Transição dos estados, Zona Franca e setor de serviços são frentes de resistência à reforma tributária

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A transição dos estados, os incentivos da Zona Franca de Manaus e o temor de aumento de carga sobre o setor de serviços são algumas das frentes de resistência que o relator da reforma tributária, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), precisará enfrentar nos próximos dias para conseguir alcançar o objetivo final de votar o texto no plenário da Câmara até 7 de julho.

Desde a divulgação do texto preliminar da PEC (proposta de Emenda à Constituição), na noite de quinta-feira (22), teve início o que parlamentares já chamam nos bastidores de “muro das lamentações”: diferentes grupos e setores pedindo ajustes em dispositivos para se sentirem mais contemplados pela proposta.

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), se comprometeu com a divulgação do substitutivo sob o argumento de que era necessário dar justamente o “tempo da crítica”. Ele reconheceu que o texto é preliminar e ainda deve passar por mudanças.

No grupo de trabalho que conduziu as negociações da PEC, há uma avaliação de que as conversas continuarão, mas também é o momento de começar a contar votos para mapear as chances de aprovação e saber que mudanças agregam apoio à proposta.

Nesta sexta-feira (23), dia seguinte à divulgação do substitutivo, alguns segmentos já se posicionaram firmemente sobre o conteúdo da reforma, enquanto outros optaram por manter postura cautelosa até analisar o texto legal de 29 páginas.

A FPA (Frente Parlamentar da Agropecuária), um dos grupos mais influentes no Congresso Nacional, ainda avalia o texto. O setor agro vinha levantando alguns pontos de resistência à reforma, mas recebeu acenos, como a possibilidade de produtores rurais com receita anual de até R$ 2 milhões não recolherem o novo IVA (Imposto sobre Valor Agregado).

“Estamos dedicando o dia de hoje [sexta-feira] a analisar o texto, a mensurar as repercussões. Nós vamos ter uma avaliação mais coesa na próxima segunda-feira (26)”, disse o vice-presidente da FPA na Câmara, Arnaldo Jardim (Cidadania-SP).

O deputado Sidney Leite (PSD-AM), que atuou no grupo de trabalho da reforma tributária, afirmou que a divulgação do texto emite um sinal de avanço concreto da proposta. “Vão aparecer setores que até agora não estavam motivados [a pedir ajustes]”, disse.

O próprio deputado pleiteia alguns aprimoramentos no texto, relativos à Zona Franca de Manaus –um tema sensível para sua base de eleitores. “Nós precisamos ainda fazer uma sintonia fina e melhorar o texto. A Zona Franca tem uma cesta de incentivos, reduzir para um único imposto não é tão simples”, disse.

Segundo ele, assegurar que empresas da região não paguem o novo IVA e, mesmo assim, gerem créditos tributários para empresas que adquirem seus bens e serviços “não é suficiente”. Alguns setores, como o de motocicletas, precisariam de “um plus” para garantir a competitividade, disse o deputado.

O incentivo adicional defendido por Leite é manter uma parcela pequena de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) –tributo que a reforma pretende extinguir–, pois assim os produtos da Zona Franca manteriam sua competitividade. “Nosso desafio é gerar emprego, e precisamos atender a essa necessidade”, afirmou.

Os estados também desejam ajustes no texto. Um dos pontos já externados por governadores é o pleito de um FDR (Fundo de Desenvolvimento Regional) de R$ 75 bilhões anuais, maior que os R$ 40 bilhões propostos pelo Ministério da Fazenda e que constam no texto de Aguinaldo Ribeiro. Os recursos serão usados para conceder incentivos regionais, uma vez que a alíquota unificada do novo imposto coíbe a chamada guerra fiscal entre os estados para atrair empresas a seus territórios.

O presidente do Comsefaz (Comitê Nacional de Secretários Estaduais de Fazenda), Carlos Eduardo Xavier, disse que os estados também querem inserir na PEC os critérios de distribuição desse fundo –um dos alvos de grande controvérsia entre governadores. Membros das regiões Sul e Sudeste querem um critério que lhes conceda uma fatia maior no bolo.

A versão atual do texto deixa a definição para lei complementar, a ser votada no futuro. “É uma questão polêmica, mas a gente precisa enfrentar agora. Senadores e deputados têm maturidade política para encontrar uma saída viável”, afirmou Xavier.

