Americanas diz que rombo contábil é de R$ 25 bi; entenda as fraudes

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – As fraudes contábeis supostamente cometidas pela antiga diretoria da Americanas inflaram os resultados da empresa em R$ 25,3 bilhões –esse foi o lucro fictício acumulado ao longo dos últimos anos (a empresa não informou ainda quantos anos), uma cifra que representa o tamanho do rombo contábil, conforme comunicado divulgado nesta quarta-feira (14) pela companhia.

Em fato relevante divulgado pela companhia na última terça-feira (13), a varejista relaciona fraudes nos valores de R$ 21,7 bilhões, R$ 18,4 bilhões, R$ 2,2 bilhões e R$ 3,6 bilhões. Os artifícios foram criados para dar uma aparência saudável aos números da varejista fundada em 1929 em Niterói (RJ) por imigrantes americanos e passada, no início dos anos 1980, ao comando dos bilionários Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira.

Com dificuldades criadas pela alta dos juros, as fraudes contábeis eram uma forma de manter portas abertas para novas linhas de financiamento junto a bancos e governo.

A opção da antiga diretoria, segundo relatório preparado pelos novos executivos, foi mexer na contabilidade –setor responsável por receber, classificar, registrar e interpretar toda a documentação relativa às movimentações econômico-financeiras da empresa, a fim de apurar seus bens, direitos, obrigações, lucros ou prejuízos.

Entenda como funcionavam as fraudes.

**COMO FUNCIONA A CONTABILIDADE?**

Na contabilidade “tradicional” existem duas colunas principais: os ativos (tudo que a empresa tem a seu favor, como imóveis, bens, contas a receber etc.) e os passivos (tudo que a empresa tem como obrigações, ou seja, dívidas, pagamento de tributos, salários etc.).

São esses números que os analistas olham para avaliar a saúde das contas da empresa, seja para investir nela, seja para conceder crédito.

Ao fraudar seu balanço, uma companhia pode parecer falsamente saudável, para investidores, ou com mais capacidade de pagamento, para eventuais credores.

O principal indicador observado é o lucro líquido: o que sobra da receita, depois do pagamento das despesas fixas (como aluguel, folha de pagamento, água e luz) e variáveis (comissões ou impostos sobre vendas, por exemplo).

**EM QUE PARTE DO BALANÇO FORAM AS SUPOSTAS FRAUDES DA AMERICANAS?**

Nesta terça-feira (13), a empresa afirmou que, na coluna passivos, a contabilização de obrigações com fornecedores foi fraudada a partir da criação de créditos fictícios (através de “Contratos de Verba Cooperada –VCP”), que reduziam apenas do ponto de vista contábil os valores que a varejista precisava pagar a essas empresas.

Ao mesmo tempo, a Americanas tratou de forma não usual as operações de risco sacado, chamadas também de “adiantamento a fornecedores” ou “forfait”. Por meio delas, um banco antecipa ao fornecedor o valor que a varejista deveria pagar e se torna o credor da loja, cobrando um juro por isso.

Segundo analistas, a fraude foi se tornando necessária porque a Americanas começou a precisar de um volume cada vez maior desse tipo de financiamento.

**POR QUE A AMERICANAS PRECISOU RECORRER CADA VEZ MAIS A OPERAÇÕES DE RISCO SACADO?**

Segundo André Pimentel, sócio da consultoria Performa Partners, à medida que as vendas da varejista cresciam, ela precisava cada vez mais de capital de giro. No entanto, suas operações não geravam caixa. A solução encontrada foi o risco sacado, porque com isso a Americanas alongava seus prazos de pagamento —ao negociar com os bancos um período maior para devolver a eles o dinheiro que haviam antecipado aos fornecedores.

Funciona assim: o varejo compra um produto por R$ 10, por exemplo, dentro de um prazo negociado com o fornecedor. Mas o fornecedor quer antecipar o pagamento e negocia com o banco, recebendo R$ 9 pela mercadoria. Na outra ponta, o banco alonga o prazo para receber do varejo.

“Se o varejista ficou de pagar os R$ 10 ao fornecedor em 60 ou 90 dias, ele pede ao banco 120 ou 150 dias, o que lhe dá folga no capital de giro, é um fôlego financeiro”, afirma o consultor Alberto Serrentino, da Varese Retail. “Para isso, claro, o banco vai cobrar R$ 11, por exemplo”.

**QUAL A SUPOSTA FRAUDE CONTÁBIL ENVOLVENDO O RISCO SACADO?**

Essas operações de risco sacado, em que a empresa deixa de dever o pagamento ao fornecedor e passa a dever ao banco, implicam mudanças nos registros contábeis. Quando a varejista deve ao fornecedor, essa dívida fica na coluna de contas a pagar, segundo André Pimentel.

Mas, se o banco antecipa e quita o valor com o fornecedor —e a Americanas assume com o banco a responsabilidade de devolver o dinheiro a ele— isso passa a ser uma dívida financeira.

Do ponto de vista contábil, seria uma dívida de curto prazo, por ser inferior a 12 meses, e iria para o passivo circulante, diz Pimentel. O passivo circulante engloba todas as dívidas e obrigações da empresa com vencimento menor que um ano.

Mas quando a Americanas fazia esta operação, em vez de transferir o montante da coluna “contas a pagar” para a de “dívida financeira”, a empresa deixava o valor na coluna “contas a pagar”, até a data de quitar o valor com o banco. Quando a empresa finalmente pagava ao banco a taxa pela operação do risco sacado, parecia que ela estava, na verdade, pagando fornecedores, afirma.

DANIELE MADUREIRA / Folhapress

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