Israel aposta em startups para combater crise climática

SÃO CARLOS, SP (FOLHAPRESS) – O principal centro de pesquisa de Israel vai dedicar boa parte de seus esforços, nos próximos dez anos, a desenvolver novas tecnologias que possam ser aplicadas rapidamente para enfrentar a crise climática. A aposta do Instituto Weizmann de Ciências, cujos pesquisadores já conquistaram seis prêmios Nobel até hoje, é transferir suas descobertas para startups que consigam transformá-las em produtos logo em seguida.

Um dos líderes da iniciativa é o biofísico Ron Milo, diretor do recém-criado IES (Instituto de Sustentabilidade Ambiental, na sigla inglesa) do Weizmann.

Em visita recente ao Brasil, Milo disse à Folha de S.Paulo que não vê contradição entre a proposta do instituto e a ideia de que tecnologias para enfrentar a emergência do clima e outros problemas ambientais com eficácia já existem, mas não são aplicadas na escala necessária por razões políticas e econômicas.

“Eu diria que, nessa discussão, nós não deveríamos cair na armadilha de pensar apenas em termos de preto e branco, de escolher uma coisa ou outra. É verdade que temos muitos caminhos para soluções que exigem mais vontade política. Outros necessitam de mudanças comportamentais e outros, por fim, só exigem uma adoção e uma aceitação mais amplas”, pondera ele.

“Mas também é verdade que soluções melhores, a partir de descobertas revolucionárias, vão ajudar no que diz respeito a decisões econômicas e a alinhar os interesses de todos os envolvidos. Então, precisamos das duas coisas.”

O plano é que o IES atue em pesquisa básica e inovação tecnológica em sete frentes: energia renovável, segurança alimentar, materiais verdes, mudança climática global, ambiente e saúde, pesquisa marinha e biodiversidade.

Milo tem um pé em mais de uma dessas canoas, por assim dizer. Ele e seus colaboradores foram responsáveis por demonstrar, por exemplo, que a massa dos materiais produzidos artificialmente pela humanidade ao longo de sua história já superou a massa de todos os seres vivos da Terra (incluindo os seres humanos, suas plantações e seus animais domésticos).

Ao mesmo tempo, a equipe liderada por ele tem investigado aspectos fundamentais do metabolismo do carbono nas células vegetais.

Dito desse jeito, não parece muito emocionante, mas a maneira como o organismo das plantas lida com o carbono é a pedra fundamental da fotossíntese —o processo do qual quase todos os seres vivos da Terra dependem, direta ou indiretamente, para obter energia e construir seus corpos.

Compreender melhor a fotossíntese pode ser a chave para criar lavouras mais produtivas e plantas capazes de retirar mais CO2 (gás carbônico ou dióxido de carbono) da atmosfera, minimizando assim o aquecimento global causado pelo gás.

“Uma das coisas que nos intriga é saber quais são os limites da produtividade primária [a capacidade de produzir biomassa pela fotossíntese] das plantas”, conta ele.

“Parece que, pelo que indicam nossas análises e a de outros grupos mundo afora, ainda não atingimos esse limiar. Há vários tipos de esforços sobre a possibilidade de estocar mais carbono nas raízes das plantas conforme elas crescem, por exemplo.”

Outra abordagem é o estudo detalhado da enzima (molécula aceleradora de reações bioquímicas) designada pela sigla Rubisco. “É como se ela fosse uma máquina molecular que está no coração dos processos da fotossíntese que produzem nossa comida, e estamos tentando entender suas propriedades e quão rapidamente ela poderia funcionar.”

Segundo ele, não há razão para restringir esse tipo de abordagem à terra firme. Para Milo, os estudos sobre alimentos de origem microbiana, produzidos a partir de bactérias aquáticas que fazem fotossíntese, também podem ser promissores.

“Algumas estimativas mostram que os recursos necessários em termos de água e outros insumos poderiam ser muito menores do que o que gastamos com lavouras convencionais. Acho que é nossa responsabilidade não deixar de lado esse potencial.”

Aliás, entre as tecnologias contra a crise ambiental que o diretor do IES vê como mais próximas de ganharem escala comercial em breve está a produção de fontes alternativas de proteína com capacidade de alcançar públicos maiores —um ponto-chave, já que a pecuária é uma das grandes fontes de produção de gases-estufa, além de estimular o desmatamento.

“Vai ser uma combinação entre ciência, tecnologia e maneiras de conseguir uma maior aceitação por parte do público”, pondera ele.

Milo também vê avanços importantes nas tecnologias que permitem o armazenamento de energia derivada de fontes renováveis e, o que é igualmente crucial, nas técnicas que permitirão reciclar os componentes de baterias, células de energia e outros aparelhos eletrônicos que serão chave para a transição energética.

Só assim será possível minimizar os impactos ambientais do uso dessas tecnologias inovadoras numa escala muito mais ampla que a atual.

Para o pesquisador do Weizmann, a seriedade da emergência climática atual significa que não se deve descartar totalmente nenhum tipo de abordagem. Isso vale inclusive para a chamada geoengenharia, na qual a ideia seria usar meios tecnológicos para tentar diminuir a temperatura do planeta.

Os riscos dessa estratégia estão ligados a uma alta probabilidade de efeitos não pretendidos, que poderiam alterar, por exemplo, o regime de chuvas em diferentes regiões do globo.

“Infelizmente, no ritmo em que as coisas estão indo, pode ser que fiquemos desesperados para encher soluções. Por isso, creio que é importante fazer pesquisa básica sobre o que esse tipo de abordagem implicaria com muita antecedência. Isso nos ajudaria a compreender claramente tanto os perigos quanto o potencial de algo assim logo, antes que precisemos tomar uma decisão a respeito”, argumenta.

“Decidir que simplesmente não vamos pensar a respeito pode acabar criando um problema ainda maior”, completa.

REINALDO JOSÉ LOPES / Folhapress

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