela prefeitura, para que entidades financeiras vinculadas ao empreendimento comprovem a renda dos compradores dos imóveis.
Ele incluiu, porém, a sugestão de que a prefeitura regulamente o aluguel das unidades.
De acordo com o pesquisador Fernando Túlio, do Insper, embora haja desejo de regulamentar a destinação das HIS, a sugestão é genérica e posterga o detalhamento das regras para o futuro.
PEDRO MADEIRA E TULIO KRUSE / Folhapress