BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Pouco após a posse a eleição do ano passado, Lula encontrou com seu advogado, Cristiano Zanin Martins, 47, e perguntou se ele queria ocupar algum cargo no governo. “Não, presidente. Quero continuar minha carreira no sistema de Justiça”, respondeu.
Duas semanas após a posse, emissários de Lula o abordaram para saber se ele aceitaria a indicação ao STF (Supremo Tribunal Federal) na vaga do ministro Ricardo Lewandowski, que se aposentou em 11 de abril.
O sim do advogado fez cair uma tormenta sobre ele. Zanin passou a receber punhaladas de aliados que, pela frente, dizem apoiá-lo, mas que, atrás das cortinas, operam para outros candidatos –Manoel Carlos, pupilo de Lewandowski, Bruno Dantas, presidente do TCU (Tribunal de Contas da União), e Pedro Serrano, ex-procurador do estado de São Paulo, ligado ao grupo Prerrogativas.
Com a indicação, Zanin terá de prestar contas ao Senado, que irá questioná-lo sobre a proximidade com o presidente para saber que posição adotará nas ações que envolvem Lula.
Garantista, ele vai se considerar impedido nos casos em que atuou como advogado de Lula e, nas outras ações, entre elas as eventualmente movidas ao longo do novo mandato do presidente, se considerará desimpedido para o julgamento.
Embora preferisse outros candidatos, a maioria dos ministros da corte não vislumbra óbices a Zanin. Nos bastidores, mencionam que Alexandre de Moraes, Dias Toffoli e Gilmar Mendes enfrentaram críticas similares.
Zanin enfrenta problemas familiares, como um rompimento entre sua mulher, a advogada Valeska Teixeira Zanin Martins, e o pai, Roberto Teixeira –compadre e ex-advogado de Lula. Zanin era sócio dos dois no mesmo escritório.
Pessoas próximas afirmam que conflitos profissionais vinham se acentuando ao longo dos últimos anos e chegou ao ápice quando Teixeira cobrou a divisão de R$ 10 milhões em honorários, mesmo sabendo que o casal trabalhou sozinho em processo envolvendo a Band e a Igreja Universal.
Apesar da sociedade, Zanin e Valeska já atuavam com independência em diversos casos. A gota d’água não foi propriamente a cobrança, mas ela ter sido feita no momento em que o casal enfrentava problemas familiares. Os dois fizeram um acordo com Teixeira, abriram uma banca própria e, desde então, o avô não participa mais do convívio familiar.
Consultado, Teixeira não respondeu. O casal não quis se manifestar.
Zanin continuou atendendo Lula e se tornou seu principal conselheiro jurídico. O advogado, contudo, se diferenciou do sogro mantendo uma relação técnica com o então ex-presidente, uma tentativa de blindagem para evitar ataques no campo político.
Não adiantou. Tornou-se alvo não só da oposição, mas de alas do próprio PT, que questionaram sua estratégia nos 27 processos a que Lula respondeu e também em medidas tomadas durante a prisão de 580 dias. Em ao menos duas ocasiões, ameaçou deixar a defesa por causa do fogo amigo.
Em agosto de 2019, por exemplo, a Justiça de São Paulo determinou que Lula fosse transferido da carceragem da Polícia Federal em Curitiba para o presídio de Tremembé (SP).
Pessoas ligadas ao PT defenderam uma petição ao Tribunal de Justiça de São Paulo para que Lula fosse mantido na PF. Zanin insistiu em ir diretamente ao Supremo e teve de bater o pé para avançar. Sua manobra se mostrou a mais acertada porque, rapidamente, o STF decidiu pela manutenção de Lula em Curitiba.
Um mês depois, o mesmo grupo tentou convencer o ex-presidente a pedir um habeas corpus humanitário e prisão domiciliar.
Zanin foi até a prisão em Curitiba e reclamou para Lula das bolas nas costas que vinha recebendo na condução dos processos. Deu um ultimato e saiu da cadeia com a carta na qual o ex-presidente fincou o pé e avisou que não trocaria sua “dignidade” por sua “liberdade”. O recado era de que Zanin mandava no caso.
Questionado, o advogado sempre desconversa sobre os atritos com o PT.
Sua atuação foi decisiva para que Lula disputasse as eleições no ano passado. A estratégia, definida em parceria com Valeska, foi persistir na defesa da tese de que o ex-presidente tornou-se vítima de uma guerra travada pelo MPF (Ministério Público Federal) e o então juiz da operação Lava Jato, Sergio Moro, que usaram as próprias leis como armas com o intuito de condenação.
O chamado lawfare (aplicação desleal das leis, em tradução livre do inglês) revelou-se com mais clareza com o vazamento de mensagens e áudios trocados entre Moro e procuradores do MPF, responsáveis pelas acusações criminais contra Lula, combinando atuação.
