BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Relator da reforma tributária na Câmara, o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) disse que estuda alterações na proposta a ser votada na próxima semana. Uma mudança a ser feita é deixar claro no texto que o novo sistema terá uma trava para impedir que haja aumento de carga tributária no país.
“Na nossa avaliação, de fato [já] há uma trava na questão do aumento de carga no texto que está publicado. Por isso estou falando em ajuste de técnica legislativa. Talvez a gente precise ter isso mais claro do ponto de vista de texto, porque desde 2019 minha preocupação é não ter aumento de carga tributária”, afirmou Aguinaldo em entrevista à Folha de S.Paulo.
Outro ponto em avaliação é a criação de um conselho formado por estados e municípios para administrar a arrecadação de tributos resultantes da reforma. Os governadores de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), e de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), criticam o modelo.
Para o relator, as reuniões dos governadores com as bancadas no fim desta semana e começo da próxima servirão para mitigar dúvidas e construir uma solução para o debate.
“A expectativa é que a partir dessa construção a gente possa ter de fato uma mobilização de todos, não só de Sul e Sudeste, mas também do Nordeste, do Norte, para que a gente possa de fato aprovar a reforma”, declarou o deputado, aliado do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
PERGUNTA – O que é inegociável na reforma tributária?
AGUINALDO RIBEIRO – Um texto que traga os princípios que estamos construindo para a adoção de um IVA [Imposto sobre Valor Agregado, a ser criado a partir da fusão de outros tributos]: a simplificação, a transparência, a segurança jurídica, a não cumulatividade plena, o aproveitamento dos créditos de forma ampla. Esses são pontos que, se tirar, termina comprometendo o próprio imposto. Perde o sentido.
P. – Quais pontos ainda precisam ser esclarecidos no texto?
AR – Tem, por exemplo, a alíquota reduzida para algumas atividades. O texto diz que as atividades listadas “poderão” ser alcançadas, mas setores pedem que o texto diga que “serão” alcançadas.
Isso, a história do “poderão”, do “serão”. Ninguém ia colocar ali aqueles bens e serviços específicos se não fossem de fato para estarem incluídos naquele tratamento. Mas a gente está revisando. A gente vive num país em que tudo termina virando litígio, tudo tem o controverso sendo levado aos tribunais. [Então] é importante que a gente tenha isso com clareza.
P. – Há um temor geral de aumento de carga tributária. Por que não se incluiu uma espécie de gatilho para evitar isso e fazer o ajuste da alíquota dos novos impostos?
AR – A trava sobre a carga tributária é outra interpretação que está sendo dada, mas na avaliação dos nossos técnicos da consultoria, no texto a gente está endereçando dessa forma, travando [a carga]. Esse é um debate que a gente está fazendo internamente, já que isso foi levantado.
P. – Para incorporar no texto?
AR – Na avaliação nossa, de fato há uma trava na questão do aumento de carga no texto que está publicado. Por isso estou falando em ajuste de técnica legislativa. Talvez a gente precise ter isso mais claro do ponto de vista de texto, porque desde 2019 minha preocupação é não ter aumento de carga tributária.
P. – É inevitável a redistribuição de carga entre os setores?
AR – Aí é a ruptura dessa lógica, a gente não tem mais setor. No IVA, você tributa o consumo, tributa todos. Tanto que quando a gente trata no texto, mesmo das reduções de base, a gente não trata mais de setor. Trata de serviço ou produto de saúde, de educação. Tem que ser bem explícito nesse contexto. Tem uma cadeia toda de consumo, e vai ter um nivelamento dessas alíquotas que estarão tecnicamente calculadas -está endereçado no texto como será feito esse cálculo.
P. – O sr. deu como exemplo um IVA de 25%. Ainda vai ser calculado. Mas dá para ter ideia se vai ficar acima de 25% ou abaixo?
AR – A gente tem pedido os dados para a Receita, que também está pedindo para os outros entes. Eu ainda não recebi os dados para dizer se vai ser isso ou aquilo. O que estou sempre afirmando é que o IVA é resultado da carga atual que nós pagamos e é cobrado por dentro.
P. – A falta de um número fixo já pré-determinado pode atrapalhar a votação?
AR – Não. Até porque, na Constituição, não se colocaria uma alíquota.
P. – E quanto ao lobby setorial?
AR – Sempre existiu e vai continuar existindo, é legítimo. A gente, como sociedade, tem que pensar o seguinte: com o IVA, quanto mais exceções você abrir, você vai aumentar a carga para todo mundo. Essa é a lógica. A gente já tem hoje um regime de exceção, o nosso regime [tributário] foi um pouco isso. É uma confusão. Mesmo na União você tem muitas alíquotas e benefícios. Nos estados, alíquotas e benefícios são enésimos. E mesmo nos municípios.
P. – Considerando as que já estão no texto, está no limite do razoável o número de exceções para um sistema IVA?
AR – Acho que a gente adotou os princípios que hoje existem em países com os melhores IVAs. É o mundo ideal? Não. Modelo ideal seria IVA único com base ampla, que você pudesse tributar todo o consumo e reduzir a alíquota para todos. Nós tivemos que caminhar para adaptar essa realidade. Mas eu acho que nessa adaptação a gente está olhando para a nossa realidade, que é você não onerar determinados setores importantes para o consumidor, sobretudo aqueles que mais precisam.
P. – O conselho federativo tem gerado ruídos, com alguns estados -como São Paulo e Pará- se colocado de forma contrária a essa estrutura, embora o Comsefaz [comitê de secretários estaduais da Fazenda] tenha uma maioria favorável a esse modelo. Como esse impasse será resolvido?