A transição para o novo IVA também é tida como um ponto de ajuste necessário. No texto, as alíquotas do ICMS começarão a cair em 2029, com a extinção definitiva do imposto estadual em 2033. O corte anual será equivalente a 20% da alíquota vigente.

“Nós defendemos uma redistribuição dos percentuais, com uma alíquota teste em 2029 e migração definitiva em 2033”, disse o presidente do Comsefaz.

Outro alvo de ressalvas é a transição federativa, como é chamado o período em que haverá redistribuição da arrecadação entre estados e municípios para evitar quedas bruscas de receitas em locais produtores, que hoje ganham com o recolhimento na origem. No novo sistema, o tributo será pago no destino, isto é, onde o bem ou serviço é consumido.

A PEC prevê uma transição de 50 anos, mas os secretários de Fazenda defendem um intervalo menor, de 45 anos, subdividido em dois períodos.

No primeiro, de 26 anos, o critério de distribuição dos recursos arrecadados com o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) seguiria a participação inicial dos estados e municípios no ICMS ou ISS, decrescendo ano a ano.

No segundo, de 19 anos, 95% dos recursos seriam distribuídos conforme o local de consumo (destino), e outros 5% bancariam o chamado “seguro” contra perdas de arrecadação. Hoje, na PEC, o seguro equivale a 3% das receitas do IBS.

“Estados produtores, com balança comercial interestadual superavitária e exportadores perdem com a reforma, por isso precisam de tempo para que não haja prejuízo à população. O que é inaceitável para esses estados é que a transição seja muito curta. Menos do que 45 anos é temerário”, disse o secretário de Fazenda do Mato Grosso, Rogério Gallo.

Os próprios entes têm atuado para combater a pressão de estados como São Paulo e Pará, que se colocam contra o modelo de arrecadação centralizada do IBS. Segundo Xavier, 18 estados apoiam esse formato, tido como “a forma mais racional de gerenciar” o novo tributo, que unifica os atuais ICMS e ISS.

A ala contrária defende a manutenção da arrecadação descentralizada, ou seja, cada estado mantém sua própria estrutura de recolhimento do imposto. Nos bastidores, a posição de resistência é atribuída a um lobby das carreiras de auditores fiscais estaduais.

“A posição do Comsefaz é o modelo que viabiliza a reforma. E os estados contrários apresentaram modelos, mas não conseguiram convencer a maioria de que esses modelos são viáveis”, disse Xavier.

Para além dos ajustes, alguns grupos reclamam do pouco tempo entre a divulgação do texto e a data prevista para a votação (semana de 3 a 7 de julho).

“É muito pouco tempo para fazer discussão de assunto tão sério. Ainda tem uma lacuna importante que são as próprias leis complementares que vão regulamentar essa PEC”, disse o presidente da Abrasf (Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais), Rodrigo Fantinel. A entidade é contra a proposta por defender a manutenção do ISS.

O vice-presidente da CACB (Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil), Anderson Trautman Cardoso, que também preside o comitê jurídico da entidade, disse que há grande inquietação do setor com o risco de aumento da carga tributária.

“A gente não tem uma confirmação de que o impacto negativo não se sobressairá a esse possível benefício”, afirmou. Ele destacou que a ameaça de elevação de carga pode atingir setores como o de tecnologia, que empregam mão de obra qualificada no país.

O setor também reivindica um parâmetro mais claro na implementação dos créditos tributários gerados por empresas que estão no Simples Nacional, regime simplificado de recolhimento de tributos para micro e pequenas empresas.

A PEC permite que as companhias do Simples passem a gerar créditos tributários a serem usados por seus clientes para abater impostos a pagar, o que em tese aumenta a atratividade dos bens e serviços dessas companhias.

O temor, segundo Cardoso, é que os créditos gerados sejam menores do que aqueles fornecidos por empresas fora do Simples, que recolhem o imposto individualmente sobre cada operação. “A solução é o crédito integral, equivalente a uma saída de mercadoria no sistema geral. Não se pode gerar um diferencial mercadológico que inviabilize o Simples”, criticou.

IDIANA TOMAZELLI / Folhapress

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