Patricia Hill Collins exalta mulher preta, alerta contra censura e se diverte com versão dublada em SP

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Uma das principais teóricas do feminismo negro, Patricia Hill Collins fez uma palestra longa e paciente a uma multidão que se aglomerava sob o sol forte da tarde desta sexta na Feira do Livro, em São Paulo.

Ao abrir a boca, antes de lembrar os primeiros passos da sua carreira e explicar detalhadamente seu projeto intelectual, ela parou para fazer um alerta ao público, que incluía as pesquisadoras Djamila Ribeiro e Ynaê Lopes dos Santos.

“Vivemos um momento em que as pessoas querem banir os livros, não querem ler sobre antirracismo, sobre equidade de gênero, estão com medo dos argumentos dos jovens pró-trans”, afirma, sobre a onda de censura que tem ameaçado as bibliotecas americanas.

São pessoas que “querem limitar ideias”, afirmou a socióloga. “Quando todos os livros que nos rodeiam aqui nesse momento histórico já não estiverem disponíveis, e você só puder ler um livro sobre uma verdade, esse é o início do fascismo.”

Então ela deu uma volta para pensar o que a motivara a escrever em primeiro lugar, numa fala que lembrou um discurso também frequente na voz de Toni Morrison.

“Minha primeira memória de escrever é a sensação de poder que a escrita podia me propiciar”, contou. Mas teve que ler “tanta coisa chata” na escola e na universidade que a mágica foi se apagando.

Ao se perguntar qual era o problema, notou que seus pais, sua família e sua comunidade “não estavam representados no que eu lia nem no que me pediam para escrever”.

Ao mesmo tempo, os movimentos feminista, “black power” e antiguerra estavam se fortalecendo naquele momento, na década de 1970, mas Hill Collins percebeu que “eles não estavam conversando”. “Entendi que, para que eu lesse os livros que queria ler, eu teria que escrever eu mesma.”

Foi a isso que dedicou sua carreira, desde a estreia com “Pensamento Feminista Negro” até as obras subsequentes que consolidaram seu conceito de interseccionalidade -que vê causas como antirracismo, feminismo e decolonialismo como fundamentalmente imbricadas.

“Comecei a lutar com os grandes homens brancos que controlavam a teoria dos outros, os pensadores ocidentais seletos que líamos de forma estreita. Eu não queria argumentar com eles, queria pegar o melhor que fizeram e dizer ‘é limitado, é muito bom até certo ponto, mas é uma perspectiva parcial’.”

Sua defesa, diz, sempre foi a de alcançar um pensamento crítico livre. “Não importa onde você esteja, não importa se é pobre, se sua mente é livre, se é capaz de pensar por você mesma e fazer a pesquisa, você tem o mundo.”

Nessa mesma toada, ao responder uma pergunta no final da fala, ela exortou a importância de pensar por si mesma e não incorporar ideias prontas de bate-pronto -a não aceitar como dogmas nem o que diz seu pastor, nem Karl Marx, nem ela mesma. “Foi algo que aprendi com autores como Paulo Freire.”

A mesa foi interrompida por problemas de tradução que no início irritaram e depois até divertiram a plateia.

Em uma decisão inusitada, a voz que saía dos alto-falantes na tenda não era de Hill Collins, mas de sua tradutora, e quem quisesse ouvir a palestra no original em inglês tinha que usar fones.

A autora se atrapalhou e levou um tempinho para se acostumar. E se divertiu muito quando a tradutora foi substituída por um tradutor homem, e a grande voz em defesa do feminismo negro saiu em cordas vocais masculinas. A plateia caiu em risadas meio nervosas.

WALTER PORTO / Folhapress

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