SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Dois estudantes do ensino médio, em uma pesquisa que fizeram sobre fake news, constataram que não é nada fácil conferir na internet se uma informação é verdadeira ou falsa. Decidiram, então, buscar uma maneira de ajudar as pessoas a fazer isso e, assim, criaram a Desinfopedia, uma plataforma que reúne checagens de notícias falsas.
O portal utiliza um algoritmo para buscar automaticamente fake news checadas por profissionais que trabalham especificamente para isso, e que são publicadas de forma esparsa, em diferentes portais e redes sociais, com formatos diversos.
As checagens do Fato ou Fake, da Agência Lupa e do Aos Fatos, serviços de mídia para o combate à desinformação, são encontradas pelo algoritmo e organizadas na Desinfopedia.
Com isso, o portal já reúne mais de 1.300 notícias falsas tabeladas e datadas e se apresenta como a maior base de fake news do Brasil. A criação dos estudantes João Pedro Sandre e Pietro Andrade Quinzani, de 17 anos, que estudam no colégio Porto Seguro, de São Paulo, ficou em 1º lugar na categoria de ciências sociais da Febrace, a Feira Brasileira de Ciências e Engenharia, realizada naUSP ( Universidade de São Paulo).
A pesquisa começou há dois anos, quando eles fizeram um trabalho sobre o ceticismo em relação à vacina da Covid-19 no Brasil. Em 2022, esse projeto ficou em 2º lugar na categoria de ciências sociais da Febrace e em 4º na Isef, a maior feira internacional de pesquisas científicas da educação básica, realizada nos Estados Unidos.
Na sequência, os dois estudantes passaram a investigar as fake news no Brasil. Queriam entender quais eram os principais temas da desinformação e, então, se depararam com a dificuldade de encontrar as checagens confiáveis. Perceberam que um agrupamento desse conteúdo seria útil para pesquisadores, além de também possibilitar que o público leigo conferisse as informações mais facilmente.
“As pessoas normalmente recebem fake news pelo celular, e é complicado checar em diferentes páginas e em postagens soltas”, diz João. “Elas podem clicar na página Desinfopedia, que já fez esse trabalho. Para facilitar ainda mais, estamos desenvolvendo também um aplicativo que queremos lançar em breve”, conta.
Os planos de expansão são muitos. “Estamos trabalhando para, um dia, a plataforma ser global, com a organização de conteúdos de serviços estrangeiros de checagem”, afirma Pietro. “E estamos analisando as possibilidades de usar inteligência artificial.”
Com as notícias falsas organizadas, é possível fazer uma análise temática da desinformação. Eles constataram que o tema muda muito, sempre de acordo com as questões que estão em evidência. Da pandemia, as fake news passaram a se concentrar na política brasileira nas eleições do ano passado, lembram os garotos.
“Percebemos uma ampla gama de temas”, diz João. Em uma análise realizada por eles no primeiro semestre de 2022, a política brasileira era o tema de quase 40% das fake news. Outros assuntos frequentes, de acordo com o levantamento dos meninos, foram eleições (8%), coronavírus (13%), guerra na Ucrânia (10%) e celebridades (12%).
“Todo mundo pode ser vítima de fake news”, diz João. “Elas têm um poder enorme e destroem a credibilidade de instituições muito importantes”, analisa. “Com o nosso trabalho, queremos ajudar a defender o estado democrático de direito.”
Pietro completa o raciocínio de forma direta: “Fake news derrubam governos, acabam com vacina. São danos gravíssimos”, afirma. “E todo mundo pode cair, um gari, um pós-doutor. Todos nós precisamos aprender a combater a desinformação.”
Na escola, a pesquisa foi desenvolvida como um projeto interdisciplinar e extracurricular, que envolveu o aprendizado de metodologias científicas. O orientador dos garotos foi o professor Francisco Tupy, que dá aula de letramento digital.
Pietro explica o propósito dessa disciplina, que vem ganhando espaço na educação. “Ela ativa nos alunos uma leitura crítica das mídias”, diz. “Temos que ser treinados a sempre pensar: ‘Será que isso é verdade?’ E saber buscar a melhor informação”, completa. “É algo que deveria ser obrigatório em todas as escolas”, opina.
Os garotos, inclusive, desenvolveram uma cartilha com dicas para reconhecer as fake news, que apontam, por exemplo, que uma boa parte delas têm erros ortográficos.
Eles também estão acompanhando a discussão no Congresso sobre o projeto de lei que aborda esse tema, o já famoso PL das Fake News. E os dois têm uma certa divergência sobre a proposta de que as grandes plataformas digitais sejam responsabilizadas pela disseminação de fake news e de outros conteúdos nocivos.
“Concordo que as big techs têm que ser responsabilizadas, mas a questão é até que ponto”, pondera Pietro. Ele exemplifica: “Até que ponto são responsáveis pelos problemas sociais? Até que ponto conseguem evitar as fake news? Até que ponto os algoritmos podem exercer um controle eficiente sem ferir a liberdade de expressão?”
João entende as ponderações, mas tem uma convicção: “Essas empresas precisam ser responsabilizadas”, diz. “A liberdade de expressão é importante, mas também funciona como máscara para encobrir vários problemas gerados pelas redes sociais.”
LAURA MATTOS / Folhapress