SÃO PAULO, SP E BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O desmatamento na Amazônia registrado em junho foi o mais baixo dos últimos cinco anos, com 663 km². Este é o registro mais baixo desde 2018 (488,1 km²), antes de Jair Bolsonaro (PL) assumir a presidência.
Na comparação com 2022, houve redução de 41% na área desmatada para o bioma.
No cerrado, a queda foi de 14,6% em relação ao junho do ano passado, com 867 km² desmatados. O número positivo vem depois de uma alta de 83% registrada em maio.
Os dados do Deter, sistema do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) que reúne informações para o combate ao desmate quase em tempo real, foram divulgados nesta quinta-feira (6) pelo Ministério do Meio Ambiente e das Mudanças Climáticas.
O acumulado no primeiro semestre do ano nos dois biomas chega a mais de 7.000 km², equivalente a cerca de 4,5 vezes a área da cidade de São Paulo (1.521 km²). Enquanto na Amazônia, foram destruídos 2.649 km² de floresta, taxa mais baixa desde 2020 (3.081 km²), o cerrado perdeu 4.408 km² de vegetação -o índice mais alto já registrado pelo Deter.
O número ficou cerca de 20% acima do recorde anterior, de 2018, quando o desmate no bioma passou de 3.774 km².
“Quando chegamos aqui sabíamos do desafio de fazer esse esforço considerando a complexidade e a diferença de 2003 para 2023, e que tínhamos que dar respostas”, afirmou a ministra Marina Silva sobre a diferença do cenário encontrado em sua primeira passagem pela pasta, dez anos atrás, em comparação com a gestão atual.
Marina ressaltou que a queda no desmatamento é, na sua visão, resultado da união entre a capacidade da equipe do ministério junto com uma decisão política.
“A decisão do presidente Lula de assumir como política de governo a continuidade da ideia de que a politica ambienta brasileira será uma politica transversal”, disse.
“O que nós temos aqui é o resultado dessa ação emergencial”, completou.
Mato Grosso ultrapassou o Pará como líder de desmatamento da Amazônia, no primeiro semestre, com 905 km² contra 746 km² de área derrubada -34% e 28% do total, respectivamente. O estado do Amazonas vem na sequência, com 553 km² e 21%.
O secretário-executivo da pasta, João Paulo Capobianco, afirma que a queda no desmatamento só não foi maior em razão da “herança” do governo de Jair Bolsonaro (PL), uma vez que durante sua gestão houve uma explosão da destruição da floresta.
“Recebemos a Amazônia em tendência de alta acelerada de 54%”, afirmou Capobianco sobre o cenário encontrado quando o governo Lula (PT) assumiu o poder. “O esforço de reverter a curva de crescimento foi atingido”, completou, diante disso.
Os registros do Deter para o cerrado começaram em maio de 2018 e em agosto de 2015 para a Amazônia.
O Deter mapeia e emite alertas de desmate com o objetivo de orientar ações do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e outros órgãos de fiscalização. Os resultados representam um alerta precoce, mas não são o dado fechado do desmatamento.
Os números oficiais são de outro sistema do Inpe, o Prodes (Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite), e são divulgados duas vezes ao ano.
Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, rede que reúne mais de 90 organizações socioambientais, avalia que a redução do desmatamento na Amazônia é um sinal de compromisso governamental com a área ambiental.
“Existem operações sistemáticas e planejadas sendo feitas em áreas sensíveis, em terras indígenas, unidades de conservação, no arco do desmatamento”, afirma ele, destacando o uso da inteligência para aumentar a eficiência na aplicação destas ações. “Isso é importantíssimo, porque para essa área de fiscalização ambiental o governo ainda tem um déficit muito grande de fiscais de campo e de capacidade operacional.”
Para Yuri Salmona, diretor-executivo do Instituto Cerrados, o recorde registrado no bioma no primeiro semestre pode estar associado a uma soma de fatores.
O primeiro seria a sinalização dada pelo governo Lula, especialmente pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, de que a fiscalização seria intensificada. Ele diz acreditar que isso pode ter incentivado uma corrida para desmatar.
“É possível que as ações de endurecimento do controle do desmatamento na Amazônia estejam empurrando desmatadores para o cerrado”, avalia. Ele acrescenta que pode haver, ainda, um crescimento motivado pelo temor de um eventual endurecimento na concessão das autorizações de supressão da vegetação.
No cerrado, é possível desmatar até 80% de propriedades privadas (ou até 65% em áreas de transição para floresta amazônica), enquanto na Amazônia o limite é de 20%. Essa questão é vista por ele como central para o avanço do desmate na região.
“Nós precisamos que o mesmo rigor aplicado para a Amazônia seja aplicado para o cerrado. Caso contrário, a mensagem é que o cerrado é um bioma de sacrifício”, afirma.
Ao mesmo tempo em que o desmatamento caiu, as queimadas dispararam em junho no Brasil.
Na Amazônia, foram registrados 3.075 focos de incêndio -maior índice desde 2007, quando a marca chegou a 3.519. No cerrado, o mês teve 4.472 focos, o mais alto número desde 2010, em que o índice registrado foi de 6.443 focos.
O crescimento na Amazônia para o mês chegou a 20% em relação a 2022 e no cerrado a alta foi de 5,4%.
Os dados são de outro sistema do Inpe, o BDQueimadas, que usa imagens de satélite para detectar ocorrências de fogo com mais de 30 m².
“Ou seja, não é porque alguém acendeu uma fogueirinha de São João ou uma churrasqueira no fundo do quintal que o satélite vai detectar”, diz o pesquisador do Inpe Alberto Setzer, que atua no projeto, citando exemplos que normalmente são usados para tentar desacreditar esse tipo de dado. “Ninguém está detectando coisas que não são queimadas.”
Na prática, a ferramenta funciona com o Deter, emitindo alertas que podem ser usados por equipes de fiscalização e controle do fogo.
O clima é um fator que colabora para que grandes incêndios florestais aconteçam, já que o fogo depende de condições específicas para se espalhar com maior facilidade: tempo seco, altas temperaturas e vento. Em ambos os biomas, esse cenário é mais comum no segundo semestre -o pico costuma se concentrar nos meses de agosto, setembro e outubro.
O pesquisador avalia que o cenário de junho é preocupante e aponta que a chegada do El Niño indica que 2023 será um ano complicado. “Quando ele ocorre de forma intensa, nós temos muito mais chuva no sul do país e na Amazônia acontece o contrário, com uma estiagem mais prolongada e com temperaturas mais altas. Então, o El Niño favorece uma temporada crítica de queimadas.”
O cientista aponta que uma explicação possível para esses números pode estar em legislações estaduais. “O Mato Grosso, por exemplo, baixou decreto proibindo as queimas a partir de 1o de julho. Então, o pessoal tentou queimar em junho o que podia”, diz.
“Outro ponto que também tem fundamento é que no ano passado houve muito desmatamento, tanto no Cerrado quanto na Amazônia, [com os desmatadores] já prevendo essas mudanças na fiscalização e no controle ambiental. Então, essas queimadas agora de junho seriam o reflexo do desmatamento mais intenso de 2022”, explica.
O Mato Grosso foi responsável por 28,4% de todos os focos de incêndio registrados no Brasil em junho, com 2.447 ocorrências.
No dia 8 de maio, foi publicado um decreto estadual limitando o período de autorização para queimadas até 1° de julho -naquele mês, o número de focos mais do que dobrou, chegando a 1.666, após 644 terem sido registrados em abril. A alta foi de 158%.
JÉSSICA MAES E JOÃO GABRIEL / Folhapress