Conheça a artista Wilma Martins, que misturou cotidiano e estranheza

RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Desde que trocara Minas Gerais pelo Rio de Janeiro, a artista Wilma Martins, morta em setembro passado, privilegiou sempre os andares altos para viver. Deles, extraía sua matéria-prima: a paisagem carioca. Fosse o Rio que dá para o mar. Fosse o Rio que dá para as montanhas.

Foi da janela do quartinho de sua casa, no alto do Cosme Velho, em meio à mata exuberante que recorta o Rio de Janeiro, que a artista, bastante afeita ao silêncio e à observação, avistou o morro de Santa Teresa. E criou o tríptico “Santa Teresa I”, “Santa Teresa II” e “Santa Teresa com Elefantes”, as três obras de 1984.

Não bastasse, a artista quis enxergar além. E foi até o morro que havia transformado em pintura para torná-lo sua residência. Foram mais de dois anos entre negociação para aquisição do terreno e construção da casa -cujas obras foram parcialmente tocadas por Wilma- num solo acidentado, para onde se mudou com o marido, o curador Frederico Morais.

“Ela foi morar na vista”, afirma a curadora Stefania Paiva, que assina junto de Morais a mostra “Wilma Martins – Território da Memória”, que acaba de ser inaugurada no Paço Municipal, no Rio de Janeiro. “A gente sempre morou em meio à natureza”, afirma Morais, que viveu 60 anos com Wilma.

A individual é a primeira exposição dedicada à artista nascida em 1934 e criada na zona rural de Belo Horizonte, em Minas Gerais, após a sua morte. A mostra começou a ser concebida em 2021, com Wilma ainda viva e contou com a colaboração da própria.

Com sua morte, o trabalho foi interrompido e retomado pela dupla de curadores, como uma espécie de elaboração do próprio luto.

Embora ocupe somente um espaço expositivo no Paço Municipal, a exposição dá conta de ambientar as diversas fases da carreira da artista que teve como professor o artista Alberto da Veiga Guignard, mestre do modernismo e um dos maiores retratistas da paisagem mineira. A exposição segue não uma ordem cronológica, mas privilegia os temas que marcam sua criação.

“A ideia era uma exposição de gravuras. Um trabalho que sempre apareceu de forma pontual”, afirma Stefania. Em decorrência da morte da artista, expandiu-se o conceito expositivo para abranger outras facetas e períodos da obra.

A série de gravuras em madeira que abarcam o período inicial da artista tratam justamente de sua relação com a natureza. São gravações de árvores, flores e folhas feitas a partir da observação da flora e da fauna da residência do casal em Belo Horizonte.

Na sequência, uma parede toda dedicada às séries de xilogravuras -o método preferido de gravação da artista- em que Vilma trata temas como o corpo, o feminino e a maternidade e explora cores como o vermelho, o preto e o branco, valendo-se mais ou menos de espaços vazios a depender da fase.

Um exemplo é o tríptico “O Encontro”, uma xilogravura em que diversos corpos rumam a uma mesma direção, uma meia circunferência vermelha. Dessa fase, segundo Morais, também se observam as influências da arte medieval e flamenga, uma paixão em comum a Wilma e Guignard.

No caso do tríptico, a influência vem diretamente do artista Jan van Eyck, autor do famoso quadro “O Casal Arnolfini”.

A obra de Wilma é uma releitura do painel “Adoração do Circo Místico”, de Van Eyck, na qual a artista eliminou o cordeiro e a sacralidade da obra original, bem como transforma o altar original num semicírculo, para o qual as figuras femininas -em branco- e masculinas -em negro- convergem. Morais a considera “a maior e mais despojada e impactante xilogravura criada por Wilma”.

Stefania destaca também as obras nas quais há uma “metamorfose em que você não consegue identificar seres ou animais”, com rostos que remetem a formatos humanos, mas portam asas e chifres.

A artista dizia que “algumas de suas gravuras são conscientemente mitológicas”, inclusive com a influência da “mitologia cristã”, como se pode observar em “Juízo Final”, ainda que Morais destaque que sua obra não seja sacra ou religiosa.

Embora gostasse da xilogravura, Wilma se sentia livre no desenho e uma de suas últimas obras foi uma série de 24 desenhos, em lápis de cor e nanquim, retratando o Morro Dona Marta, ao longo de 24 horas de um dia. Cada pequeno quadro corresponde a determinada hora e sua respectiva luz naquele horário, num dedicado -e delicado- esforço de observação.

Na mostra, os 12 quadros correspondentes às horas do dia pairam sobre os 12 quadros correspondentes à noite e dialogam, frente a frente, com a série de pinturas de Santa Teresa. Frente a frente uma com a outra. Estabelecendo, assim, uma trajetória de vida e obra, início e fim, pautados pela natureza.

“Ela e a natureza estavam muito juntas”, afirma o marido. “Sinto saudades.”

WILMA MARTINS: TERRITÓRIO DA MEMÓRIA

Quando Até 20 de agosto. Ter. a dom., das 12h às 18h

Onde Paço Imperial – pça. Quinze de Novembro, 48, Rio de Janeiro

Preço Grátis

DANILO THOMAZ / Folhapress

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