AR – Havia um consenso no ano passado, mas, com a eleição, o comando dos estados mudou. Na sugestão que havia sido construída com o próprio Comsefaz e os estados ao longo desses quatro últimos anos, a gente tinha esse modelo que foi endereçado, mas que [agora] tem essa divergência. O Comsefaz se aprofundou tentando mitigar essa questão interna e estamos aguardando, o que foi um compromisso político, inclusive junto com o presidente Arthur Lira, de que nós construímos com base numa discussão uma solução para a questão do Conselho federativo, que seria uma uma preocupação expressa por alguns governadores. Eles estão trabalhando nessa sugestão, que traz essa solução de não comprometer o IVA, mas também de atender a essas demandas que terminariam por trazer uma convergência de todos os estados.
P. – A solução deve resolver também eventuais questões que possam aparecer na votação no Senado?
AR – Acho que a solução está vindo da federação, e nós vamos adotar. É óbvio que estou falando aqui sem ter conhecimento da ideia, mas a gente tem o compromisso político de ouvir, discutir e construir juntos essa solução. Também tenho que levar em consideração os municípios, porque afinal de contas nós estamos tratando do conselho federativo que é composto por municípios e por estados. Eu senti que a solução que me será apresentada é uma solução que vem na direção de exatamente mediar esse entrave.
P. – Especialistas e setores têm o temor de que isso possa comprometer pilares da reforma como a não cumulatividade dos créditos. Como conciliar os pilares e os interesses dos estados?
AR – Na minha conversa com o governador Tarcísio, ele me disse que traria essa solução e que essa solução contempla exatamente isso, o não comprometimento dos pilares da reforma, mas que também atende à demanda dos estados que demonstraram essa preocupação. Então a gente precisa aguardar os próximos dias. Mas a disposição que eu vi do governador Tarcísio, até para fazer justiça com ele, foi no sentido de cooperar para votar reforma e inclusive votar rápido. Senti nele a disposição de trazer uma sugestão que é solução para o todo. Ele disse que São Paulo está acreditando nos efeitos da reforma, está acreditando que o país não pode mais esperar uma reforma. Não vai ter estado bom ou estado ruim num país que tem sempre dificuldade. Vai estar todo mundo no mesmo barco, na mesma situação de estar num país que está num momento ruim, e que pode piorar. Não tem como o Brasil perder mais tempo com esse tema.
P., – Há um levantamento que mostra São Paulo como o país que mais pode perder recursos.
AR – Para isso a gente tem uma trava, que podemos chamar de “seguro perda”. Como são estudos, a gente está projetando e esse impacto também é mitigado na transição, porque quando você tem uma transição, como está sendo proposta, ela reduz muito a perda. E, com o tempo, você passa a reduzir ou até a inverter essa lógica, porque aí, com a reforma, todos vão ganhar porque o Brasil cresce mais. E com simplificação, você tem duas coisas, tem aumento de arrecadação pela própria simplificação e tem aumento de formalização. É um desincentivo à evasão e traz um contingente importante para a economia formal.
O governador Tarcísio deve reunir a bancada de parlamentares de São Paulo neste domingo para tratar da reforma.
P. – O que se espera desse encontro?
AR – Além dessa reunião, tem encontro na terça (4) entre governadores do Sul e Sudeste, em Brasília. A intenção é a gente evoluir nessa disposição de colaborar para ter uma aprovação na semana que vem. A expectativa é que a partir dessa construção a gente possa ter de fato uma mobilização de todos, não só de Sul e Sudeste, mas também do Nordeste, do Norte, para que a gente possa de fato aprovar a reforma.
P. – Há uma transição bem longa na questão do ICMS para acomodar a questão dos benefícios fiscais. O IVA começaria em 2029, mas tem uma proposta dos estados para começar mais tarde ainda, em 2033. Como o sr. vê essa proposta? Há chance de ser incorporado à PEC?
AR – Estamos avaliando. Tenho uma reunião hoje [sexta-feira] para tratar desse tema para ver qual o impacto. Eles propuseram uma transição começando agora com 1% junto com CBS [Contribuição sobre Bens e Serviços, a ser criada a partir da fusão de outros tributos] e chegando até 2033, mantendo estagnado em 1%. E a partir de 2033 ter o restante [da reforma] incorporado. Em alguma medida isso mitiga a questão da convalidação. Mas tem que analisar o impacto. Então talvez a gente possa pensar numa solução que possa calibrar. Não ter um percentual estagnado, mas se ter uma escada em que você possa também caminhar para esse “phase out” [eliminação gradual] de benefícios e tendo um equilíbrio. Lógico que a gente vai ter que conversar com a União também para construir com [o Ministério da] Fazenda esse caminho.
P. – O texto a ser votado é um texto da Câmara, principalmente do relator e do presidente da Casa, ou é uma proposta do governo?
AR – É um texto do Parlamento que está sendo construído com toda a sociedade brasileira e com os entes federados. Eu acho que o governo acertou nisso. Nós não temos uma reforma de governo, não temos uma reforma de direita nem de esquerda, nem de centro. Temos uma reforma do Brasil, que foi proposta pelo Parlamento brasileiro e está tendo colaboração de todos os entes federados, inclusive da União, e dos setores.
P. – A esquerda, base do presidente Lula, vai votar a favor da reforma?
AR – Essa é uma reforma que não tem viés ideológico. Ela tem princípios que são de Estado brasileiro.
RAIO-X
Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), 54
É deputado federal desde 2011. Administrador, formado em gestão empresarial e engenharia, já foi ministro das Cidades da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) e líder do governo na Câmara durante a gestão do ex-presidente Michel Temer (MDB). É relator da reforma tributária.
IDIANA TOMAZELLI E THIAGO RESENDE / Folhapress