SÃO SEBASTIÃO DO UATUMÃ, AM (FOLHAPRESS) – Ingrediente aromático e valioso para a indústria dos cosméticos, o óleo de breu branco já era um velho conhecido das comunidades da RDS (Reserva de Desenvolvimento Sustentável) Uatumã, que fica a cerca de 330 km de Manaus.
Mas foi há dois anos que o investimento em uma usina para produção do óleo alavancou o potencial econômico.
Sempre que sofre uma perfuração, a árvore breu branco evita a invasão por insetos ao liberar uma resina de mesmo nome, que depois endurece sobre sua casca.
“Em 2019, extraíamos a resina da árvore e vendíamos a R$ 2,50 o quilo. Hoje produzimos o óleo essencial na usina e vendemos por R$ 1.300 o litro”, diz Vanderley Cruz, gestor da usina de óleos da RDS Uatumã, que foi construída com recursos do Fundo Amazônia. Ele diz que 400 kg de resina rendem 2,5 litros de óleo.
“Fui o primeiro comprador, ajudei no início com consultorias, mas hoje não consigo comprar, porque eles têm muita demanda”, afirma Domingos Amaral Neto, diretor da Biozer da Amazônia, que desenvolve cosméticos naturais e fitoterápicos.
A Biozer também recebeu apoio graças a recursos de P&D (pesquisa e desenvolvimento) destinados por uma fabricante de eletrônicos da Zona Franca de Manaus, que tem participação nos lucros.
O direcionamento de investimentos para a bioeconomia é feito através do PPBio (Programa Prioritário de Bioeconomia). É uma opção criada pela Suframa (Superintendência da Zona Franca de Manaus) para o investimento obrigatório que as empresas devem fazer em P&D.
O valor deve corresponder a, no mínimo, 5% do faturamento como contrapartida aos benefícios tributários.
Entre 2019 e 2022, o programa arrecadou R$ 91,6 milhões de 33 empresas. Mas convencer os negócios da Zona Franca de Manaus -majoritariamente voltados ao setor tecnológico- a investir na floresta ainda é um desafio.
“O primeiro objetivo dessa política de P&D é dar autonomia técnica para a empresa aumentar a competitividade e permanecer na região. Por isso a gente não impõe, mas busca dar os incentivos corretos para a própria empresa investir nessas áreas”, diz Rafael Gouveia, coordenador de gestão tecnológica da Suframa.
A tarefa de construir parcerias com empreendedores, comunidades e pesquisadores fica por conta do Idesam (Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia), que coordena o PPBio desde 2019.
No início do ano, a ONG promoveu uma expedição à RDS Uatumã reunindo investidores, empreendedores, instituições de tecnologia e inovação e comunidades da reserva.
“Cerca de 99% das empresas investem em P&D visando economizar nos processos, gastar menos, mas é possível pensar como soluções tecnológicas voltadas para uma empresa lá na Zona Franca podem servir aqui na comunidade”, afirma André Machado, diretor do instituto de tecnologia Creathus.
Por outro lado, a tecnologia esbarra nas dificuldades de acesso. Em conversa com pesquisadores e empreendedores, líderes comunitários de Uatumã afirmaram que falta conhecimento sobre os desafios na floresta, como a falta de internet e de eletricidade.
“Diversas parcerias acabam não prosperando porque não contam com o fato de que não temos internet 5G para rodar um sistema”, diz Cruz.
Embora seja atravessada pelo linhão de Tucuruí, que transmite energia elétrica a Manaus, a região não integra o Sistema Interligado de Energia e depende do diesel para a geração energética.
“Estamos estudando junto à iniciativa privada como levar gás natural através de barcaças a algumas regiões para que os sistemas isolados também tenham essa matriz limpa”, afirmou o governador Wilson Lima (União Brasil), em visita à RDS Uatumã para a entrega de kits de energia solar.
Lima disse que prevê combinar o uso de energia solar, fonte renovável, e gás (de origem fóssil) em um programa de mudança da matriz energética do estado.
Questionado sobre a vantagem do gás em relação à energia solar para sistemas isolados, o governador disse que “o gás tem maior eficiência e precisa de volume menor, enquanto a energia solar precisa de área muito maior”.
Outro desafio é garantir volume e escala para os produtos que mantêm a floresta em pé.
“Com a cadeia ainda pulverizada, o preço da polpa de tucumã oscilou no ano passado entre R$ 30 e R$ 130 reais o quilo. Nenhuma indústria sobrevive com essa oscilação”, diz o chef Beto Pinto, sócio da Smart Food, que produz hambúrgueres de tucumã.
Popular na região, o fruto amazônico é usado em lanches como o X-caboquinho. A textura da polpa, alaranjada, lembra coco. “Quem vem para cá adora, mas ele não sai daqui. O açaí já está no mundo inteiro, então queremos levar o tucumã”, afirma o chef.
A Smart Food tem 32 pontos de venda em oito estados, mas Pinto diz não querer expandir o negócio a qualquer custo. “Tem que ser bom para a comunidade, para o empreendedor e para o consumidor. Se alguém não estiver feliz, não é sociobiodiversidade.”
Um dos desejos do comunitário Gracilazo Miranda era continuar trabalhando com madeira. “Tinha as máquinas, mas sem documentação, andava escondido. Agora trabalho de cabeça erguida.” Hoje ele é manejador e gestor da movelaria de Uatumã, que produz peças encomendadas por designers de renome.
“Antes era entrar numa mata, derrubar 20, 30 árvores, cortar em prancha, levar para o atravessador”, lembra. “Hoje não, a gente faz plano de manejo florestal, tudo licenciado. Se você me perguntar de onde saiu a madeira de uma peça, eu te levo até a árvore.”
A reserva mantém a produção de alimentos em sistemas agroflorestais e ainda administra uma pousada.
“É um sonho, para fortalecer os vínculos familiares e com a comunidade, para que meus filhos não precisem sair por aí em busca de salário. Se eu quero um mundo melhor, é porque estou neste mundo”, afirma Elizangela Cavalcante, gestora da movelaria e uma das lideranças da reserva.
ANA CAROLINA AMARAL / Folhapress