SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) -O Congresso Nacional já teve ao menos 69 PECs (propostas de emenda à Constituição) para tentar alterar as regras de nomeação ao STF (Supremo Tribunal Federal). Para especialistas, a maioria das propostas evidencia disputas políticas sem preocupação com a corte.
A reportagem identificou 40 PECs na Câmara dos Deputados desde 1995 e outras 29 no Senado, desde 1998, para mudar o artigo 101 da Carta. É nesse dispositivo que constam as exigências de idade mínima de 35 e máxima de 70, notório saber jurídico e reputação ilibada.
Ao presidente da República cabe escolher o nome e indicá-lo, e ao Senado, decidir sobre sua aprovação.
Nesta quarta (21), a Casa fará sabatina na Comissão de Constituição e Justiça e, depois, votará sobre o indicado do presidente Lula (PT) para ocupar a vaga de Ricardo Lewandowski. A expectativa é que o advogado Cristiano Zanin seja aprovado com facilidade após passar pela CCJ, basta maioria absoluta dos votos dos senadores (41 dos 81) em plenário para que a nomeação seja ratificada.
Em relação às PECs analisadas no Congresso para alterar as regras de nomeação ao STF, 6 ainda seguem em tramitação, todas em fase inicial.
Entre as propostas da Câmara com esse teor, mapeadas a partir de pesquisa iniciada em Master em Jornalismo de Dados do Insper, há quatro que ainda seguem em andamento, nas quais foram apensadas outras de teor semelhante. Os textos buscam dividir a prerrogativa presidencial pela escolha com o Congresso e outros órgãos, além de estabelecer que os ministros devem vir de carreiras específicas, como a magistratura.
Os dois temas são os mais recorrentes entre todas as propostas já apresentadas, muitas das quais tentam mudar mais de uma regra. A tentativa de alterar a responsabilidade pela indicação é citada em 39 PECs, enquanto regras sobre perfis surgem em outras 38.
No Senado, ainda tramitam duas propostas de 2019, primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro (PL), que foi marcado por ataques a integrantes do STF. Uma tenta criar um mandato de oito anos para a corte e a outra busca dividir a prerrogativa de escolha entre o presidente, Senado e Câmara.
Entre os autores dos textos aparecem políticos de diferentes espectros ideológicos, como o ex-deputado e presidente do PL, Valdemar Costa Neto, o ex-deputado e ministro da Justiça do governo Lula, Flávio Dino, e o ex-senador e ex-presidente Fernando Collor.
O texto de Dino foi apresentado em 2009, no segundo governo Lula, e sugere mandato de 11 anos com quarentena de três anos após deixar a corte. Ele também propôs dividir os Poderes pela indicação e adotar o modelo de listas tríplices. A PEC de autoria do hoje ministro foi apensada a outra de teor semelhante.
Apenas uma proposta para alterar o artigo 101 foi aprovada até hoje. A PEC 32/2021, do então deputado federal Cacá Leão, foi promulgada em 2022, elevando de 65 para 70 anos a idade máxima para indicação.
“É importante observarmos o timing dessas propostas e das discussões públicas sobre o assunto. Vale lembrar que essa PEC foi aprovada na crise pela indicação do Mendonça. Bolsonaro negociou com a base para ampliar as possibilidades no caso do [André] Mendonça ser barrado”, diz a professora de ciência política da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) Marjorie Marona.
À época, o jornal Folha de S.Paulo mostrou que a articulação pela aprovação do texto foi encabeçada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para favorecer nomes cotados, como os dos ex-presidentes do STJ (Superior Tribunal de Justiça) Otávio Noronha e Humberto Martins.
A frequência de apresentação das propostas se intensifica a partir do segundo mandato de Lula, o que a professora da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos) Fabiana Luci de Oliveira atribui à relevância que o Supremo adquire a partir do escândalo do mensalão, revelado em 2005 e julgado a partir de 2012 pela corte.
O auge ocorre no governo de Dilma Rousseff (PT), quando 31 textos são apresentados, a maioria tentando estabelecer o uso de listas para a escolha. Há propostas também para estabelecer prazos para as etapas para substituir um ministro.
Quatro das cinco escolhas de Dilma foram feitas em mais de 90 dias. A mais demorada foi a de Edson Fachin, anunciado em abril de 2015 para a vaga aberta de Joaquim Barbosa, que se aposentou em julho de 2014.
Nos 257 dias em que o STF permaneceu desfalcado, seis propostas foram protocoladas no Senado. Entre os autores estão os deputados Cássio Cunha Lima e Marta Suplicy, que sugerem estabelecer crime de responsabilidade se os prazos propostos não forem seguidos.
No mesmo intervalo o então deputado Eduardo Cunha, que no início de 2015 se tornaria presidente da Câmara e depois figura central no impeachment de Dilma, apresentou uma PEC para ampliar para 15 o número de ministros, dividir o poder de indicação, limitar a idade máxima de ingresso para 55 anos e estabelecer mandatos de oito anos para a corte.
Professor de ciência política da USP, Rogério Arantes lembra que foi em 2015 que o Congresso aprovou uma alteração em outro artigo da Constituição elevando para 75 anos a idade de aposentadoria compulsória de ministros do STF, o que limitaria as escolhas a serem feitas por Dilma.
Conhecida como PEC da bengala, a proposta voltou a ser debatida na Câmara no governo Bolsonaro. Articulados por Lira, deputados buscaram anular a mudança e retomar a regra original de aposentadoria aos 70 anos, em uma tentativa de ampliar o número de indicações a serem feitas pelo então presidente.
Arantes afirma que o STF errou ao não agir para impedir a aprovação do texto, dando ao Congresso uma sinalização ruim de que é possível alterar regras que afetam a corte, o que ele avalia como preocupante.
Para o cientista político Luciano Da Ros, professor da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), a politização sempre será um elemento das escolhas para órgãos que desempenham papel político, como é o caso do Supremo.
Ele considera que elevar a idade mínima de indicação e tentar evitar escolhas extremamente próximas do presidente da vez, caso de Cristiano Zanin, seriam mudanças bem-vindas para preservar a imagem da corte.
Professor da FGV Direito SP e coordenador do grupo de pesquisa Supremo em Pauta, Rubens Glezer diz ser um equívoco a tentativa de tirar o poder de indicação do presidente. Como fragilidades do modelo atual, ele aponta a falta de prazos e da participação da sociedade civil.
Glezer também considera que limitar a indicação a uma carreira seria equivocado.
“Ser ministro do STF não é como ser ministro do STJ ou um juiz de primeira ou segunda instância. O que existe são competências que são importantes para essa função e o debate sobre a trajetória profissional que a pessoa tem que ter fica obscurecido”, diz.
A professora Marjorie Marona (UFMG) afirma que o modelo brasileiro é semelhante ao de outros países da América Latina e não vê necessidade de mudá-lo, acrescentando que “reformas feitas em período de crises não dão bons resultados”.
Para Fabiana Luci (UFSCar), estabelecer regras mais claras de suspeição de ministros já seria uma forma de contribuir com o Supremo sem alterar o texto constitucional.
GÉSSICA BRANDINO, LEONARDO DIEGUES E GUSTAVO QUEIROLO / Folhapress