SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Deus odeia o orgulho”, dizia post do pastor André Valadão que divulgava seguidores para o culto da Igreja Batista Lagoinha em Orlando. Poderia ser mais uma pregação genérica sobre a soberba, um dos sete pecados capitais, não fosse patente a agenda anti-LGBTQIA+ na publicação.
A palavra “orgulho” aparecia pintada com as cores do arco-íris, símbolo da comunidade que abrange gays, lésbicas, queer e transgêneros, entre outros grupos. A ira de Valadão se voltou a junho, mês dedicado a reivindicar direitos e respeito à diversidade sexual e de gênero.
“A tendência de quem peca é se esconder e não ‘sair do armário’, porque pecado gera falta de paz e medo das consequências”, afirmou Valadão na rede social. Para ele, é um acinte se orgulhar de ser LGBTQIA+.
O pastor desenvolveu seu raciocínio fóbico no púlpito. “Considero que hoje é o mês que Deus mais repugna na humanidade”, disse. Afirmou ainda que citar o termo irrita a força maior do cristianismo, que “odeia e repugna qualquer atitude de orgulho, só o uso da palavra Deus já condena”.
O acolhimento à identidade LGBTQIA+ é minoritário nas igrejas cristãs, incluindo aí a católica. A virulência da retórica de Valadão, no entanto, é considerada no meio acima do tom mesmo dentro do segmento.
A própria Lagoinha tem o Movimento Cores, que propõe diálogo com essa comunidade. Nesta segunda (5), o grupo compartilhou no Instagram a mensagem de uma integrante com camiseta arco-íris: “Avante, Cores, que o Dona da Vida está e sempre estará de braços abertos, o Deus ensanguentado de amor, morreu por nós e a Ele nos prostramos em afeto, reverência carinhosa e paixão”.
Em solo americano, Valadão atribuiu à cultura secular, ou seja, de fora da fé evangélica, a imposição de algo que, na sua interpretação, contraria a vontade divina. Falou num conluio entre marcas, bilionários, mídia e redes sociais para levantar “uma agenda muito forte onde o não crente quer dizer pro crente como o crente tem que viver”.
Usou passagens bíblicas isoladas para reforçar sua aversão ao mês do Orgulho LGBTQIA+, como Romanos 1:22: “Dizendo-se sábios, tornaram-se loucos”.
“Olha como o Espírito Santo trata a promiscuidade”, pregou. “Hoje você vê um debate de um homem que se sente mulher [e quer] competir em competições femininas. Eu vi esses dias um vídeo uma manifestação na Europa de pessoas que se sentem cachorros, de quatro, latindo na rua.”
André Valadão assumiu no fim de 2022 a liderança da Lagoinha Global, com mais de 700 templos no Brasil e no mundo. Subiu na hierarquia após seu pai, o pastor Márcio Valadão, nome respeitado no meio, se aposentar. Ele se afastou após anunciar a morte por infarto do ex-ator Guilherme de Pádua, assassino de Daniella Perez que virou pastor da igreja, num vídeo peculiar. “Caiu e morreu. Morreu agora, agorinha”, informou sorrindo. O tom insólito levantou suspeitas sobre senilidade e abriu espaço para o filho.
Ainda que a matriz da Lagoinha, em Belo Horizonte, esteja a cargo de outro pastor, Flavinho, André Valadão conquistou poder após a saída do patriarca. Ele já vinha cumprindo o papel mais midiático da família nos últimos anos. Em 2022, foi um dos apoiadores evangélicos mais entusiasmados de Jair Bolsonaro (PL) e chegou a mentir dizendo que Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral, havia determinado que ele se retratasse por acusações contra Lula (PT).
“O André, desde a sua juventude, despertava polêmicas”, diz o pastor Bob Luiz Botelho, membro-associado das Nações Unidas para assuntos religiosos e fundador do Evangélicxs Pela Diversidade. “Ele sempre pregou discursos que padronizam a fé, essa postura de dizer que para você chegar numa espiritualidade X, precisa fazer o caminho A, não existe B ou C. Tem sempre que ser do jeito que ele quer, um garoto mimado que se recusa a fazer um estudo sério sobre qualquer tema. Um verdadeiro coach que nada tem a ver com o evangelho plural de Jesus.”
A Folha procurou o pastor por mensagem e também tentou falar com a assessoria da Lagoinha, sem retorno em ambos os casos.
Curiosamente, um álbum que lançou em 2012, “Aliança”, foi criticado por trazer uma capa multicolorida. Bombardeado por pastores, Valadão, na época mais conhecido como cantor gospel, disse que não estava copiando a bandeira LGBTQIA+ e evocou Gênesis, livro bíblico em que Deus forma um arco-íris no céu para sinalizar a Noé. “Nós, igreja, temos a facilidade de entregar ao inimigo aquilo que Deus deu pra nós. O arco-íris não é um símbolo de um movimento, é o símbolo de uma aliança que Deus fez com o homem.”
Márcio Valadão, enquanto no comando, era bem mais aberto, segundo Botelho. “A Lagoinha por muitos anos abraçou diversas possibilidades de ser igreja, mantendo a unidade em diversidade.” Não que a igreja fosse muito progressista, claro. Aceitar pessoas LGBTQIA+ era mais um gesto “para que lá dentro encontrassem um discurso de que Jesus recrimina as identidades plurais, o que de forma alguma não deixa de ser violento contra nós”, afirma o pastor. Uma “homofobia cordial”.
A ascensão do filho radicalizou a oratória como um todo e, por tabela, provocou insatisfação interna, com o desligamento de algumas igrejas do selo Lagoinha. André reagiu em vídeo compartilhado nas redes. Afirmou que a igreja é “muito clara sobre a visão e os estatutos que tem” e minimizou a desvinculação de “pouquíssimas igrejas”, segundo ele: “Nada demais”.
ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER / Folhapress