Entenda o pensamento de Galípolo, cotado a presidente do BC

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O que pensa Gabriel Galípolo sobre economia já era importante por ele ser o secretário-executivo, o número dois, do Ministério da Fazenda. Mas ao ser indicado para Diretoria de Política Monetária do BC (Banco Central), cotado inclusive para se tornar presidente da autarquia após o fim do mandato de Roberto Campos Neto, a compreensão sobre seu norte na área se tornou alvo ainda maior de especulações.

Integrantes da cúpula do governo têm afirmado que Campos Neto quer levar o Brasil à recessão para baixar a inflação, e Galípolo vai reverter essa estratégia. O próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) confia nela. No BC, a crença é que ele ajudará o governo a entender a importância de juros altos até a inflação ceder. O próprio diz que vai promover a “harmonização entre política fiscal e monetária”

Galípolo deve ser sabatinado pelo Senado nesta terça (4), junto com Ailton Santos, indicado para comandar a área de fiscalização do BC.

O economista Luiz Fernando Figueiredo explica que a função do diretor de Política Monetária, cargo que ocupou de 1999 a 2003, é focar no que acontece no mercado financeiro aqui e no mundo para dar um norte ao BC.

Entre suas tarefas estão a gestão das reservas internacionais, cuidar da mesa de câmbio, que faz intervenção no mercado à vista, mas também é responsável pelo sistema Selic, e garantir que o juro fique na taxa definida, além de auxiliar o Tesouro Nacional nos leilões de títulos

“É importante nesse posto ter experiência em mesa de operação, mas, claro, que tudo pode ser aprendido. Já tivemos diretores que não tinham trabalhado na mesa e aprenderam ali no BC”, afirma.

Figueiredo não conhece Galípolo, mas por experiência acredita que, no fim, ele terá um alinhamento com o Copom (Comite de Política Monetária).

“Sempre acho que cabeças complementares funcionam melhor do que todo mundo pensando igual, e hoje há cabeças complementares no Copom, mas do ponto de vista técnico é muito difícil discordar do que eles estão fazendo”, afirma Figueiredo.

“Eu acho que, à medida que ele entre em contato com a bagagem técnica do BC, é grande a tendência de convergência com o pensamento dos demais.”

Procurados, Galípolo e o Ministério da Fazenda não retornaram à reportagem.

Em entrevistas concedidas antes de entrar para o governo, quando adota um discurso mais diplomático, o economista compartilha suas visões. O histórico dessas aparições mostra que ele costuma entrar em debates de temas controversos entre duas vertentes econômicas.

De um lado, os ortodoxos, economistas alinhados ao mainstream, o pensamento dominante, normalmente baseados em modelos estatísticos, do outro, os heterodoxos, que propõem uma visão mais empírica e socioeconômica dos fenômenos —com Galípolo mais alinhado ao segundo grupo.

Recentemente, uma de sua lives foi resgatada e postada no Twitter pelo economista Alexandre Schwartsman. No trecho, o jornalista Luiz Nassif lembra que o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, havia demitido o presidente do BC logo após a instituição elevar os juros, e pergunta se o gesto teria potencial de “efeito demonstração” para o Brasil.

Era março de 2021. O BC do Brasil acabara de iniciar o ciclo de elevação da taxa básica de juros, da mínima histórica de 2% para 2,75%. O citado era o terceiro presidente de BC turco demitido por desagradar Erdogan, um autocrata de direita.

Galípolo não discute a demissão, mas desenvolve a ideia de que o presidente turco tinha razão num ponto: a elevação dos juros em uma economia atingida por crises e recessões, no meio da pandemia, não combatia, mas aumentava a inflação. Schwartsman qualifica como temerária a declaração.

“O motivo da publicação foi chamar a atenção para as ideias exóticas, para dizer o mínimo, do Galípolo, a saber, que juro mais alto eleva a inflação”, disse ele à Folha de S.Paulo.

“Não custa lembrar que as mesmas ideias que ele defende na conversa com o Nassif foram testadas na Turquia e levaram a inflação para perto de 90%, agora mais na casa de 55%. Quem não estiver minimamente preocupado com isto está perigosamente alienado.”

Nassif discorda. “Galípolo participou de diversas lives e mostrou um conhecimento amplo, que vai muito além do mercado. Discutiu lógica com Newton da Costa, impressionou André Lara Rezende com seu conhecimento de política monetária, além do domínio sobre operações de mercado e PPPs”, afirmou à reportagem.

