BERLIM, ALEMANHA (FOLHAPRESS) – O rei Nabil Mouhamed Mfonrifoum Mbombo Njoya, monarca do povo Bamum, de Camarões, foi ovacionado por dezenas de camaroneses em Berlim no último domingo (11) ao sentar no trono roubado de seu bisavô –a peça está exposta no Museu Etnológico do Humboldt Forum, na capital alemã.
Njoya visitou o museu em um evento público acompanhado do embaixador de Camarões, Victor Ndocki, de membros do povo Bamum e da direção da instituição, que foi criada em 1873 com o nome Museu Real de Etnologia e reúne diversos artefatos de povos da África, Ásia, Américas e Oceania.
Como parte da visita, um trono contemporâneo do povo Bamum foi trazido até o prédio para que Njoyo se sentasse ao lado do artefato exposto no museu. Mas, ao entrar na sala, o monarca ignorou a peça moderna e sentou-se no trono histórico, roubado de Camarões pelos alemães em 1908.
Bénédicte Savoy, historiadora da arte que presenciou a cena, diz à reportagem que sentiu como se um tornado tivesse passado pela sala. “Nada foi planejado. As pessoas estavam gritando e cantando, gritaram várias vezes o nome do trono, Mandu Yenu. Foi uma cena que não se vê todo dia em um museu, ainda mais um museu alemão. Foi uma experiência que deu vida ao espaço. Nunca vivi algo assim.”
“Foi um choque, um momento cheio de energia, não apenas para o rei mas para as dezenas de pessoas que o acompanhavam. Eu fui tomada pelo momento. Foi muito forte e inesperado”, acrescenta Savoy, que já aconselhou Emmanuel Macron, a devolver artefatos africanos decorrentes do legado colonial francês.
Nabil Njoya é descendente direto do rei Ibrahim Njoya, que reinou sobre o povo Bamum de 1887 a 1933. A sua decisão de se sentar no trono histórico levantou um debate sobre a permanência de artefatos culturais africanos na Alemanha.
“Foi uma imagem política muito forte”, analisa Savoy. A historiadora da Universidade Técnica de Berlim nasceu na França, mora na Alemanha há 30 anos e é autora do livro “A Longa Luta da África por sua Arte: História de uma Derrota Pós-Colonial”.
Em comunicado, a embaixada de Camarões comemorou o gesto do monarca, dizendo que ele se sentou no trono “para a satisfação da comunidade de Bamum e dos camaroneses”.
O trono Mandu Yenu é descrito pelo museu como “o auge da arte do povo Bamum do final do século 19”. Camarões foi invadido e ocupado pelos alemães justamente nessa época e fez parte do Império Alemão de 1884 a 1916. Depois da Primeira Guerra Mundial, foi dividido entre franceses e britânicos, e só conquistou sua independência em 1960 –a reunificação viria 12 anos depois, em 1972.
Um estudo publicano neste mês por uma equipe de pesquisadores africanos e europeus, liderados por Savoy, aponta que a Alemanha é o país com mais artefatos camaroneses em museus públicos do mundo: são mais de 40 mil peças. O time de 14 especialistas trabalhou por dois anos e meio no levantamento, publicado em conjunto pela Universidade Técnica de Berlim e a Universidade de Dschang, em Camarões.
“O trono é apenas uma dessas 40 mil peças”, diz a historiadora, ponderando que a contagem pode estar subnotificada, uma vez que muitos artefatos foram destruídos durante o transporte ou na Segunda Guerra Mundial. “Nós também conseguimos determinar em quais condições os objetos foram trazidos para a Alemanha” –ou seja, roubados, não vendidos ou doados aos alemães, como afirmam alguns museus.
Na página que descreve o trono Mandu Yenu, por exemplo, o Museu Etnológico de Berlim diz que ele foi “presenteado” pelo rei Ibrahim Njoya ao Kaiser Wilhelm 2º na ocasião do aniversário do imperador alemão em 1908.
“O museu tentou adquirir o trono desde 1905. Depois de uma campanha militar conjunta entre o povo Bamum e tropas alemãs contra o reino vizinho Nso, o rei Njoya se mostrou disposto a abrir mão do trono. Em 1908, ele o deu de presente para o Kaiser Wilhelm 2º, e então mandou construir um novo para si, que se encontra ainda hoje na coleção real de Bamum”, diz o texto do museu alemão.
Para Savoy, no entanto, “é preciso usar a palavra ‘presente’ entre aspas, uma vez que se trata de algo supostamente presenteado no período colonial, um período de ocupação”.
O estudo, publicado com o nome “Atlas da Ausência: o patrimônio cultural do Camarões na Alemanha”, chega a uma conclusão simples, explica Savoy. “Somos a favor da restituição incondicional de todas as peças que as comunidades queiram de volta.”
Savoy, junto com o pesquisador senegalês Felwine Sarr, foi conselheira de Macron sobre devoluções de obras africanas em posse da França. Ela diz que a relação da Alemanha com o seu passado colonial é muito recente. “Apenas 5 anos atrás a questão do colonialismo na Alemanha era invisível, inexistente. O império alemão era minimizado, já que terminou muito tempo antes de outros. Agora as coisas estão mudando, e bastante rápido.”
Savoy pondera que a experiência alemã com a Segunda Guerra Mundial e o Holocausto pode ter a ver com isso. “Os alemães têm as ferramentas para lidar com períodos difíceis de sua história. Mas talvez isso ainda seja superficial quando se fala de racismo estrutural, porque pouquíssimos curadores de museus na Alemanha são negros, e poucos professores universitários vêm de fora da Europa.”
Em novembro de 2022, outro monarca do Camarões, o rei Sehm Mbinglo 1º, dos Nso, visitou a Alemanha e pediu a devolução de artefatos do seu povo. Na ocasião, o rei disse que os objetos não são obras de arte para serem expostas em museus, e sim artefatos com profundo significado espiritual e tradicional para o seu povo.
Já em dezembro do ano passado, a Alemanha devolveu mais de 20 objetos à Nigéria que foram retirados do país africano durante o período da colonização britânica e posteriormente colocados em museus da Europa e Estados Unidos.
VICTOR LACOMBE / Folhapress