SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Fim de ida ao calvário dos maus pagadores”, “reação defasada” e “gols da equipe econômica”. Para analistas consultados pela Folha de S.Paulo, a revisão para “positiva” da perspectiva do Brasil pela agência de classificação de risco S&P Global Rating na quarta-feira (14) deve ser vista como um bom sinal.
Eles ponderam, no entanto, que o Banco Central deveria sinalizar o início de redução dos juros para manter boas projeções de crescimento e que o governo precisa ainda entregar resultados fiscais concretos, caso o país queira seguir na trajetória de recuperar o grau de investimento.
A revisão da perspectiva da nota do Brasil foi comemorada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que atribuiu o resultado a medidas tomadas pela pasta e pelos demais Poderes -acrescentando que “faltava o Banco Central” contribuir para a queda dos juros básicos (hoje em 13,75%).
Sinais de maior crescimento e estabilidade na condução da política fiscal e monetária são fatores apontados pela S&P. O secretário do Tesouro, Rogério Ceron, afirmou que o país poderá recuperar o grau de investimento em 2026.
Para Luiz Carlos Mendonça de Barros, a questão mais importante da revisão feita pela agência de risco é que ela marca uma mudança significativa para a classificação dos títulos brasileiros.
“Marca o fim de uma ida ao ‘calvário dos maus pagadores’, que se iniciou com a profunda crise gerada por erros de política econômica cometidos ainda no segundo mandato do presidente Lula [2007-2010].”
Mendonça de Barros, que também já foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações, avalia que o clima em relação ao desempenho da economia mudou positivamente, mas com ponderações.
“Mudou, na questão da credibilidade do governo, mas não na questão de crescimento como mostrou hoje [quinta, 15], de maneira muito clara, o crescimento de setor de serviços anunciado pelo IBGE.”
Segundo o gerente da PMS (Pesquisa Mensal de Serviços), do IBGE, Rodrigo Lobo, os serviços prestados às famílias atingiram um aparente teto e não avançam.
O professor da UnB (Universidade de Brasília) José Luis Oreiro considera que as agências reagem de maneira defasada em comparação ao mercado. Ao se considerar o prêmio de risco, que caiu nos últimos meses, não há razão para desconfiar da capacidade de o país pagar seus compromissos externos, diz.
“Durante a transição para o governo Lula, os economistas liberais diziam que o Brasil ia entrar em um buraco negro e isso não aconteceu. O que prova é que o diagnóstico feito por eles, que controlaram a política econômica desde o impeachment da [ex-presidente] Dilma Rousseff, vem de uma teoria errada.”
Ele também avalia que a volta do Brasil ao grau de investimento pode não ser tão relevante quanto pode parecer em um primeiro momento, podendo apreciar o câmbio e trazer um excedente de capital especulativo ao país.
“Para manter o clima otimista, é preciso que o Banco Central ao menos sinalize que vai iniciar o ciclo de redução dos juros e que não ocorra alguma mudança drástica na economia internacional. Isso pode começar a gerar um clima de conforto e aumento da popularidade que vai destravar ações no Congresso e reduzir o poder de barganha do centrão.”
Já o economista-chefe da Warren Rena, Felipe Salto, avalia que a notícia é positiva e confirma a visão de que o lado fiscal estaria sendo bem cuidado por Haddad.
“O arcabouço não é a ‘última bolacha do pacote’, mas nasceu em boas bases, com uma regra de gastos e compromisso com superávit primário a médio prazo. Isso é bom e a S&P está reconhecendo.”
Salto pondera que a volta do Brasil ao grau de investimento depende da recuperação da economia, da retomada dos acordos comerciais, do controle da inflação e da redução do juro real -que poderá estimular investimentos- criam ambiente propício para um ciclo positivo.
“A gestão fiscal é o grande desafio. Após aprovar o arcabouço fiscal, não custa lembrar, ele terá de ser observado, e os gastos precisarão ser controlados. Não tem mágica. O desafio, no fundo, é ter uma política econômica equilibrada.”
Salto, que já foi secretário de Fazenda do Estado de São Paulo e diretor-executivo da IFI (Instituição Fiscal Independente) do Senado, acrescenta que a virada de vento na economia, para uma perspectiva mais otimista, é embasada.
“Há motivos para otimismo, porque a economia está numa boa trajetória. Com o fiscal equilibrado, os juros vão diminuir bastante, motivando o investimento. Caberá ao Estado reorganizar os gastos públicos. A Fazenda, sem dúvida, se destaca neste momento como uma área que está conseguindo marcar gols. O mercado vê isso e o resto do mundo também.”
Economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale também vê como positiva a mudança de viés da agência de risco, que ele classifica como fruto de uma trajetória “minimamente equilibrada” nos últimos meses, após um começo “tortuoso”.
“Houve entendimento da importância da questão fiscal, em que pese ela estar longe de ser solucionada. Há uma ideia de que Haddad conseguiu se desvencilhar do mau sinal que deu no começo do ano”, diz.
Vale não vê riscos na questão da meta de inflação ou algum obstáculo para a reforma tributária. “Isso não significa que tudo esteja certo. O governo precisa ainda entregar resultados fiscais concretos nos próximos anos e precisamos acompanhar como será o Banco Central após as mudanças que serão feitas.”
Ele também diz acreditar que a volta do país ao grau de investimento deverá acontecer apenas em um outro governo, que faça ajustes que o presidente Lula tende a evitar.
“A ideia da Fazenda de atacar a questão das garantias no crédito é um bom caminho de reforma microeconômica, ainda é um governo em construção e não dá para comparar com o período [do ex-ministro da Fazenda Antonio] Palocci. Vai ter que entregar muito mais para se aproximar daquele momento.”
DOUGLAS GAVRAS / Folhapress