“Como diretor de Política Monetária, certamente o BC terá papel mais ativo no câmbio e no mercado de taxas de juros longas.”

Galípolo circula bem entre empresários e executivos do mercado financeiro. Economistas ditos tradicionais dizem que ele é um heterodoxo light, um representante mais moderno da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), referência entre os centros acadêmicos à esquerda.

Galípolo, porém, tem graduação e mestrado em Ciências Econômicas pela PUC-SP. A instituição não é referência no debate, mas é vista como porta de entrada para a vida acadêmica dos jovens economistas heterodoxos, e ele lecionou na graduação por seis anos.

A associação dele com a Unicamp talvez venha de suas percepções próximas ao chamado desenvolvimentismo, teoria econômica que defende o potencial do mercado interno para o crescimento dos países, inclusive com o uso de tarifa para inibir importações.

Em março de 2017, em um encontro com economistas no Bar do Alemão, no bairro Moema, em São Paulo, discutiu a globalização e seus efeitos negativos para a indústria nacional.

“Acho que é momento —pode ser uma coisa saudosista, mas eu me sinto a vontade para falar isso— de a gente tentar resgatar o discurso furtadiano de endogeneização de polo dinâmico”, afirmou.

Traduzindo do economês, defendeu o desenvolvimento endógeno. Essa teoria prega, em síntese, o uso de recursos locais, valorização da mão-de-obra e adoção de novas tecnologias para a criação de riqueza e melhoria do bem-estar social. Entre os seus motores estão incentivos e subsídios públicos a empresas privadas.

No mesmo evento, afirmou não haver uma correlação automática entre taxa de juros e problemas fiscais, mas que pressupor essa relação havia se tornado um dogma no Brasil.

“Você pode fazer uma lista de 5, 10, 20… Quantos países quiser, que vai encontrar diversos países com dívida pública em relação ao PIB muito mais alta que a nossa e com taxas de juros muito menores que as nossas”, afirmou. “Ou seja, a taxa de juros não guarda uma correlação com a questão fiscal e esses chamados fundamentos macroeconômicos.”

A relação entre câmbio e inflação foi outra vertente do tema que abordou, desta vez em entrevista ao jornalista Sérgio Lírio, da revista Carta Capital, em novembro de 2021.

“Faz 30 anos que a gente tem um único remédio para combater desvalorização cambial, que gera processo inflacionário. A gente sobe a taxa de juros, olhando para política norte-americana e política cambial, a revelia da situação do emprego e da renda do país”, afirmou ele.

Essa entrevista teve um diferencial. Contou com a participação do economista Luiz Gonzaga Belluzzo, apontado como mentor de Galípolo. Escreveram três livros juntos. Belluzzo nega o apadrinhamento, mas tem alta estima por Galípolo que, contou à Folha de S.Paulo, conheceu quando tinha 18 anos.

“Compartilhamos defeitos humanos, a curiosidade e a dúvida. Nós sempre nos colocamos em dúvida, para saber se aquilo que a gente está estudando ou observando corresponde ao que a gente imagina estar vendo”, disse Belluzzo.

“Gabriel é uma pessoa muito ampla. Fico assustado com a precariedade intelectual do que escrevem sobre ele.”

Em uma conversa que Galípolo teve com os economistas Paulo Gala e José Marcio Rego, em agosto de 2021, ele discute como o mercado financeiro opera com a informação, usando a analogia do cassino.

“Quando você joga num cassino, e todo o mundo coloca a pedrinha em um número, aquilo não muda a probabilidade de o número acontecer. Mas, na economia, as apostas são os próprios resultados. Se todo mundo apostar em um número, vai dar aquele número”, afirmou.

“É muito mais um jogo de manipulação da opinião pública, de terceiros. Como diz [o economista Maynard] Keynes, eu estou tentando prever a opinião média, se eu convencer a opinião média do que vai ser, eu vou me dar bem. É um processo de você controlar a informação, tentando manipular e produzir informação a seu favor.”

Para Gala, o BC sai ganhando com a indicação dele. “Galípolo é um dos economistas mais brilhantes de nossa geração”, afirmou à Folha de S.Paulo.

Difícil prever como essas posições intelectuais poderão definir as ações de Galípolo no atual contexto de polarização entre política fiscal e econômica, como demonstra o clima em Brasília.

ALEXA SALOMÃO / Folhapress

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