A divulgação pelo jornal O Globo dos áudios de sessões do Superior Tribunal Militar em que ministros da Corte admitem a prática de tortura durante a ditadura repercutiu entre integrantes do mundo político e do Judiciário.
As sessões do STM foram gravadas durante dez anos. O presidente da Comissão de Direitos Humanos do Senado, Humberto Costa, do PT de Pernambuco, afirmou que a Casa vai promover uma investigação rigorosa nos arquivos divulgados pela jornalista Miriam Leitão.
O material vem sendo estudado pelo professor de história da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Carlos Fico, que obteve acesso aos áudios de sessões do STM entre 1975 e 1985.
Nas sessões, abertas e secretas, os ministros militares e civis tecem comentários sobre casos de tortura que ocorreram durante a ditadura.
Para Humberto Costa, há uma simbologia importante pelo fato de as gravações terem sido divulgadas por uma jornalista que foi vítima da tortura durante o regime militar.
O senador também afirma que as gravações são peça importante para se entender o papel do Estado brasileiro durante a ditadura.
Na sessão do dia 24 de junho de 1977, por exemplo, o general Rodrigo Octávio Jordão Ramos relata o caso de Nádia Lúcia do Nascimento, presa e torturada quando estava grávida
Na sessão do dia 19 de outubro de 1976, o ministro do STM, almirante Júlio de Sá Bierrenbach, disse que as denúncias de tortura estavam prejudicando a imagem do Brasil.E Também classificou os torturadores como covardes.
O professor da UFRJ, Carlos Fico, vem trabalhando desde 2017 com os áudios das sessões do Superior Tribunal Militar.
Foi um longo caminho desde a batalha judicial que chegou ao Supremo Tribunal Federal para obter as gravações das sessões secretas, depois a digitalização do material e a identificação das vozes dos ministros até começar a análise dos áudios.
Ele ouviu dez mil horas de gravação até entregar parte do trabalho para a jornalista Miriam Leitão.
Uma das observações do professor Carlos Fico é que os ministros do STM estavam sempre dispostos a acreditar e até mesmo punir os casos de tortura quando aconteciam em unidades da polícia, mas por outro lado havia o constrangimento quando as denúncias eram de tortura nos quartéis.
Na sessão de 20 de junho de 1977, o avogado Sobral Pinto, reconhecido pela defesa dos presos políticos, disse ser uma pena os ministros do Superior Tribunal Militar não acreditarem em tortura e apresentou documentos e um laudo feito por um médico militar que atestava que um preso político havia sido vítima de tortura.
Morte do general Newton Cruz
O presidente Jair Bolsonaro enviou uma coroa de flores com os dizeres “tributo à democracia” ao velório do general da reserva Newton Cruz, que ocorreu ontem no Rio de Janeiro.
O militar, que chefiou o Serviço Nacional de Informações durante a ditadura militar, morreu na sexta-feira, aos 97 anos. O general ficou à frente do SNI entre 1977 e 1983.
O órgão era considerado um instrumento de repressão da ditadura militar, pois perseguia e espionava jornalistas e opositores ao regime.
Enquanto era chefe do SNI, Newton Cruz foi acusado de ter ligação com a morte do jornalista Alexandre von Baumgarten, em outubro de 1982.
Meses antes da morte, o jornalista havia escrito um dossiê no qual revelava um suposto esquema de lavagem de dinheiro entre empresas privadas e o SNI.
No documento, Baumgarten dizia que estava jurado de morte por Cruz. O general sempre negou envolvimento na morte do jornalista, mas dizia saber a identidade de quem assassinou Baumgarten, embora nunca tenha revelado o nome.
Cruz chegou a ser indiciado pela Polícia Civil, mas foi absolvido em júri popular.