Desde o início, Zanin defendia a existência de uma ação orquestrada entre o MPF e a Justiça. Quando Moro foi anunciado pelo então candidato à Presidência da República Jair Bolsonaro como seu futuro ministro da Justiça, ele decidiu ir ao STF pedindo a soltura de Lula. Para ele, estava configurada a atuação política e a parcialidade do juiz.
No STF, Zanin nem precisou usar o conteúdo vazado. O plenário terminou anulando as ações contra Lula por vício no processo e devolveu a ele seus direitos políticos.
O contexto político também colaborou. Bolsonaro incitava apoiadores e instituições contra a corte e nenhum nome competitivo, fora o do petista, se apresentava para derrotá-lo em 2022.
Na festa da vitória, em um hotel de São Paulo, Zanin foi colocado pela comissão organizadora em uma sala lateral. Quando um dos filhos de Lula percebeu sua ausência na sala principal, foi buscá-lo.
Pessoas próximas a Lula afirmam que Zanin nunca fez um único pedido de cunho pessoal. Mesmo assim, o presidente considera ter uma dívida de gratidão com o advogado.
Três anos antes, no evento na sede do Sindicato dos Metalúrgicos, em São Bernardo do Campo (SP), pouco após sua soltura, Lula fez questão da presença de Zanin no palco improvisado em que discursou para prestar homenagens e agradecê-lo publicamente.
Embora quisesse atuar de forma técnica, o advogado não conseguiu ficar imune às ofensas e ataques em público de defensores de Bolsonaro.
Desde então, os encontros sociais –seus e em família– dificilmente ocorrem em público. Quando saem, usam carros blindados.
Em janeiro, o advogado foi hostilizado enquanto escovava os dentes no banheiro do aeroporto de Brasília (DF). Manteve-se impávido e, na saída, chamou um policial. O agressor hoje responde a um processo.
Quem olha para Zanin em meio a essa saraivada não percebe o quanto a atual situação o tira do sério, especialmente diante da exposição de sua família.
Muitos o descrevem como um iceberg, devido à sua aparente frieza e autocontrole diante de situações de confronto e estresse.
Essa pecha, que acompanha Zanin desde as primeiras sustentações orais nos tribunais de São Paulo, não o agrada.
Quem o conhece afirma que, embora seja essa figura aparentemente inatingível, dá sinais quando se irrita: fica vermelho e arrumando o terno nas costas.
No escritório, Zanin nunca tira o paletó. Só abre exceção quando o ambiente não é mais profissional. É assim desde que se formou em direito pela PUC, em São Paulo, em 1999. Ele diz que se acostumou à indumentária.
Vaidoso, usa gel no cabelo, creme para a pele, se veste com elegância, mas sem ostentação. Gosta de Zegna, Ferragamo e Hermés, mas não se dispõe a gastar mais que US$ 500 em uma peça.
O perfume é o Legend, da Montblanc (cerca de R$ 400). Usa atualmente óculos de grau com armação da Tom Ford. Às vezes, opta por um modelo da Zegna, presente dado pela mulher, que, aliás, é sua personal stylist. Estão casados há 19 anos e se conheceram quando ele começou sua carreira.
Professor de direito da PUC-SP, Eduardo Arruda Alvim o descreve como um intelectual que não gosta de se exibir, grande orador, persistente, com um quê de monge budista.
Desde cedo, teve de lidar com casos grandiosos, fazendo defesas orais no STJ (Superior Tribunal de Justiça) e no STF. Cuidou de falências, quebra de bancos, disputas societárias, casos que envolveram cifras bilionárias.
Na extinta companhia aérea Varig, primeiro processo sob a Lei da Recuperação Judicial, defendeu junto ao STF que o comprador da empresa não deveria assumir as dívidas –esse paradigma prevalece até hoje.
Em plena campanha eleitoral, conseguiu reverter o afastamento do governador de Alagoas, Paulo Dantas (MDB), que disputava a reeleição.
Foi contratado pela J&F, holding que controla as empresas dos irmãos Batista, para revisar os valores do acordo de leniência firmado pelo grupo com o Ministério Público Federal. No pedido, a empresa pede redução de até R$ 3 bilhões no valor antes pactuado.
Cris, como é chamado pelos amigos, é conhecido pelos jantares e almoços que passou a fazer em seu apartamento nos Jardins, bairro nobre da capital paulista, com o acirramento da polarização política no país. É cozinheiro de mão cheia. Seu carro-chefe é o bacalhau.
Quando vai a restaurantes, ele gosta de pedir steak tartar, prato servido normalmente com vinho tinto. Ele, no entanto, pede o branco e sempre vira alvo de piadas por isso. Também adora frutos do mar. Recentemente, no entanto, descobriu uma alergia a ostras e lula.
JULIO WIZIACK / Folhapress