SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A última noite do diretor teatral José Celso Martinez Corrêa, o Zé Celso, morto nesta quinta-feira (6), foi dedicada ao texto de “A Queda do Céu”, adaptação para o teatro do livro de mesmo nome de Bruce Albert e Davi Kopenawa, segundo o ator Pascoal da Conceição.
De acordo com ele, que participou de diversas obras do Teatro Oficina, Zé Celso tinha como grande preocupação atual a questão do marco temporal e a demarcação de terras indígenas.
Ele ainda estaria sondando, com os demais integrantes do Oficina, um lugar diferente para conduzir os ensaios da peça, que ele planejava encenar no parque do Rio Bixiga seu projeto dos sonhos, no terreno que vive um imbróglio há mais de 40 anos.
O local entre as ruas Jaceguai, Abolição, Japurá e Santo Amaro é centro de uma disputa, envolvendo o Teatro Oficina, seu diretor Zé Celso, movimentos populares e o Grupo Silvio Santos, que pretendia construir ali três torres de até cem metros de altura.
“Não tenho a menor ideia de como vai ser”, disse Zé Celso em entrevista à Folha de S.Paulo em junho. “É uma coisa absolutamente nova para mim. Mas estou muito aberto. A peça é escrita por um grande intelectual xamã, que é o Kopenawa, e pelo Bruce Albert, que fez o livro. É a descoberta de outro continente. Está no Brasil, mas não é Brasil. Os yanomamis constituem uma nação.”
Ele iniciou a adaptação de “A Queda do Céu” com o aval de Kopenawa, mas ainda não havia negociado os direitos com a editora Companhia das Letras. O dramaturgo Fernando de Carvalho e o ator e codiretor Roderick Himeros participaram das jornadas de escrita.
“A Queda do Céu” estava programada para estrear no segundo semestre deste ano. Em abril, o Sesc Pompeia abrigou a primeira leitura pública, conduzida pelas atrizes Lilly Baniwa, Alanis Guillen e Zahy Tentehar, esta última elogiada pelo diretor como “uma nova Cacilda”. “É o projeto mais importante de minha existência”, ele repetia em seu aniversário, em março, no Oficina.
O apartamento de Zé Celso foi consumido por um incêndio na madrugada de terça-feira (4). Consta no boletim de ocorrência da Polícia Civil, obtido pela Folha, que o incêndio teria começado no quarto do diretor, provavelmente causado por problemas em um aquecedor elétrico.
A partir daí, o fogo teria se alastrado para peças de roupa. Uma situação parecida aconteceu no imóvel há cerca de três anos, mas na ocasião o fogo foi rapidamente controlado.
O dramaturgo teve queimaduras em 53% do corpo e estava internado no Hospital das Clínicas, mas não resistiu. Na ocasião do incêndio, Marcelo Drummond, com quem Zé Celso era casado, socorreu o diretor.
Outros dois atores, Ricardo Bittencourt e Victor Rosa, que também moravam no local, ajudaram no socorro. Os três sofreram queimaduras leves, além de inalar fumaça, sendo que Drummond e Rosa seguem internados no Hospital São Paulo.
“Ele vai embora, mas deixa para todos nós do Oficina um trabalhão a ser erguido. Ele é um cara do presente, do aqui e agora”, diz Pascoal da Conceição. “Eu aprendi com a Zé a presentificar o trabalho, a dar sentido ao meu trabalho no presente. O Dr. Abobrinha [personagem do Castelo Rá-Tim-Bum] tinha muito desse aprendizado”.
GUSTAVO ZEITEL / Folhapress