SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O contraste entre as cores vermelho e verde, branco e preto, ajudam a demarcar a forma de silhuetas femininas, um beijo entre dois rostos e o que poderia ser uma máscara de teatro, ao lado de uma porta antiga e um abajur.
Entre os corpos, frases recortadas de jornais e revistas apontam para as proibições que sujeitavam o corpo das mulheres na década de 1960.
“Um Alegre Teatro Sério”, pintada por Teresinha Soares em 1966, dá nome à individual na galeria Gomide&Co, em São Paulo, de introdução a obra da artista.
A tela poderia ser o cartaz de uma peça de teatro, também pela proximidade de Soares com esta arte, não fosse o tom erótico e politizado que carrega.
Os trechos em texto são como peças soltas de um mosaico, reflexo do tempo em que foram escritos, em que a sexualidade feminina era tabu, enquanto mulheres ainda cavavam espaço na estrutura social contemporânea. Ambos temas caros ao movimento feminista, no qual Soares militava.
Em meio ao grafismo das figuras de Teresinha, as palavras tornam-se um complemento à contestação do corpo induzida pela artista e criam uma espécie de narrativa cinematográfica, instigando quem observa a se questionar o que ocorre de tão proibido atrás da porta rodeada de corpos sinuosos e penumbra.
Na mesma paleta de cores, “Eles Guardarão as Portas”, de 1966, escrita recortada que se lê sobre uma entrada, evoca as barreiras impostas às mulheres junto às repressões da ditadura militar -insinuadas, talvez, por desenhos que parecem fotos 3×4 ao lado de frases como “nas listas vermelhas está o” e “de como se conseguir uma morte sem glória”.
Em “Casa Suspeita”, de 1967, a artista retrata um tema delicado para a época: a prostituição. Faces entrelaçadas e corpos sensuais posam ao lado dos convites “venha conferir” e “fazemos qualquer negócio”.
Para Lilia Schwarcz, as obras evidenciam a ambiguidade da condição feminina entre prazer e sofrimento. “O corpo que se liberta e a violência de quem sofre com processos contínuos de tentativa de subordinção”, explica.
Apesar da obra de Teresinha Soares ser difícil de enquadrar, como argumenta Schwarcz em artigo introdutório à mostra, é possível identificar aproximações estilísticas com o nouveau réalisme e a Nova Figuração brasileira, influenciada pela pop art.
Junto a seus contemporâneos, nomes como Rubens Gerchman e Antônio Dias, a mineira integrava o manifesto contracultural da Nova Objetividade Brasileira, com foco na contestação da sociedade brasileira e das normas vigentes para a arte.
Enquanto isso, a poeta Hilda Hilst compartilhava da relação destemida com a sexualidade em seus versos eróticos.
A individual traz “Mulheres”, uma série de trabalhos em nanquim e guache sobre papel que não foi exposta na mostra “Quem tem medo de Teresinha Soares?”, do Masp, em 2017 -considerada a mais completa da artista depois da virada do milênio.
Os desenhos parecem estudos das possíveis expressões do corpo feminino por diferentes ângulos, por meio de linhas tortuosas que impossibilitam entender onde começa e termina a figura observada.
Para analisar a obra de Soares junto a curadoria da mostra, a pesquisadora e escritora Julia de Souza cita “O Erotismo”, do filósofo Georges Bataille.
Segundo ele, o encontro sexual entre dois corpos dilui o “sentimento de si” quando, pelo êxtase, instala uma continuidade entre os amantes -que não sabem mais onde termina e começa o corpo de cada um.
Além de artista plástica, Soares foi miss, vereadora, professora e escritora. Expôs na nona e na 11ª Bienais de São Paulo e foi descrita pela jornalista Denise Morais, na época, como “a moça da arte erótica”.
Porém, como uma explosão, a produção da artista foi intensa e breve, cessando para sempre em 1976 – interrupção que, até hoje, nem ela própria sabe explicar.
A nova onda feminista mundial trouxe sua obra de volta aos holofotes pelas exposições “Radical Woman: Latin American Art 1960-1985”, de curadoria de Cecilia Fajardo-Hill e Andrea Giunta e de sua individual no Masp, batizada com uma manchete da época.
Estão ainda disponíveis “Jogo do Desencontro”, de 1967, e “Ele Tocou as Cordas do Meu Coração”, de 1966, duas obras interativas e esculpidas em madeira pela artista.
A primeira reflete sobre o sofrimento em uma relação amorosa e convida o público a abrir um compartimento para descobrir o motivo da dor.
A segunda parece um violão vazado, e seu interior remete a anatomia humana. Um coração de tecido divide espaço com lâmpadas coloridas acesas e, ao se puxar um fio de náilon, um sino toca. Como aponta Souza, o corpo enamorado está em festa.
TERESINHA SOARES: UM ALEGRE TEATRO SÉRIO
Quando Até 29 de julho. Seg a sex., das 10h às 19h; sáb., das 10h às 17h
Onde Gomide&Co – av. Paulista, 2644, São Paulo
Preço Grátis
ALESSANDRA MONTERASTELLI / Folhapress