SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A 215º Sessão Ordinária de Julgamento do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) desta quarta-feira (7) encerrou uma briga judicial entre a autarquia e a Nestlé envolvendo a compra da Garoto, que se arrasta desde 2004.
A longa disputa judicial foi “tortuosa” para a autarquia, disse hoje a procuradora-chefe do Cade, Juliana Domingues. “É uma decisão equilibrada entre as partes, reduzindo o ônus para todos os envolvidos, inclusive para o poder judiciário”, disse.
A aquisição da tradicional fabricante Garoto, com sede em Vila Velha (ES), no valor de R$ 1 bilhão, foi anunciada em fevereiro de 2002, mas foi vetada pelo Cade só dois anos depois, em 2004, uma vez que as empresas teriam juntas quase 60% do mercado de chocolates no Brasil. Mas a multinacional suíça recorreu à Justiça e obteve em 2005 o direito de manter a operação. Em 2009, essa decisão foi anulada e o caso deveria ser reaberto pelo Cade.
A Nestlé continuou recorrendo judicialmente contra a reabertura até que, em 2018, o TRF (Tribunal Regional Federal) da 1ª Região afirmou que o Cade deveria reabrir o processo, o que só foi feito em 2021. Agora houve um acordo entre as partes.
Hoje Nestlé e Garoto já não dominam o mercado de chocolates, que tem visto a ascensão de marcas regionais e mais baratas, o que tornou um acordo mais fácil de ser fechado.
Segundo o presidente do Cade, Alexandre Cordeiro Macedo, se antes havia um duopólio das marcas, nos últimos cinco anos, Nestlé e Garoto perderam participação no mercado de chocolates como um todo no Brasil e outros concorrentes avançaram, como a brasileira Cacau Show, a Lacta (da americana Mondelez) e a italiana Ferrero Rocher.
ACORDO INCLUI ‘REMÉDIOS’
O Cade adotou os seguintes “remédios” no acordo judicial com a Nestlé: a multinacional suíça não pode fazer aquisições de concorrentes que representem 5% ou mais do mercado relevante de chocolates, por cinco anos; se houver a compra de concorrentes que representem menos de 5% do mercado, a operação deverá ser comunicada ao Cade, que terá 15 dias úteis para avaliar o caso -essa medida deve ser tomada por sete anos; a Nestlé se compromete a não erguer barreiras à importação do seu chocolate, elevando tributos de importação, por exemplo (medidas antidumping), durante sete anos; a multinacional concorda em manter investimentos na fábrica da Garoto em Vila Velha por sete anos.
“Agradeço inteiramente os que nos receberam no Cade, de maneira amigável, ainda que tivéssemos um litígio”, disse o advogado da Nestlé, Gabriel Dias, da Magalhães e Dias Advocacia. “A Nestlé entende que é um acordo vantajoso, não só para a empresa, como para o interesse público e para a população de Vila Velha.”
O vice-presidente jurídico e de assuntos públicos da Nestlé Brasil, Gustavo Bastos, afirmou que, ao longo de todos esses anos, o Cade avaliou 29 atos de concentração envolvendo a companhia. “Foram aquisições fora do Brasil, com impacto no país, desinvestimentos e a compra da Puravida”, disse Bastos. “Nestas análises, o Cade nunca deixou que a pendência envolvendo a Garoto influenciasse suas decisões, julgando os casos de maneira técnica e imparcial, como deve ser”, afirmou.
O advogado especialista em direito empresarial Marcelo Godke, sócio do Godke Advogados, lembra que antes da lei 12.529, de novembro de 2011, que estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, o Cade tinha até dois anos para avaliar uma operação de compra ou fusão que superasse os R$ 400 milhões.
“Agora, se as empresas faturam R$ 750 milhões, isoladamente ou em conjunto, ou se detêm 20% do mercado relevante, o negócio não pode ser concretizado de maneira vinculante antes que o Cade dê o aval”, afirma Godke. Quando o órgão reprovou a operação, em 2004, a Nestlé e a Garoto já operavam juntas.
De acordo com a consultoria Euromonitor, o consumo de chocolates no Brasil atingiu R$ 22 bilhões em 2022, alta de 18% sobre o ano anterior (valores nominais), com a venda de 336 mil toneladas (crescimento de 7%).
Em 2022, segundo levantamento feito pela consultoria NIQ (antiga Nielsen), enquanto a venda de alimentos como um todo caiu 2,5% em volume, a de chocolates avançou 4,7%.
O que vem puxando essa alta são as barrinhas de chocolate recheadas (“candy bar”) e os biscoitos wafer cobertos com chocolate, segmentos que registraram alta de 22% e 12% em volume, respectivamente.
A NIQ não revela as principais marcas de cada segmento, mas um exemplo de candy bar com preço competitivo é o da Trento, de 32 gramas, da gaúcha Peccin, enquanto o mais popular wafer coberto de chocolate é o Bis, da Lacta.
DANIELE MADUREIRA / Folhapress