SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Isabelle Huppert é uma grande atriz, das maiores do cinema nos últimos 40 anos. Disso ninguém duvida. Sua presença, contudo, pode desequilibrar todo um filme, fazendo com que as possibilidades de uma determinada trama se enfraqueçam caso a atriz não seja bem dirigida.
É o que acontece com atores e atrizes muito técnicos. Jack Nicholson, Meryl Streep, antes deles Marlon Brando. São nomes capazes de conduzir os filmes e sobrepujar quem os estiver dirigindo.
Em “A Sindicalista”, de Jean-Paul Salomé, baseado em romance homônimo de Caroline Michel-Aguirre, Huppert esbarra nesse risco. Ela interpreta Maureen Kearney, a profissional do título. No instante em que o filme inicia, ela concorre ao sexto mandato como presidente do sindicato.
Ao mesmo tempo, a empresa para a qual presta contas começa a adensar uma séria disputa pelo poder. Os homens das negociatas se sentem ameaçados por mulheres que gostam de cargos superiores e sabem o que fazer com eles.
Temos então essa mulher com certo poder, respeitada no seu meio, que incomoda os demais poderosos da empresa e ao mesmo tempo é uma peça importante no jogo que se inicia.
Ela recebe de um espião um documento que indica negociações secretas da empresa com os chineses. Após analisar o documento e grifar algumas partes para que o espectador tenha certeza da relevância do que encontrou, passa a olhar para o vazio, no gesto clássico de quem está pensando, enquanto a música sugere algum suspense.
Nesse momento em especial, temos o típico clichê de filme de espionagem, com uma atriz que, por ser muito boa, acentua o lado ridículo da cena. É justamente nesses casos que uma grande presença pode ser prejudicial.
A direção de Jean-Paul Salomé se concentra em extrair da atriz o máximo de expressão e técnica. Seu estilo se submete à trama e à presença da atriz, cuja atuação, felizmente, levanta o filme na maior parte do tempo.
Huppert é tão boa que consegue contornar as adversidades e os pequenos cacos inseridos na trama, como o número grande de vezes em que ela se assusta com algum barulho ou alguma atitude. Ela sabe que em alguns momentos, menos é mais.
Sua personagem passa a ser ameaçada quanto mais incomoda o pessoal das negociatas. Maureen chega a ser torturada como maneira de cercear a profissional em sua pressão sobre os políticos e industriais.
Conforme desconfiam das ameaças e da tortura, Maureen passa a enfrentar o viciado sistema jurídico, que a procura culpabilizar pelo que sofreu. Velha estratégia masculina para cometer crimes com mais segurança.
Não ajuda que Huppert tenha interpretado diversas personagens problemáticas ou mesmo vilanescas. É como se seu passado cinematográfico contasse, aos olhos do público, contra sua personagem.
Sua persona atrai ambiguidades, o que normalmente é um trunfo aos filmes, e também em “A Sindicalista”, no qual a questão passa obviamente, e novamente, pela guerra dos sexos.
Com isso, a trama permite o brilho de uma outra atriz, Marina Foïs, que interpreta Anne Lauvergeon, presidente destituída da empresa. É uma mulher enigmática que pode, aos olhos da protagonista, esconder algumas coisas.
É estranho num filme que mostra mulheres fortes enfrentando homens malvados vermos uma cena em que a família joga cartas e a filha de Maureen recebe a ajuda de seu namorado para saber qual descartar.
Seria um pequeno contrabando de Salomé, indicando uma reação masculina? Ou apenas um desejo de equilibrar um pouco o jogo, já que no filme os homens tendem a ser mostrados como trogloditas ou muito fracos, o que facilitaria a vitória das mulheres?
De todo modo, “A Sindicalista” não é bem-sucedido de todo, embora levante uma série de questões prementes no mundo corporativo atual.
A SINDICALISTA
Onde: Nos cinemas
Classificação: 14 anos
Elenco: Isabelle Huppert, Pierre Deladonchamps e Grégory Gadebois
Produção: França, Alemanha, 2022
Direção: Jean-Paul Salomé
Avaliação: Bom
SÉRGIO ALPENDRE / Folhapress