Ucrânia eleva número global de deslocados à força ao maior da série histórica

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Ao menos desde 1970, nunca antes o número de pessoas deslocadas por guerras, violência ou mudanças climáticas foi tão grande quanto no último ano. Com 108,4 milhões de deslocados, 2022 tomou para si o título de recordista em migrações forçadas no mundo.

Os dados são do Acnur, a agência de refugiados da ONU, que lança nesta quarta-feira (14) seu relatório anual sobre o tema. Ainda que recordes não cheguem a surpreender -ao longo de toda a última década, cifras anuais sempre superaram as anteriores- a situação provocada pela Guerra da Ucrânia preocupa.

A diferença no número de deslocados à força no mundo no final de 2022 em relação ao ano anterior -19 milhões, ou 21%- é a maior já registrada. E foi diretamente guiada pela situação na Ucrânia, que criou a mais acelerada crise migratória desde a Segunda Guerra Mundial.

Eram, afinal, 5,7 milhões de ucranianos refugiados ao final do ano passado. Esse número, alcançado em apenas um ano na Ucrânia, levou quatro anos para ser alcançado na Síria, em guerra civil há mais de dez anos e origem de um dos principais fluxos de refugiados do mundo.

As perspectivas para 2023 também preocupam. Até o mês de maio, a soma de deslocados no mundo já ultrapassava 110 milhões, mostra o relatório. É como se metade da população do Brasil vivesse em outro país ou em outra região devido a guerras, violência ou perseguição.

Em parte, as cifras deste ano serão guiadas pelo conflito que, desde abril, desenrola-se no Sudão e beira uma guerra civil. A disputa entre facções militares, no poder desde que um golpe de destituiu a liderança civil em 2021, força o deslocamento de locais e de refugiados do vizinho Sudão do Sul que vivem ali.

O volume de deslocados à força no mundo inclui diversas categorias. Estão no grupo os refugiados, que aumentaram 35% em relação ao ano anterior puxados por ucranianos e por afegãos que fogem do regime do Talibã; os deslocados internos, forçados a migrar dentro de suas próprias nações, em especial Colômbia e Síria, e os solicitantes de asilo -aqueles que estão buscando proteção internacional.

Os números do Acnur mostram que somente em 2022 foram feitos 2,9 milhões de novas solicitações de asilo no mundo -aumento de 68% em relação a 2021 e de 30% em relação a 2019, ano ainda não impactado pela pandemia de Covid. Trata-se da maior cifra já registrada.

Durante entrevista coletiva sobre o relatório, realizada nesta terça-feira (13) em São Paulo, Davide Torzilli, representante do Acnur no Brasil, chamou atenção para o fato de que 2 em cada 5 novos pedidos de asilo registrados no mundo são de cidadãos de países da América Latina e do Caribe.

O fluxo regional é puxado por seis países, alguns dos quais vivem graves crises sociais e econômicas: Venezuela (264 mil novos pedidos de asilo em 2022), Cuba (194,7 mil), Nicarágua (165,8 mil), Colômbia (90,5 mil), Honduras (79,7 mil) e Haiti (73,5 mil).

“A integração local é uma peça-chave para garantir autonomia e direitos daqueles que querem ou precisam se deslocar”, disse o italiano, que assumiu o posto no início deste ano. Ele chamou a atenção para o perfil migratório nas Américas, que envolve múltiplas migrações de um mesmo deslocado, e pediu uma resposta coordenada dos países para possibilitar que migrantes não tenham de se deslocar tanto.

Questionada, a presidente do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), Sheila de Carvalho, disse que a resposta regional conjunta para o tema precisa ser aprimorada. “E o Brasil pode e deve puxar essa iniciativa com mais afinco.”

“Quando falamos de refugiados, estamos falando de histórias de vida que podem contribuir para a formação do Brasil; quando não garantimos sua inserção socioeconômica, estamos limitando nosso próprio crescimento enquanto nação”, seguiu.

O relatório do Acnur destaca ainda outras frentes de impacto do deslocamento forçado. Os dados mostram, por exemplo, que há uma consequência direta para a infância e a juventude: menores de idade são 40% dos deslocados à força, ainda que sejam apenas 30% da população global.

MAYARA PAIXÃO / Folhapress

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