BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Os benefícios fiscais do ICMS, principal imposto estadual, devem alcançar a marca de R$ 227,9 bilhões neste ano e impõem um desafio ao avanço da proposta de reforma tributária no Congresso Nacional.
Governadores querem garantias de que a manutenção de parte desses incentivos até 2032, já aprovada pelo Legislativo na chamada “convalidação”, será respeitada. Eles também demandam um fundo robusto, abastecido pela União, para manter acesso a instrumentos de política de desenvolvimento regional no futuro.
O tema dos benefícios está no centro da negociação de dois pontos sensíveis na reforma: o período de transição dos impostos estaduais e municipais para o novo IVA (Imposto sobre Valor Agregado) e o tamanho do FDR (Fundo de Desenvolvimento Regional).
Como antecipou a Folha de S.Paulo, o período de transição pode ser maior para acomodar os benefícios já concedidos, dar segurança jurídica às empresas contempladas e diluir o impacto desse ponto da reforma tributária nas contas públicas.
Uma migração mais célere para o novo sistema poderia exigir da União o desembolso de uma compensação pelo incentivo reduzido. Por isso, a transição dos tributos estaduais e municipais pode ser feita ao longo de oito ou dez anos.
No caso do FDR, a discussão é o valor a ser injetado pela União anualmente para que estados e municípios consigam dar novos benefícios, uma vez que o desenho do IVA inviabiliza reduções isoladas de alíquota ou concessão de créditos a determinados setores.
A princípio, o FDR não se mistura com a convalidação dos benefícios já existentes, uma vez que seu objetivo será financiar incentivos futuros. Segundo interlocutores, o Ministério da Fazenda tem falado em um valor próximo a R$ 40 bilhões, mas parlamentares e governadores querem chegar a pelo menos R$ 50 bilhões.
No governo federal, há o desejo também de incluir algum mecanismo para “calibrar” o tamanho do FDR para o caso de a desigualdade regional cair ao longo dos anos o que reduziria a necessidade do fundo.
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), se reúne na manhã desta quinta-feira (22) com governadores na tentativa de solucionar esses impasses.
O tamanho da renúncia atual do ICMS foi estimado pela Febrafite (Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais) a partir de dados dos projetos de LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) dos Executivos estaduais.
Os valores contemplam apenas o que os próprios governos declararam. Na prática, as cifras reais de renúncia tributária podem ser ainda mais elevadas, uma vez que alguns estados evitam entregar suas estratégias na concessão de incentivos, enquanto outros enfrentam dificuldades para mensurar com precisão as benesses dadas em gestões anteriores.
“O número pode ser maior, porque os estados têm seus próprios critérios de divulgação”, diz o presidente da Febrafite, Rodrigo Spada.
Por outro lado, nem toda fatura de R$ 227,9 bilhões é alcançada pela lei da convalidação dos benefícios fiscais, aprovada em 2017, nem está diretamente ligada à chamada “guerra fiscal”, na qual os estados concedem créditos presumidos na tentativa de atrair empresas para seus territórios, permitindo que elas recolham menos tributos.
Segundo técnicos ouvidos pela reportagem, o montante aproximado dos benefícios do ICMS conectados à guerra fiscal deve estar na casa dos R$ 120 bilhões ao ano.
O valor estimado para 2023 é maior que os R$ 160,3 bilhões previstos em renúncias no ano passado. Na nota técnica, a Febrafite avalia que cerca de 60% do montante de 2022 estão relacionados à guerra fiscal entre os estados (cerca de R$ 100 bilhões).
Se a proporção for a mesma para este ano, o número se aproximaria de R$ 137 bilhões.
A necessidade de manter a convalidação dos benefícios fiscais até 2032 entrou no radar do governo federal diante de alertas internos sobre um “risco jurídico não pequeno” de qualquer impacto negativo do IVA sobre os incentivos ser questionado na Justiça.
O risco existe porque, ao reduzir gradualmente as alíquotas do ICMS para elevar a do novo IVA, as empresas beneficiadas terão um crédito menor do que o sinalizado quando elas tomaram suas decisões de negócio e planejaram a realização dos investimentos (sob a expectativa de determinado retorno).
Do ponto de vista jurídico, isso seria considerado uma espécie de quebra de contrato, deixando a porta aberta para uma enxurrada de ações. Estados que concederam grande volume de benefícios, como Goiás, pressionam por uma posição firme sobre a convalidação.
Há uma tentativa também de adotar uma interpretação ampla sobre o alcance da lei de 2017, mas o governo federal entende que só estão convalidados os benefícios concedidos com prazo certo e sob condição (como a realização de um investimento).
Nesse escopo, os incentivos industriais duram até 2032, enquanto os não industriais começam a cair gradualmente já em 2029. A ideia de uma transição mais longa para o IVA é fazer com que o novo tributo ganhe espaço mais relevante na arrecadação apenas depois desse período.
O Ministério da Fazenda avalia que uma transição mais rápida do ICMS e do ISS municipal seria o melhor dos cenários, mas admite que isso cria problema para a convalidação dos incentivos. Ressarcir as empresas para fugir da ameaça jurídica ficaria muito caro para a União.
Além disso, transportar esses benefícios para a estrutura do novo IVA ou abrir brecha para que os estados consigam emplacar de última hora uma prorrogação dessa convalidação é tudo que o governo federal quer evitar. Por isso, há um diagnóstico de que o Congresso não pode desperdiçar a chance atual de aprovar a reforma.
“Os estados estão muito mais vulneráveis a pressões e conluios entre poder político e econômico do que a União. É mais difícil chegar ao presidente do que ao governador”, diz Spada, da Febrafite.
Além disso, segundo ele, os empresários não conseguem fazer “leilão” com tributo federal, uma vez que a concessão de benefício nesse caso se aplicaria a todo o território nacional. “No ICMS, cada estado tem sua gestão própria do tributo. Eles conseguem fazer leilão para maximizar seus interesses”, critica.
IDIANA TOMAZELLI / Folhapress