São João vive ‘camarotização’ no Nordeste, com áreas vip e estrutura de festival

SALVADOR, BA E RECIFE, PE (FOLHAPRESS) – Em cima do palco, estão as estrelas da festa: artistas com cachês de até R$ 700 mil pagos quase sempre com recursos públicos. As laterais e na área frontal foram tomadas por grades e áreas fechadas com promessas de acesso exclusivo, segurança e ingressos que podem chegar a R$ 600 por dia.

Essência da cultura nordestina, as festas de São João passam por uma mudança de perfil. Os festejos nas praças e áreas públicas ganharam maior protagonismo, movimento acompanhado de uma camarotização, com a criação de espaços vip e ares de festival.

O modelo ganhou notoriedade nas festas de Caruaru (PE) e de Campina Grande (PB), que disputam o título simbólico de maior São João do mundo, e passou a ser replicado em cidades de médio e pequeno porte de estados nordestinos.

As mudanças resultaram em críticas sobre a redução do espaço para o público não pagante, questionamentos sobre a contratação de empresas para a organização das festas e até mesmo a localização dos camarotes -um deles chegou a ser montado na entrada de um cemitério.

Em cidades como Caruaru, Arcoverde (PE) e Maceió (AL), a exploração privada de camarotes em áreas públicas chegou a ser questionada por órgãos como o Ministério Público e Tribunal de Contas.

O modelo, por outro lado, é exaltado por prefeitos, que veem uma profissionalização das festas. A licitação dos espaços para camarotes e áreas vips é apontada como uma forma de arrecadar recursos para bancar parte dos gastos.

Em Campina Grande, o espaços privados cresceram ao longo da última década no Parque do Povo, arena que recebe os principais shows do São João. Este ano, o local tem capacidade para 57 mil pessoas, sendo 1.200 nos camarotes e cerca de 6.800 na área vip em frente ao palco.

As entradas para as áreas de acesso gratuito têm registrado filas. Em 11 de junho, grades de proteção foram derrubadas e parte do público invadiu o parque burlando o controle no acesso. Nas redes sociais, moradores criticaram o tamanho das áreas destinadas aos não pagantes na festa.

Em nota, a prefeitura diz que a área dos camarotes é menor que em anos anteriores e que o espaço destinado ao frontstage “representa em média 20% do espaço público da área superior dos shows e é flexível, a depender do dia da atração”.

Também houve uma polêmica com a redução em 20 minutos do show do cantor Flávio José, um dos mais respeitados nomes do forró. O prefeito Bruno Cunha Lima (PSD) manifestou solidariedade, mas disse que a prefeitura não tem controle sobre a ordem e duração dos shows.

A gestão da festa segue desde 2017 um modelo de parceria público-privada, no qual a prefeitura licita a organização da festa para uma empresa. Em 2023 e 2024, a responsável é a Artes Produções, vencedora da última licitação.

O modelo foi reproduzido em outras cidades paraibanas como Patos, Monteiro e Bananeiras. Nesta última, o local da festa ganhou ares de cidade cenográfica e a frente do palco foi tomada por espaços vip, com áreas com consumo livre de bebidas e camarotes com serviços de spa e salão de beleza.

O avanço dos camarotes também aconteceu nos últimos anos em Caruaru. Em 2023, a festa teve um entrave na Justiça para a liberação de um dos camarotes no Pátio de Eventos Luiz Gonzaga.

Em maio, o Ministério Público do Estado de Pernambuco pediu a suspensão da venda de ingressos do camarote Exclusive, com ingressos de até R$ 400. No início de junho, a Justiça liberou o camarote reajustando o valor pago por metro quadrado.

O secretário de Desenvolvimento Econômico de Caruaru, Pedro Augusto Cavalcanti, minimizou a presença de camarotes na festa e disse que os espaços não são uma novidade.

A 116 km de Caruaru, a cidade de Vitória de Santo Antão terá um camarote privado com dois andares e uma área vip à frente do palco dos shows públicos. O perfil oficial do setor mostra que o lounge ocupará uma parte da frente do palco.

Os ingressos individuais chegam a até R$ 240 e os coletivos a R$ 8.000 (acomodam 12 pessoas). O camarote também tem banheiros e bares exclusivos, além de acesso privativo.

O vereador de oposição André Carvalho (PDT) entrou com uma petição no Tribunal de Contas do Estado indicando possíveis vínculos entre a empresa do camarote e dois servidores da prefeitura, mas ainda não há decisão sobre o tema. Procurada, a prefeitura não se manifestou.

Este formato de festa também ganhou espaço na Bahia desde 2022 em cidades como Santo Antônio de Jesus, Cruz das Almas, Senhor do Bonfim, Jequié e São Gonçalo dos Campos.

O novo formato coincide com o declínio das festas juninas privadas no estilo micareta, feitas em fazendas nos arredores das cidades e que ganharam popularidade a partir dos anos 2000. Este ano, três delas foram canceladas: o Forró do Bosque (Cruz das Almas), Forró do Piu-Piu (Amargosa) e Forró do Lago (Santo Antônio de Jesus).

Santo Antônio de Jesus, que abriga uma das festas mais tradicionais da Bahia, vai estrear o camarote no São João deste ano com ingressos entre R$ 90 e R$ 270.

A promessa é de vista privilegiada para o palco onde se apresentam nomes como Bell Marques e Lucy Alves.

O prefeito Genival Deolino (PSDB) defende o formato e diz que os recursos arrecadados com a licitação do camarote e com patrocinadores ajudam a reduzir os custos dos cofres municipais com a festa.

Em Cruz das Almas (155 km de Salvador), a festa deixou de ser feita em um bairro residencial desde o ano passado e migrou para uma área na entrada da cidade, com formato de arena, acesso controlado e camarotes nas laterais.

O prefeito Ednaldo Ribeiro (Republicanos) afirma que o novo formato reflete uma profissionalização da festa, que foi para um espaço cinco vezes maior que o anterior. O objetivo, diz, é atrair mais turistas e mantê-los na cidade durante o São João.

Na cidade de Santa Bárbara, que fez o São João antecipado no último fim de semana, a prefeitura foi alvo de críticas por instalar o camarote em uma área em frente ao cemitério. Nas redes sociais, a prefeitura celebrou o recorde de público da festa, que teve shows de Vitor Fernandes e Nadson, o Ferinha.

JOÃO PEDRO PITOMBO E JOSÉ MATHEUS SANTOS / Folhapress

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