Conheça o Cinema Ritrovato, mostra com raridades de De Sica e Rouben Mamoulian

BOLONHA, ITÁLIA (FOLHAPRESS) – O festival Il Cinema Ritrovato passou por momentos difíceis nos últimos anos, desde a morte de seu diretor artístico, Petr van Bargh, em 2014. Houve uma longa crise econômica na Itália e a chegada de governos de direita ao poder, com cortes severos nos subsídios oficiais. Para completar, a pandemia paralisou o festival na Bolonha durante dois anos.

Essa paralisação, no entanto, parece ter sido importante para que o Ritrovato ressurgisse em grande estilo.

Neste ano, sua 37ª edição começa no dia 24 de junho. Para se ter uma ideia das mudanças, antes o horário das 21h45, antes dedicado apenas às exibições abertas na Piazza Maggiore, agora contempla outras quatro sessões, e uma nova sala foi acrescentada aos cinemas dedicados à mostra.

Sinal de quanto cresceu a frequência ao festival nos últimos tempos. Diferentemente de outras mostras, esta acolhe não apenas os cinéfilos, como professores de cinema, historiadores e críticos em busca de raridades não exibidas há muito tempo.

Para este ano, o Ritrovato promete o reencontro com a obra de Rouben Mamoulian, cineasta de origem armênia e um dos pioneiros do sonoro -“Aplauso” é de 1929-, o autor de “O Médico e o Monstro”, de 1931, tornou-se referência entre os realizadores de Hollywood sobretudo pelo trabalho no período de passagem do mudo ao sonoro.

Seu temperamento independente frente aos produtores fez sua produção diminuir drasticamente a partir dos anos 1940, quando se dedicou sobretudo ao teatro. Em Bolonha, será possível seguir a retrospectiva que começa com “Aplauso”, seu primeiro longa, e chega a “Meias de Seda”, de 1957, musical que encerra sua carreira.

Nesse meio tempo produziu filmes de gângster, terror, aventura, drama histórico e ficou conhecido também como diretor de estrelas como Greta Garbo, Marlene Dietrich, Tyrone Power, entre outros.

A seção italiana é defendida antes de tudo por Anna Magnani, homenageada com a exibição do raro “Teresa Venerdì”, que Vittorio De Sica realizou em 1941, em pleno fascismo, e onde Magnani ainda não era atriz principal.

Ainda estava longe, aliás, de se tornar a atriz que foi símbolo do cinema italiano do pós-guerra desde “Roma, Cidade Aberta”, de 1945.

Outra figura central do cinema italiano desde o pós-guerra é a célebre roteirista Suso Cecchi d’Amico, que morreu em 2010, aos 96 anos, após ter escrito para praticamente todos os grandes diretores do cinema italiano, de Visconti a Antonioni, de Luigi Comencini a Mario Monicelli -boa parte deles terão filmes escritos por Suso exibidos.

Outra mulher presente na programação, desta vez uma daquelas que afirmaram a presença feminina em outras artes -pintura e escultura- ao longo do século passado, é Niki de Saint Phalle, cujo “Un Rêve Plus Long que la Nuit”, ou um sonho mais longo que a noite, acaba de ser restaurado.

Teinosuke Kinugasa não era mulher, mas entrou para a Nikkatsu em 1918 como ator especializado em papéis femininos. Consta ter feito mais de 40 filmes. Como os estúdios anos depois começaram a contratar atrizes, tornou-se a partir de 1923 uma das principais referências do cinema clássico japonês.

No Brasil ficou conhecido sobretudo por seu “Portal do Inferno”, de 1953. No programa, no entanto, são seus filmes mudos que ganham destaque.

Já a África entra em pleno destaque com a retrospectiva dedicada ao centenário de Ousmane Sembene. Após combater contra os nazistas na Segunda Guerra e de trabalhar como estivador em Marselha, este autodidata nascido no Senegal publicou seu primeiro livro em 1956 e se afirmou como um dos grandes cineastas modernos a partir de 1963, 14 anos antes de fazer “Ceddo”, de 1977, talvez sua obra-prima.

Não está longe da verdade dizer que Sembene está para o cinema africano como Glauber Rocha para o da América Latina.

Toda essa programação até justifica dizer, como querem os organizadores da mostra, que o Ritrovato é “o paraíso dos cinéfilos”. Em todo caso, a semana de visita às raridades reencontradas, salvas ou restauradas em 35mm, 16mm ou digital, promete ser exaustiva, mas também gratificante.

IL CINEMA RITROVATO

Quando 24/6 a 2/7

Onde Bolonha, Itália

INÁCIO ARAUJO / Folhapress

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