LGBTs debatem cotas e pedem ao TSE opção para declarar orientação sexual de candidatos

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Parlamentares e ativistas do segmento LGBTQIA+ vão elevar a pressão sobre o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) para que os registros de candidaturas no país incluam informações sobre orientação sexual e identidade de gênero, numa tentativa de que a alteração vigore já na eleição de 2024.

Nesta quarta-feira (28), um grupo de políticos e representantes do movimento VoteLGBT entrará na corte com um pedido de consulta pública sobre o tema. A intenção é abrir caminho para uma decisão que permita a candidatos declararem se são homossexuais ou transgêneros, por exemplo.

Segundo os militantes, os dados são fundamentais para que o Brasil tenha números oficiais sobre candidaturas desse segmento e discuta ações afirmativas em prol da representatividade na política, o que poderia envolver cotas para candidatos, reserva de cadeiras e acesso a recursos de campanha.

Nas eleições de 2020 e 2022, a proporção de LGBTs eleitos foi 55 vezes menor do que o tamanho desse grupo na população geral, de acordo com a VoteLGBT, uma das organizações não governamentais que produzem estatísticas sobre o tema, com base em informações extraoficiais.

Para o cálculo, a entidade considerou que 0,16% dos candidatos eleitos nos dois pleitos eram LGBTs, categoria que corresponde a 9,3% dos brasileiros, segundo pesquisa Datafolha de 2022. Os dados, contudo, podem ser inconsistentes, pela inexistência de registro oficial e por dependerem de autodeclaração.

O pedido a ser protocolado nesta quarta, escolhida por ser o Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+, é assinado pelas deputadas federais Duda Salabert (PDT-MG), Erika Hilton (PSOL-SP) e Daiana Santos (PC do B-RS) e pelo senador Fabiano Contarato (PT-ES) —todos pertencentes à comunidade.

“A inexistência de dados é uma forma de injustiça, já que impede a mensuração adequada das distorções na representação política de pessoas LGBTQIA+ e impossibilita também a construção de políticas para lidar com esse problema”, diz Salabert, que é transexual.

A mineira afirma que a ausência de dados confiáveis é ainda mais grave no caso de pessoas como ela. “Por causa da transfobia, há um apagamento imenso sobre nossa realidade”, segue a parlamentar, reivindicando políticas como as que beneficiam candidaturas de mulheres e de negros.

Ativistas dizem que a autodeclaração de cor ou raça, que só começou a existir em 2014, foi fundamental para um diagnóstico preciso da sub-representação de negros e que só a partir daí medidas mais concretas puderam ser cobradas, como o repasse mínimo de recursos para essas candidaturas.

A vitória de transexuais como Salabert e Hilton ou de homossexuais como Santos e Contarato é festejada, mas militantes argumentam que a representação política da classe está distante da ideal.

Segundo o documento que será protocolado, a sub-representação é uma forma de violência política, e a dificuldade para chegar a postos de comando ameaça a construção de uma sociedade cidadã e plural.

O TSE diz que a alteração nos registros de candidaturas LGBTQIA+ é um dos temas debatidos pelo grupo de trabalho que prepara as normas das eleições do ano que vem. Hoje, qualquer eleitor já tem a opção de declarar a identidade de gênero, mas a atualização do sistema está sendo gradual.

No mês passado, o presidente da corte, Alexandre de Moraes, recebeu parlamentares (alguns deles também envolvidos na articulação de agora), advogados e representantes de movimentos que pressionam por mudanças. A ideia é que, a longo prazo, os registros de todos os eleitores contenham os dados.

Moraes indicou na reunião que a alteração das candidaturas pode valer para 2024. Os militantes torcem para que a decisão seja anunciada antes de outubro, para afastar indagações relacionadas ao princípio da anualidade —que prevê que regras só podem ser modificadas a no máximo um ano do pleito.

Os defensores da adição dos campos sobre sexualidade e gênero se antecipam a críticas e defendem que o preenchimento das informações seja opcional, de forma que exista a alternativa de não se manifestar sobre essas características.

Dizem também que é descabido falar em violação à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

“Sem os dados, não conseguimos demonstrar o grau de desigualdade política”, diz Evorah Cardoso, doutora em sociologia jurídica pela USP e porta-voz do VoteLGBT.

Segundo ela, o modelo de consulta pública foi escolhido para favorecer a participação da sociedade civil e do Legislativo no debate. Se o TSE concordar em abrir o procedimento, será escolhido um ministro relator, que ao fim dará um parecer sobre o tema conforme a jurisprudência do tribunal.

O VoteLGBT foi bem-sucedido ao adotar expediente parecido, em 2018, quando levou à corte uma consulta assinada pela então senadora Fátima Bezerra (PT-RN), hoje governadora do Rio Grande do Norte, sobre a autorização para candidatos transgêneros usarem na urna o nome social.

Para Evorah, o detalhamento do registro pode ser um marco para o setor LGBTQIA+, que está “vários passos atrás” em comparação às mulheres —que têm garantido o percentual de 30% das candidaturas— e aos negros —que contam com repasse proporcional de verba do fundo eleitoral.

“Primeiro temos que conseguir os dados, para depois traçar as estratégias em prol de gestos efetivos, mas com certeza um caminho é o das ações afirmativas, com reserva de um percentual mínimo de candidaturas ou cadeiras e distribuição justa de recursos e de tempo de propaganda”, diz ela.

A hipótese de lutar pela criação de cotas é controversa até mesmo dentro da militância. Duda Salabert diz que não tem opinião formada sobre o assunto, mas que políticas afirmativas são necessárias.

“Acredito que provavelmente a resposta passe por algum tipo de mecanismo para financiar essas campanhas, assim como há para gênero e raça, mas precisamos ter os dados para conhecer adequadamente a dimensão do problema e planejar as melhores soluções”, afirma a deputada.

Na prática, as ações que beneficiam mulheres e negros já impactam indiretamente os LGBTQIA+.

Das 18 candidaturas declaradamente LGBTQIA+ eleitas em 2022 para o Congresso e Assembleias Legislativas, 16 eram mulheres e 14 eram negras, o que não foi uma coincidência, na avaliação do VoteLGBT, que fez o levantamento. “É um efeito colateral positivo”, diz Evorah.

Segundo o movimento, fundado em 2014, o pleito do ano passado contou com 325 candidaturas do segmento, um recorde. Nas eleições gerais de 2018, o número foi menos da metade (157).

JOELMIR TAVARES / Folhapress

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