SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O maestro João Carlos Martins foi o responsável pelo tombamento do Teatro Oficina, em 1982, quando era secretário estadual da Cultura em São Paulo. Já naquela época, Silvio Santos investia na terra ao lado do espaço e pretendia comprar o lote ocupado pelo grupo de Zé Celso, que então alugava o imóvel.
Martins lembra que entregou o documento do tombamento do teatro em mãos. Os dois estavam em seu gabinete e não contiveram a emoção. “Ele começou a chorar. Chorou, chorou. Choramos juntos”, afirma.
“O tombamento é uma carta sagrada, que ninguém, nem mesmo a ditadura da época, conseguiria contestar. Tanto é que o Silvio Santos tenta há 40 anos construir alguma coisa lá e não consegue”, diz o maestro.
Os trâmites para acelerar o processo tinham começado cinco dias antes.
Martins conta que estava em seu gabinete quando recebeu um telefonema da recepção. “Me falaram que havia 50 pessoas com roupas coloridas querendo invadir a secretaria, e que chamariam a polícia para impedir”, recorda.
O então secretário de Cultura perguntou quem integrava o grupo. Assim que soube que era Zé Celso, acompanhado por companheiros do Teatro Oficina, liberou a entrada deles. E mandou “toda a tropa” subir, mas “pela escada, porque não caberia todo mundo no elevador”.
O maestro relembra que ficou na porta de sua sala ouvindo os atores galgarem os degraus, “cantando e gritando ‘temos que tombar o Oficina, temos que tombar o Oficina'”.
“Zé Celso entrou na minha sala e disse ‘você é pianista, você é artista, tem que ajudar o teatro’. Ele também tocava piano”, diz Martins.
O fundador do Oficina explicou ao então secretário o seu drama: o teatro corria o risco de ser demolido para que em seu lugar fosse erguido um empreendimento de Silvio Santos.
“Quando ele terminou, eu perguntei: ‘Zé, para quando você precisa desse tombamento?’. E ele respondeu: ‘Para ontem'”, segue Martins.
A pressa se justificava: o imóvel que é sede da companhia teatral era alugado. E, enquanto o artista lutava para que fosse construído no terreno vizinho o parque público do rio Bexiga, o dono do SBT, por meio de uma de suas empresas, já tinha pronto o projeto de construir ali um conjunto residencial de torres.
Quando Zé Celso conversou com João Carlos Martins, o pedido de tombamento já havia sido protocolado no Condephaat. O maestro afirma que chamou em sua sala o então presidente do Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Arqueológico, Artístico e Turístico de SP), o geógrafo Aziz Ab’Saber, e o vice, o arquiteto e urbanista Benedito Lima Toledo, e lançou para eles o desafio: tombar o Oficina em menos de uma semana.
“Eles se assustaram, mas o idealismo falou mais alto. Em poucos dias, reuniram o conselho inteiro e aprovaram o tombamento”, relembra Martins.
Havia pressa também porque, naquele período da ditadura militar, “poderia aparecer uma ordem superior”, e o tombamento poderia ser barrado. A companhia de teatro fazia oposição ao regime, que censurava obras artísticas e torturava e matava oponentes.
“Cinco dias depois, eu chamo o Zé na minha sala e entrego o documento com o Teatro Oficina tombado, aprovado por unanimidade, e assinado por mim”, afirma ainda.
Ele celebra o legado do artista: “Zé Celso criou ousadia para todos os segmentos da artes. A palavra ‘ousadia’ faz parte do dicionário dele, que foi um genial dramaturgo”.
No mês passado, exatamente um mês antes de sua morte, Zé Celso fez uma grande festa no teatro para celebrar seu casamento com o ator Marcelo Drummond.
A festa reuniu artistas, personalidades e intelectuais que lotaram a plateia do espaço. O maestro João Carlos Martins e sua mulher, Cármen, estavam presentes.
MÔNICA BERGAMO / Folhapress