SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O corpo trêmulo e a voz baixa, quase em tom de sussurro, eram a demonstração que Fabiano dos Santos Silva, 39, não estava se sentido bem. Desempregado, ele estava no início da madrugada deste sábado (17) sob a marquise da praça do Patriarca, a poucos passos da sede da prefeitura, no centro de São Paulo.
Ao ser abordado pela Folha, Silva relatou em poucas palavras a dificuldade que enfrentava para conseguir ir para um dos centros de acolhida.
Naquele instante, o termômetro marcava 11°C, com a sensação térmica na região em 9°C. Vestindo uma camiseta de manga longa, uma bermuda jeans e um par de meias, Silva tentava se aquecer andando de um lado para o outro, ou deitado no chão com algumas cobertas.
Na rua há dois anos, após brigas com familiares, ele disse sofrer com ocorrências de epilepsia e, naquele momento, estava sem seus medicamentos.
Indagado pela reportagem se aceitaria ir para um albergue, o homem respondeu rapidamente que sim. Ele relatou ter procurado, por volta das 21h, uma das equipes de assistentes sociais que permanecem na praça. Seu pedido era para ser encaminhado para um albergue, mas diz ter recebido como resposta que não haveria vagas naquele momento.
Ele afirmou à Folha ter visto quando uma van deixou o local com outros sem-teto dentro.
Depois de ouvir Silva, a equipe de reportagem seguiu até um dos assistentes da gestão Ricardo Nunes (MDB) e explicou a situação do homem que tremia de frio. Dois funcionários se dirigiram a ele e pediram seus dados. Em menos de cinco minutos, houve a oferta de vaga em Ermelino Matarazzo, na zona leste de São Paulo, a mais de 20 km da praça do Patriarca.
Os funcionários fizeram, então, uma nova tentativa e conseguiram pernoite para Silva em um abrigo no bairro do Canindé, na região central, a cerca de 3 km da praça. “Não vou ficar nessa ‘friaca'”, afirmou, assim que soube da permissão para dormir em um local fechado.
Além de Silva, aproximadamente mais 30 pessoas estavam deitadas na praça que fica de frente para a sede do Executivo paulistano, no viaduto do Chá.
Quando Silva se preparava para entrar na van que o levaria até o centro de acolhida, outros dois homens chegaram de pontos distintos. Ambos se queixavam da baixa temperatura e pediram ao casal de assistentes sociais que arrumassem uma vaga para eles.
“Estou com fome e com frio”, disse Leandro Azevedo Elias, 42. Na rua há sete anos, ele, que vestia camiseta, bermuda, meia e tênis e se protegia com um fino cobertor, disse que estava na Luz, quando resolveu procurar por ajuda e caminhou até a praça do Patriarca.
Elias ainda passava seus dados para a equipe quando Deivisom Lima dos Santos, 35, chegou. Comendo um pão seco, o homem contou para a reportagem ter caminhado desde a praça da República para busca auxílio. A dupla também foi direcionada para um abrigo no Canindé, entrando na mesma van de Silva.
Ao menos dois casais, porém, ainda aguardavam vagas para passar uma noite mais quente. Como eles tinham cães e não queriam se separar, o atendimento é mais difícil, segundo eles.
O polidor desempregado Fernando Cesar Ferreira, 55, e sua mulher, Natalia Campos do Prado, 23, estavam deitados e enrolados em 11 cobertores. A tática tem a função de minar a friagem que vem do chão. O casal ainda dava guarida para um cão de estimação, que aproveitou o momento mais quente para tirar um cochilo. Ferreira disse que sua companheira tem deficiência intelectual e que tentam há mais de dois anos obter benefício assistencial, mas sem sucesso.
Ele afirmou que ambos se conheceram em um albergue há cerca de cinco anos, porém não pretendem tornar a morar em um. “No albergue, eu me sinto preso. São várias regras que não existem, que os funcionários inventam no momento.”
No entanto, diante do frio que fazia, Ferreira disse que aceitaria ir para o abrigo caso conseguisse uma unidade em que poderia ingressar com a mulher e o cachorro.
Fora do centro, o frio também atingia famílias que vivem nas ruas. Na avenida dos Bandeirantes, na zona sul, pai, mãe e duas crianças se abrigavam junto de outras pessoas sob o viaduto Santo Amaro.
A forma principal para se aquecer foi fazer uma fogueira, alimentada com restos de madeira, papelão e plástico. As crianças brincavam avessas à situação de vulnerabilidade.
Luiz Fernando Rodrigues de Oliveira da Silva, 25, disse ter perdido o emprego de garçom na pandemia. Casado com Daniela Freitas de Goes, 21, e pai de um casal de filhos de 2 e 5 anos, ele afirmou fazer bicos recolhendo reciclagem e que chega a ganhar R$ 60 por dia, valor insuficiente para pagar um aluguel.
O chefe de família relatou ter problemas em ir para centros de acolhida, já que há dificuldade em conseguir locais para a família continuar reunida. “Aqui é uma família. Um cuida do outro. Enquanto um dorme, o outro acorda”, resumiu Silva.
No mesmo local estava Maria Martins, 64. A mulher, que vive no mesmo espaço com as netas de 10 e 12 anos, conta com doações de alimentos e roupas para sobreviver, já que não é aposentada e não recebe outro tipo de benefícios. Maria explicou evitar os albergues devido ao uso comum do equipamento junto de usuários de drogas e consumidores de bebidas alcoólicas.
“Quando não vai na fogueira, entra na barraca e vai no calor humano”, sobre como se protege do frio.
Indiferente às pessoas e aos carros que passavam no início da madrugada pela avenida Paulista, estava um solitário homem sentando em um ponto de ônibus. O dono de um olhar distante era Rafael Souza, 36. Agarrado a um cobertor, ele disse que, mesmo com frio, preferia seguir na rua. “Hoje é sábado e tem muita música. Música me anima.”
A reportagem ainda passou pela rua Boa Vista, onde pessoas dormiam na calçada do Pateo do Collegio em meios aos ratos, todas elas enroladas em finos cobertores. Em albergues na Mooca e no Belenzinho, na zona leste, não havia pessoas em suas portas.
As tendas abertas de forma emergencial na Mooca e na praça Marechal Deodoro estavam vazias.
PAULO EDUARDO DIAS / Folhapress