WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – O Departamento de Polícia de Minneapolis, onde trabalhavam os agentes responsáveis pela morte de George Floyd há três anos, agia com um padrão de discriminação racial e uso excessivo de força letal, afirmou nesta sexta-feira (16) o Departamento de Justiça dos Estados Unidos.
É o que dizem os resultados da investigação iniciada em abril de 2021 pelo governo Joe Biden após as imagens da morte do homem negro sufocado por um policial branco chocarem o mundo e engatilharem protestos e pedidos de reforma policial. A morte de Floyd, asfixiado por nove minutos pelo policial Derek Chauvin no estado americano de Minnesota, desencadeou manifestações em massa contra o racismo, que tiveram como lema as últimas palavras da vítima: “Não consigo respirar.”
Com base na análise de câmeras corporais, relatórios de incidentes e entrevistas, o Departamento de Justiça concluiu que a polícia de Minneapolis tinha como padrão a violação de direitos constitucionais e discriminação racial, o que tornou a morte de Floyd possível.
De acordo com o órgão, por anos a polícia “usou técnicas e armas perigosas contra pessoas que cometeram no máximo um pequeno delito e às vezes nenhum delito” e os agentes “usavam a força para punir quem os irritava ou criticava” o órgão. A investigação aponta ainda que a polícia “patrulhava bairros de maneira diferente com base em sua composição racial e discriminava com base na raça ao revistar, algemar ou usar força contra as pessoas durante as paradas”.
Também não havia preparo para atender a pessoas em crise mental, o que provocava “uma resposta inapropriada ou desnecessária, às vezes com resultados tráficos”, colocando “agentes e a comunidade de Minneapolis em risco.”
O Departamento de Direitos Humanos de Minnesota há havia concluído em relatório anterior que a polícia de Minneapolis agia “com um padrão de discriminação racial”, e por isso processava a cidade cobrando uma reforma. Em março, a prefeitura chegou a um acordo com o estado, que inclui mudanças nos manuais de abordagem de pessoas em crises mentais ou de comportamento, empregando estratégias de distensionamento de crises. Também há medidas mais pontuais, como a proibição de abordar motoristas por problemas mecânicos simples, como farol quebrado, ou fazer uma revista em alguém apenas por terem sentido cheiro de maconha. Após a morte de Floyd, o departamento de polícia já havia proibido o enforcamento em abordagens.
Do assassinato em Minneapolis até o ano passado, ao menos 25 estados e a capital, Washington, também haviam proibido técnicas de enforcamento, e 20 unidades da federação aplicaram normas restringindo o uso da força, segundo a Conferência Nacional dos Legislativos Estaduais (NSCL).
A reforma policial foi um dos principais apelos dos manifestantes após o assassinato, mas não houve grande transformação na estrutura e na responsabilização das polícias no país, excluindo avanços pontuais em alguns estados. Episódios de violência continuam frequentes no país, como a morte neste ano de Tyre Nichols pela polícia de Memphis, no Tennessee, após uma abordagem de trânsito.
Em 2021, em seu primeiro ano de governo, Biden tentou aprovar a “Lei George Floyd por justiça no policiamento”, que permitiria que o Departamento de Justiça convocasse polícias locais para prestar esclarecimentos, criaria um registro nacional de ações disciplinares contra agentes, exigiria o uso de câmeras de segurança nos uniformes dos agentes e em viaturas e proibiria o uso de técnicas de estrangulamento, entre uma série de outros pontos.
O projeto foi aprovado na Câmara, mas barrado no Senado, Casa na qual Biden tinha maioria apertada (apenas o voto de desempate). O presidente tentou retomar a pauta outras vezes, inclusive após a morte de Nichols, neste ano, quando pediu a aprovação no discurso do Estado da União ao Congresso, mas ficou ainda mais difícil agora que não tem o controle da Câmara.
O pacote de resgate econômico de US$ 1,9 trilhão que Biden aprovou em 2021 incluía US$ 1,2 bilhão para unidades de polícia que trabalham com intervenções em crises de saúde mental. No ano passado, a “lei de treinamento de desescalada na aplicação da lei”, bipartidária, também foi aprovada, prevendo US$ 124 milhões para financiar o treinamento de abordagens mais humanizadas em quatro anos.
É uma estratégia quase oposta à pauta de retirar a verba das polícias, que manifestantes de esquerda encamparam nos protestos que se seguiram à morte de Floyd, mas que tem pouco apoio entre a população. Pesquisa de 2021 do Pew Research Center apontou que só 15% dos americanos defendem diminuir o financiamento das polícias, enquanto 47% defendem aumentá-lo.
Apesar disso, a maioria expressiva dos americanos afirma que é preciso haver uma transformação no policiamento, segundo pesquisa do instituto Gallup do ano passado. Ao todo, 89% defenderam mudanças, dos quais 50% advogaram alterações profundas na forma como a polícia age. Entre as pautas com mais apoio estão a exigência de que os agentes tenham boas relações com a comunidade (95%), punições a abuso de poder (91%) e uso excessivo da força (81%) e promoção de abordagens menos violentas (78%).
O governo americano não tem uma contagem nacional de quantas pessoas a polícia mata por ano, e esse levantamento fica a cargo de pesquisadores independentes, em meio ao complexo e descentralizado sistema de aplicação da lei no país -há cerca de 18 mil instâncias policiais diferentes e independentes umas das outras, em um sistema que inclui do FBI a xerifes de condados, departamentos subordinados a prefeitos e unidades que atuam em escolas ou universidades.
De acordo com o portal Mapping Police Violence, da ONG Campaign Zero, que milita pela reforma da polícia, houve 1.238 mortes provocadas pela polícia em 2022 nos EUA, maior número desde o começo do monitoramento, em 2013. De janeiro a 31 de março deste ano, foram 301 mortes. Segundo o levantamento, considerando as proporções e a parcela da população que representam, uma pessoa negra tem 2,9 vezes mais chance de ser morta pela polícia do que uma pessoa branca. No Brasil, a polícia matou 6.145 pessoas em 2021, dado mais atualizado do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
THIAGO AMÂNCIO / Folhapress