RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – A Justiça Federal em Campos dos Goytacazes (RJ) condenou o ex-delegado do Dops (Departamento de Ordem Política e Social) do Espírito Santo Cláudio Antônio Guerra a sete anos de prisão em regime semiaberto, além de multa de R$ 10 mil, pelo crime de ocultação de cadáveres no período da ditadura.
A decisão é de quinta-feira (8), e Guerra poderá recorrer em liberdade.
Em 2014, o ex-delegado disse à CNV (Comissão Nacional da Verdade) ter recolhido os corpos de 12 militantes políticos. Os cadáveres foram retirados de centros de tortura, como a Casa da Morte, em Petrópolis (RJ), e do DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna), e incinerados em fornos de uma usina de cana-de-açúcar em Campos dos Goytacazes, a 380 km do Rio de Janeiro.
A reportagem não conseguiu contato com Guerra. Em entrevista à Folha de S.Paulo em 2019, ele afirmou que fez “algumas coisas que não foram boas”.
“Vi quando me chamam de assassino. Destilam ódio e, enquanto for assim, o objetivo de termos uma nova sociedade em que se perdoa os erros que foram cometidos… Teve vítimas fatais dos dois lados”, disse à época.
A decisão da juíza federal Maria Isadora Tiveron Frizão, titular da 2ª Vara da Justiça Federal em Campos dos Goytacazes, ocorreu após denúncia movida pelo Ministério Público Federal do Rio de Janeiro, em 2019, contra o ex-delegado.
Os crimes associados a Guerra foram baseados em seus próprios relatos no livro autobiográfico “Memórias de Uma Guerra Suja” (2012) e em depoimentos à Comissão Nacional da Verdade, em 2014. Ele também foi tema de um documentário de 2017.
Responsável pela denúncia apresentada à Justiça Federal, o procurador da República Guilherme Garcia Virgílio, comemorou a sentença.
“O comportamento do réu se desviou da legalidade, afastando princípios que devem nortear o exercício da função pública por qualquer agente do Estado, sobretudo daquele no exercício de cargos em forças de segurança pública, a que se impõe o dever de proteção a direitos e garantias constitucionais da população.”
A juíza aceitou os argumentos apresentados pela Procuradoria de que as leis de anistia vigentes seriam inaplicáveis ao caso de Guerra, porque a ocultação dos cadáveres são crimes sem solução, de natureza permanente e que, portanto, se estenderam além do período delimitado pela anistia –entre 1961 e 1979.
Os 12 militantes estão na lista de 136 pessoas consideradas desaparecidas pelo relatório final da CNV.
“Em realidade, Cláudio Guerra, como agente do próprio Estado, planejou, organizou, conduziu e executou as ações delitivas, inclusive cooptando terceiros para concretizar sua estratégia, o que denota, assim, que integrava ele níveis superiores no âmbito da organização, a atrair mais elevado grau de responsabilização”, escreveu a magistrada na decisão.
O Ministério Público Federal do Rio de Janeiro afirmou que a condenação “é um avanço na busca pela verdade e pela responsabilização dos envolvidos nos crimes cometidos durante a ditadura militar no Brasil”.
“O MPF reafirma seu compromisso em investigar e denunciar casos de violações de direitos humanos ocorridos durante esse período obscuro da história do país. A sociedade brasileira tem o direito de conhecer a verdade sobre o que aconteceu durante a ditadura militar e ver os responsáveis pelos crimes cometidos na época sendo punidos”.
Cláudio Guerra já recebeu duas outras condenações da Justiça. Na primeira, o ex-delegado foi réu por cometer um atentado contra um bicheiro. Depois, foi condenado pela morte da esposa e da cunhada, em 1980. Elas foram encontradas mortas em um lixão com 19 e 11 tiros, respectivamente. Guerra nega a autoria dos dois crimes pelos quais fora preso anteriormente.
YURI EIRAS / Folhapress