BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O mais próximo assessor de Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara dos Deputados, e o sócio da empresa fornecedora de kits robótica a prefeituras alagoanas estiveram juntos no órgão do MEC (Ministério da Educação) responsável pela liberação do dinheiro que abasteceu as compras sob investigação da Polícia Federal.
Os dois são investigados pela PF e foram alvos de operações no início do mês.
Luciano Cavalcante, uma das pessoas de maior confiança de Lira, e Edmundo Catunda, sócio da empresa Megalic, foram recebidos na manhã de 3 de fevereiro de 2021 na sede do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento à Educação), durante o governo Jair Bolsonaro (PL).
Cavalcante deu entrada no prédio, em Brasília, às 8h11, e Catunda, às 8h15, segundo dados oficiais obtidos pela Folha de S.Paulo por meio da Lei de Acesso à Informação.
Parte das visitas de Catunda ao FNDE coincidem tanto com liberações de recursos quanto com encontros com Lira. O presidente da Câmara foi procurado e não quis se pronunciar.
A PF já encontrou com Luciano documentos com citações a Lira e uma lista de pagamentos atrelados ao nome de “Arthur”. O documento apreendido lista R$ 834 mil em valores pagos em 2022 e 2023, como a Folha de S.Paulo mostrou neste domingo (25) –desse total, ao menos R$ 650 mil tem à frente do valor o nome “Arthur”.
Luciano integrava grupo de WhatsApp chamado “Robótica Gerenciamento” do qual fazia parte a sócia da Megalic, Roberta Lins, mulher de Catunda. A apuração policial ainda descobriu que o empresário repassou R$ 550 mil à empresa que construiu a casa em que Luciano mora.
Luciano é conhecido como uma das pessoas mais próximas de Lira, companhia de agendas diversas e viagens. Em 2021, quando esteve no FNDE, era vinculado à Liderança do PP na Câmara, partido de Lira –ele foi exonerado no início do mês, após ser alvo de busca e apreensão da Polícia Federal.
O registro de entrada no FNDE reforça a proximidade entre os dois investigados e também mostra que o grupo tinha bom trânsito no órgão durante o governo Bolsonaro. Essa foi a única data em que Luciano teria estado no FNDE no período, mas Edmundo Catunda era presença constante no órgão.
O empresário, cuja família tem relação com Lira, esteve 29 vezes no FNDE do início de fevereiro de 2021 a 24 de março de 2022.
Em abril de 2022, a Folha de S.Paulo revelou que o governo destinara R$ 26 milhões para sete cidades alagoanas comprarem kits robóticas apesar de sofrerem com graves deficiências de infraestrutura.
Todas as cidades tinham contrato com a mesma empresa, a Megalic, de Edmundo Catunda e Roberta Lins. Os recursos federais, liberados e transferidos em velocidade incomum, eram das chamadas emendas de relator, parte bilionária do orçamento da União controlada por Lira.
O FNDE foi transformado, sob Bolsonaro, em uma espécie de balcão político, com a predominância de liberações de recursos sem critérios técnicos.
O controle do órgão foi dado a políticos do centrão –ele foi presidido entre junho de 2020 e dezembro de 2022 por Marcelo Lopes da Ponte, ex-assessor de Ciro Nogueira (PP-PI). O ex-presidente do FNDE não respondeu aos questionamentos da reportagem.
Edmundo Catunda também não respondeu à reportagem. A equipe do advogado Eugênio Aragão, que representa a Megalic, disse que seu trabalho não se estende a Catunda como pessoa física. A defesa nega qualquer irregularidade cometida pela empresa.
O advogado André Callegari, que defende Luciano, afirmou que “ele esteve poucas vezes no FNDE para tratar exclusivamente de assuntos do partido político”. Em outras manifestações, houve a negativa de que Luciano tivesse relações com a Megalic.
Além de Catunda, um de seus filhos, João Pedro Loureiro Pessoa Catunda, 23, também esteve com frequência no órgão no mesmo período. Ele visitou 23 vezes o FNDE, sendo nove vezes em companhia do pai. Ele era vinculado ao gabinete de outro deputado alagoano, Marx Beltrão, correligionário de Lira no PP.
Beltrão, que tem relações próximas com a família Catunda, empregou João Pedro como assessor entre 31 de maio de 2021 e dezembro de 2022. Das 23 vezes em que esteve no FNDE, em 19 delas João Pedro constava na equipe de assessores de Marx Beltrão.
Procurados, Marx Beltrão e João Pedro não responderam.
A PF rastreou transferências e saques suspeitos dinheiro de Edmundo e Roberta e também de pessoas e empresas ligadas aos dois.
Foi a partir deste trabalho que a polícia chegou, por exemplo, a suspeitos de operar valores para o grupo, ao próprio Luciano Cavalcante e a um policial que mantinha R$ 4,4 milhões em um cofre e em cujo nome há um veículo usado por Cavalcante e também pela campanha de Lira, que nega irregularidades.
João Pedro consta como investigado pela PF. As investigações indicam que ele teria recebido do pai depósitos suspeitos no valor total de R$ 941 mil entre abril de 2020 e março de 2022. Ainda realizou cinco saques de R$ 49 mil cada que teriam como objetivo, segundo a investigação, a burla dos limites regulatórios para o rastreio de transações.
A proximidade entre os investigados e Lira é pública, e algumas datas de encontros coincidem com visitas ao FNDE e liberações de recursos.
No dia 8 de março de 2022, Catunda e o filho João Pedro estiveram no órgão do MEC no fim da tarde e, no mesmo dia, reuniram-se com o presidente da Câmara e outros aliados. A foto do encontro mostra que Luciano Cavalcante compunha o grupo.
Outro filho de Catunda, o vereador de Maceió João Victor Catunda (PP-AL), estava no encontro –ele também é citado nas investigações. O vereador foi levado por Lira a uma reunião no STF (Supremo Tribunal Federal) no dia seguinte, 9 de março.
Dois pagamentos do FNDE a prefeituras beneficiadas, e com contratos com a Megalic, ocorreram nos mesmos dias em que Catunda, dono da empresa, esteve no órgão: em 8 de fevereiro de 2022 a cidade de Maravilha (AL) recebeu o depósito de R$ 2,1 milhões e Barra de Santo Antonio, de R$ 2,4 milhões.
Essas transferências foram resultado de empenhos (primeira etapa da execução orçamentária) realizados no ano anterior, todos por emendas de relator. Em 16 de dezembro de 2021, o FNDE empenhou R$ 19 milhões para quatro cidades (Canapi, União dos Palmares, Santana do Mundaú e Flexeiras). Catunda esteve no FNDE às 11h27 daquele dia.
Em nota, o FNDE sob a gestão do governo Lula (PT) disse que está à disposição para esclarecimentos. “Neste ano de 2023, não há registro de acesso ao prédio das pessoas citadas nas perguntas enviadas”, diz o texto.
PAULO SALDAÑA E FABIO SERAPIÃO / Folhapress