Primeira indústria nuclear do Brasil rendeu corrupção e tragédias, mostra livro

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Muito antes que o drama da contaminação por césio-137 se tornasse conhecido em Goiânia, em 1987, centenas de trabalhadores foram durante décadas expostos a radioatividade letal sem qualquer atenção especial por parte de seus empregadores, que faturaram alto com a primeira indústria nuclear do país.

Essa é a história da Orquima, o mais puro e terrível suco de Brasil, contada em detalhes no livro “Cobaias da Radiação”.

Escrito pela jornalista Tania Malheiros, a obra reconstrói a trajetória nefasta da companhia fundada oficialmente em 1942 pelo empresário e poeta Augusto Frederico Schmidt e seu discreto sócio, o químico austríaco Kurt Weill.

Usina criada para processar as areias monazíticas, de onde se extraíam diversos produtos de interesse da nascente indústria nuclear, como urânio e tório, ela foi apresentada em 1953 ao então presidente Getúlio Vargas pelo próprio Schmidt como grande conquista da indústria nacional.

O poeta-empresário tinha trânsito livre entre as maiores autoridades da República e obteve amplo apoio governamental para a empreitada, a partir do CNP, o Conselho Nacional de Pesquisas -hoje CNPq, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.

Os donos da companhia faturaram muito, primeiro exportando ilegalmente as areias monazíticas extraídas de praias da Bahia e do Rio de Janeiro para os EUA. Depois, nos anos 1950, beneficiando esse material e vendendo seu produto por meio de acordos formais entre Brasil e EUA -a preço de banana.

Por fim, repassando a empresa ao governo federal, quando os americanos, já devidamente abastecidos, perderam o interesse no fornecimento -deixando para trás estoques de dejetos radioativos e centenas de funcionários gravemente doentes, quando não mortos.

A estatização ocorrera no início dos anos 1960, e a empresa mudaria de nome algumas vezes (para Usina de Santo Amaro, então ligada à estatal Nuclemon, mais tarde Indústrias Nucleares do Brasil), operando no bairro de Santo Amaro, em São Paulo, sem que vizinhos ou funcionários soubessem dos perigos a que estavam sendo submetidos.

Muitos dos dejetos produzidos foram estocados na capital paulista ou despachados para Poços de Caldas em Minas Gerais. E o cessar das operações, com o fechamento da empresa, só ocorreria em 1992 -dois anos depois que Malheiros, então repórter da Agência Estado, descobriu o “perigo radioativo em Santo Amaro”, como estampado na manchete do Jornal da Tarde, uma das publicações a veicular o furo de reportagem, em 10 de janeiro de 1990.

Começava ali a saga da jornalista para desvendar todos os desvios e crimes cometidos durante as operações da antiga Orquima, agora apresentados de forma tão completa quanto possível no livro.

Malheiros mergulhou na documentação remanescente (com reproduções dos materiais mais importantes) a fim de esquadrinhar a trajetória oculta da empresa, desde seus fundadores, que gozaram de imensos privilégios, até seus operários, que durante décadas adoeceram com câncer sem saber que eram suas condições de trabalho precárias a razão de seu infortúnio.

Trata-se de história ainda sem desfecho, pois, mais de três décadas após o encerramento das atividades, a situação dos dejetos não foi encaminhada e muitos dos antigos funcionários seguem na luta por seus direitos, às vezes em dificuldade até mesmo para manter o plano de saúde que a Justiça obrigou o governo a bancar para que pudessem se tratar.

Fiel ao ofício de jornalista investigativa, Malheiros aborda com grande competência e narrativa envolvente todos os aspectos da história, dando especial atenção ao drama dos vitimados e dos que lutam para resgatar sua dignidade. “Cobaias da Radiação” é leitura obrigatória para quem deseja conhecer aquela que, a despeito de gozar de menor publicidade, é a maior e mais desumana tragédia nuclear brasileira.

COBAIAS DA RADIAÇÃO

Onde Venda direta pela autora no WhatsApp (21) 99601-5849

Preço R$ 50 (184 págs.)

Autoria Tania Malheiros

Editora Autopublicação

SALVADOR NOGUEIRA / Folhapress

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